Ficha do Proponente
Proponente
- Daniel Feix (Sem vínculo)
Minicurrículo
- Graduado em Jornalismo (2000) pela PUCRS, mestre em Comunicação Social (2019) pela mesma instituição, com a dissertação “Da entrevista à observação da ação: a tendência realista-fabular do cinema brasileiro pós-2010”. Foi editor da revista de cultura Aplauso, de Porto Alegre e atualmente é editor de cultura e crítico de cinema do jornal Zero Hora. Membro das associações de críticos de cinema do Brasil (Abraccine) e do RS (Accirs), esta última como presidente na gestão 2018-2020.
Ficha do Trabalho
Título
- Da entrevista à ação: uma tendência do cinema brasileiro contemporâneo
Resumo
- Realizados em sequência pela produtora Teia, “A falta que me faz”, “O céu sobre os ombros” e “Girimunho” evidenciam uma mudança de procedimento nos filmes nacionais da virada dos anos 2000 para os 2010: a substituição do recurso da entrevista pela observação da ação. Essa mudança permitiu a captura da intriga (KRACAUER, 1997) e reorganizou a relação personagem-espaço (BURCH, 2015), escancarando sintomas (DIDI-HUBERMAN, 2012) marcantes do período, como a opressão contida nessa relação.
Resumo expandido
- Tendência afirmada na produção nacional nos anos 2000, sobretudo a partir da obra de Eduardo Coutinho, o documentário de entrevistas deu lugar, na virada da década de 2010, a um cinema de encontros do Eu (o cineasta e sua equipe) com o Outro (o personagem) marcado pela observação da ação. Essa mudança, que reconfigura o processo de “fabulação” dos personagens (DELEUZE, 2013) e permite a captura da “intriga” (KRACAUER, 1997), pôde ser vista pontualmente em filmes de cineastas como Cao Guimarães, mas adquiriu constância e consistência a partir da repetição e do aprofundamento de procedimentos realizados em sequência no âmbito da produtora Teia (MG), nos longas-metragens “A falta que me faz” (de Marília Rocha, lançado no circuito em 2010), “O céu sobre os ombros” (de Sérgio Borges, com lançamento em 2011) e “Girimunho” (de Clarissa Campolina e Helvécio Marins Jr., com lançamento em 2012).
Em “A falta que me faz”, a câmera com frequência deixa o primeiro plano típico das entrevistas para, concomitantemente às conversas do Eu com o Outro, registrar a ação em torno de suas cinco protagonistas. Esse movimento de afastamento do olhar rumo ao plano geral é aprofundado em “O céu sobre os ombros”, longa que abdica da entrevista e é calcado inteiramente na observação da ação – o que, particularmente nas sequências finais, é feito a uma distância radical, com a câmera prescindindo por completo do “acidente” para tornar-se “esvaziada” (RAMOS, 2008).
Reorganiza-se, assim, a relação entre o personagem e o espaço que ele ocupa. A imagem capturada com a lente mais aberta passa a incorporar o que outrora estava no extracampo. Além disso, aquilo que Burch (2015) chamou de “quadro vazio”, que pode ser interpretado como um plano de contextualização, passa a integrar o quadro sem a necessidade de recorrer ao corte – o que ocasiona o alongamento dos planos e a “unidade espacial” do registro (BAZIN, 2014).
Em “Girimunho”, a protagonista com frequência interage com o extracampo, ora falando com o fantasma do marido recém-falecido, ora proferindo frases sobre a morte e o tempo enquanto olha para a infinitude da paisagem do sertão. Até que, ao final da narrativa, ela é engolida por essa paisagem, adentrando no Rio São Francisco para dar fim à própria vida, quebrando as noções de “segmento” do espaço fílmico (BURCH, op. cit.) e, consequentemente, conformando um amálgama definitivo entre o personagem e o lugar que ele habita.
A morte da protagonista de “Girimunho” concretiza seu desejo de fuga do lugar habitado, desejo este que também se mostra latente nas fabulações dos protagonistas de “A falta que me faz” e “O céu sobre os ombros”. A fuga indica opressão do espaço, portanto, constitui um “sintoma” do contexto desses registros (DIDI-HUBERMAN, 2012; KRACAUER, op. cit.), sintoma este capturado justamente em decorrência da mudança de procedimento – da entrevista para a observação da ação que faz reconfigurar-se a relação personagem-espaço.
O “esvaziamento” (RAMOS, op. cit.) mostra-se completo em “Girimunho”. Contudo, outras produções brasileiras do período apresentam procedimentos semelhantes no que diz respeito ao afastamento em busca da reorganização dessa relação personagem-espaço – devidamente observada a partir da ação que permite a captura da intriga e uma fabulação diferenciada, na comparação com os filmes de entrevista. Entre essas outras produções, estão “O grão” (de Petrus Cariry, lançado no circuito em 2010), “Morro do Céu” (de Gustavo Spolidoro, com lançamento em 2011) e “Avenida Brasília Formosa” (de Gabriel Mascaro, com lançamento em 2011), longas-metragens cujas câmeras observadoras distanciadas recorrentemente enquadram os personagens de modo a repensar sua inserção no lugar habitado.
Trata-se de uma recorrência significativa. Suficiente para que se aponte a existência de uma nova tendência no cinema brasileiro contemporâneo.
Bibliografia
- BAZIN, André. “O que é o cinema?”. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
BURCH, Noël. “Práxis do cinema”. São Paulo: Perspectiva, 2015.
DELEUZE, Gilles. “A imagem-tempo”. São Paulo: Brasiliense, 2013.
DIDI-HUBERMAN. “Quando as imagens tocam o real”. In: Pós, Belo Horizonte, v. 2, n. 4, pp. 204-219, nov. 2012.
KRACAUER, Siegfried. “Theory of film – The redemption of physical reality”. Princeton: Princeton University Press, 1997.
RAMOS, Fernão Pessoa. “Mas afinal… O que é mesmo documentário?”. São Paulo: Senac, 2008.