Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Rogério Luiz Silva de Oliveira (UESB)

Minicurrículo

    Professor de Direção de Fotografia do Curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Concluiu mestrado e doutorado com estudos dedicados às imagens fotográfica e cinematográfica. Fotógrafo e realizador audiovisual. Sócio da Associação Brasileira de Cinematografia – ABC. Integrante do grupo de pesquisa Cultura, Memória e Desenvolvimento – CMD, vinculado à Universidade de Brasília – UnB.

Ficha do Trabalho

Título

    A direção de fotografia e a poética do espaço

Seminário

    Teorias e análises da direção de fotografia

Resumo

    A proposta propõe uma reflexão sobre a relação entre a direção de fotografia e o espaço. Toma como objeto de análise o processo criativo das narrativas audiovisuais “Sertão de Acrílico Azul Piscina” (2004) e “Viajo porque preciso, volto porque te amo” (2009). A ideia é apresentada em diálogo com a poética do espaço de Gaston Bachelard, procurando compreender a forma como um vídeo-roteiro suscita, por meio do registro cinematográfico da espacialidade, ideias para um longa-metragem.

Resumo expandido

    Separados no tempo por cinco anos, os dois trabalhos dirigidos por Karim Aïnouz e Marcelo Gomes são construídos por uma amálgama imagética captada numa longa viagem pelos estados brasileiros de Pernambuco, Ceará, Paraíba, Bahia, Sergipe e Alagoas nos anos de 1999 e 2000. Assinada por Heloísa Passos, e com as imagens adicionais de Daniel Aragão e Carlos Eduardo, a direção de fotografia lança um olhar aberto e livre sobre os distintos espaços encontrados no trajeto percorrido pelo vasto território nordestino. Nitidamente misturando tecnologias, resoluções e acabamentos técnicos, as imagens, a princípio vistas no vídeo-documentário “Sertão de Acrílico”, dão conta de uma multifacetada composição cultural manifestada em paisagens naturais e humanas, além do registro de pessoas em seus afazeres sociais. Cabe sublinhar, de partida, que as imagens brutas utilizadas na montagem final desse vídeo-documentário serviram como matéria-prima também para a construção do longa-metragem “Viajo porque preciso, volto porque te amo”. Neste segundo caso, o constructo documental dá lugar a uma ficção protagonizada pelo personagem José Renato, um geólogo que viaja pela longa faixa do nordeste registrando as condições geossociais para construção de um canal na região. Uma análise do duo fílmico em questão, em observância à dimensão espacial, não deixará passar o detalhe de que Joana, a destinatária das declarações de amor oriundas das elucubrações de um viajante solitário, é botânica por profissão. O processo de ressignificação das imagens captadas pela câmera parece bem representado nesta apropriação criativa em que um geólogo escreve para uma botânica utilizando, como metáfora, a manifestação natural das plantas e das falhas geológicas filmadas ao longo do caminho. Nota-se o quanto as imagens brutas inspiram um jogo imaginativo que valoriza a direção de fotografia ao criar características para as personagens numa nítida inspiração nas imagens.
    Ao tomarmos o documentário como um vídeo-roteiro, tomando de empréstimo a definição de Philippe Dubois, ao falar sobre o conjunto da obra de Jean-Luc Godard, será possível verificar o quanto a recorrência de determinados elementos espaciais registrados pela câmera de forma livre, favoreceu a criação das tensões e distintas nuances em cada um dos trabalhos. Nesse sentido, “Sertão de Acrílico” está para “Viajo porque preciso” na mesma proporção em que um vídeo-roteiro está para um longa-metragem. Vale muito, nesse sentido, a definição de Philippe Dubois sobre os vídeo-roteiros de Jean-Luc Godard ao lembrar que “tais trabalhos não devem ser de modo algum considerados o programa ou a prefiguração dos filmes aos quais correspondem” (DUBOIS, p. 302). Indo ainda mais fundo, os vídeo-roteiros são como rascunhos, esboços, notas de pesquisador. Ensaios, no sentido estrito” (idem).
    O encontro entre a câmera e os ambientes, com tudo aquilo que eles apresentam, funciona como um dispositivo frutífero, do ponto de vista plástico e narrativo, para a criação audiovisual. Isso, por sua vez, nos conduz a outro aspecto fundamental da reflexão aqui anunciada: a câmera promove uma poética do espaço, associada, por nós, à filosofia da imaginação proposta por Gaston Bachelard. Ao propor sua particular fenomenologia da imaginação (BACHELARD, 1978, p. 184), o filósofo induz a observação, por exemplo, sobre a possibilidade de um espaço como a casa ser tomado como instrumento de análise para a alma humana” (BACHELARD, 1978, p. 197). Não à tôa, a construção da personagem José Renato leva em consideração tantas imagens encontradas pela direção de fotografia na longa viagem de pesquisa da equipe de realização e materializadas, a princípio, em “Sertão de Acrílico”. O alcance da proposta aqui delineada permite identificar que o vídeo-roteiro em questão configura uma proposta de cinematografia colocada a serviço da averiguação do espaço com vistas ao desenvolvimento de uma ideia narrativa.

Bibliografia

    BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978. Tradução de Antônio da Costa Leal e Lídia do Valle Santos Leal. p. 183-354).

    COSGROVE, Denis. A Geografia está em toda parte: cultura e simbolismo nas paisagens humanas. In: ROSENDAHL, Zeny e CORRÊA, Roberto Lobato (org.). Paisagem, tempo e cultura. 2. Ed. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2004.

    DUBOIS, Philippe. Cinema, video, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004. Tradução Mateus Araújo Silva. (Coleção cinema, teatro e modernidade).

    OLIVEIRA, R. L. S. Memória e Criação na Direção de Fotografia. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Vitória da Conquista – BA, 2016.

    Referências audiovisuais

    SERTÃO de acrílico azul-piscina. Direção: Karim Aïnouz e Marcelo Gomes. Brasil. 2003. 26 min. Colorido.

    VIAJO porque preciso, volto porque te amo. Direção: Karim Aïnouz e Marcelo Gomes. Brasil. 2009. 75 min. Colorido.