Ficha do Proponente
Proponente
- Andrea C. Scansani (UFSC)
Minicurrículo
- Professora do curso de Cinema da UFSC e coordenadora do grupo de pesquisa Fotocrias. Doutora em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA/USP com período sanduíche no IRCAV – Sorbonne Nouvelle – Paris 3; mestre em Multimeios pelo Instituto de Artes da UNICAMP; especializada em Fotografia Cinematográfica pela Academia de Cinema e Drama de Budapeste/Hungria; graduada em Cinema pela ECA/USP. Área de pesquisa: imagem cinematográfica, materialidade, corpo e câmera e processos fotográficos artesanais.
Ficha do Trabalho
Título
- O humano e o técnico num só corpo: diálogos entre Simondon e Béla Tarr
Seminário
- Corpo, gesto e atuação
Resumo
- Esta apresentação propõe uma reflexão sobre o ato cinematográfico em Béla Tarr e sua equipe em diálogo com algumas ideias presentes no trabalho de Gilbert Simondon. Através do primeiro plano de seu último filme, O Cavalo de Turim (2011), traçaremos uma série de conexões entre as diversas facetas do pensamento de Simondon presentes em duas de suas obras: sua tese secundária, O modo de existência do objeto técnico (1958), e Imaginação e invenção (1965-66).
Resumo expandido
- Os batimentos vitais da imagem cinematográfica são criados, processados e expostos por máquinas em todas as etapas de realização e exibição de um filme. Ao remontar a história tecnológica do cinema, veremos que ela sempre esteve em transformação e se, hoje, nossos celulares cumprem o papel de pequeninas cavernas de Platão, é porque o constante movimento da tecnologia é sua fortuna. O que vemos como uma evolução de aparatos ópticos que ao longo dos séculos florescem em forma de imagens em movimento mais ou menos triunfantes, nada mais é do que a capacidade humana de transformar ideias em coisas, de debruçar-se com curiosidade sobre os materiais e de dar corpo à imaginação através de sua predisposição inventiva.
A partir desta premissa, propomos uma reflexão sobre o ato cinematográfico em Béla Tarr (1955 -) e sua equipe em diálogo com algumas ideias presentes no trabalho de Gilbert Simondon (1924-1989). Através do primeiro plano de seu último filme, O Cavalo de Turim (2011), nos debruçaremos sobre o fazer cinematográfico, este objeto que ocupa um lugar de menor destaque dentro dos vastos estudos do cinema. A realização fílmica – uma atividade necessariamente técnica e indiscutivelmente humana -, é fruto de uma complexa rede de relações do homem com as máquinas e com sua própria capacidade inventiva e imaginativa. O objeto técnico central de uma filmagem, a câmera, catalisa os desejos e as habilidades de uma série de agentes e transforma este encontro em componentes de um objeto cultural por excelência: o filme. Pensar o cinema sob este prisma nos proporciona fazer uma série de conexões entre o pensamento de Simondon – presentes em duas de suas obras: sua tese secundária, O modo de existência do objeto técnico (1958), e Imaginação e invenção (1965-66) -, e a elaboração do que emana de um plano único, de pouco mais de quatro minutos, que acompanha um cavalo [o de Turim, aquele a quem Nietzsche abraçou aos prantos, como cita o cineasta na introdução do filme] guiado por seu cocheiro em um árduo entardecer.
Na impossibilidade de fissura entre o técnico e o artístico ou entre o essencialmente humano e a máquina, o cinema, a nosso ver, compactua com Simondon. E não poderia ser diferente, pois, para ele, “o destino da inspiração estética de todo pensamento que tende à sua realização é constituir no interior de cada modo de pensar uma retícula que coincida com a retícula dos demais modos de pensar: a tendência estética é o ecumenismo do pensamento” (SIMONDON, 2007, p. 199). Dito de outro modo, o cinema [forma de representação em que a estética, por óbvio, está totalmente implicada] proporciona um terreno comum [retícula] onde as várias formas de pensamento podem se manifestar. E não apenas isso, sua tendência estética não propicia manifestações isoladas deste ou daquele princípio, desta ou daquela crença, ou desta ou daquela capacidade técnica e, sim, uma eficiente articulação entre todos os seus componentes. Isto é, o cinema, através da inspiração estética que o motiva e a personalidade técnico-inventiva que lhe dá forma, é a um só tempo objeto técnico e estético. Ele assimila de forma equivalente as diferentes individualidades que habitam esse espaço compartilhado e transforma-se num agregado transindividual. Sendo assim, nossa investida é a de pensar as pulsações da imagem cinematográfica para além de seu conteúdo figurativo, dentro da perspectiva coletiva do ato cinematográfico e com o auxílio de Simondon, como modo de ampliação da nossa maneira de olhar para o cinema e, quiçá, para a própria obra do filósofo.
Bibliografia
- KELEMEN, Fred. “The Thinking Image: Fred Kelemen on Béla Tarr and The Turin Horse”. Cinema Scope, n. 46, 2011.
LAMOURE, Jean-Marc [direção]. I Used to Be a Film Maker. 2014.
SIMONDON, Gilbert. Du mode d’existence de objects tecchiniques. Paris: Aubier, 1989.
___________. El modo de existencia de los objetos técnicos. B. Aires: Prometeo, 2007.
___________. Curso sobre la percepción. Buenos Aires: Cactus, 2012.
___________. Imaginación e invención. Buenos Aires: Cactus, 2013.
___________. Sur la technique. Paris: Press Universitaires de France, 2014.