Ficha do Proponente
Proponente
- Julio Bezerra (UFMS)
Minicurrículo
- Professor do curso de Audiovisual da UFMS. Doutor pela UFF e mestre pela UFRJ. Realizou pesquisa de pós-doutorado na ECO-UFRJ e fez estágio pós-doutoral na Columbia University. Autor do livro Documentário e jornalismo: Propostas para uma cartografia plural. Jornalista e crítico de cinema, colaborou com uma ampla gama de publicações. Curador das retrospectivas de Abel Ferrara, Samuel Fuller e Jean Renoir. Dirigiu os curtas E agora? (2014) e Pontos corridos (2017).
Ficha do Trabalho
Título
- Antifilosofia: Jean Epstein e realismo especulativo
Resumo
- O objetivo desta apresentação é propor um diálogo entre o cinema e a teoria de Jean Epstein e o realismo especulativo. A interação de forças subjetivas e objetivas no cinema é um campo atraente de investigação para um realista especulativo, e a convicção epsteniana de que o cinema nos abre para novos domínios do conhecimento do mundo está absolutamente sintonizada com o movimento filosófico. Ao longo desse diálogo, esboçamos um modo diverso de pensar sobre o cinema: uma “antifilosofia”.
Resumo expandido
- Jean Epstein foi um poeta, cineasta e filósofo de cinema, para sempre empenhado na possibilidade da sétima arte de mudar o pensamento. Ele entrou no cinema em um momento de grande emoção e descoberta – um período em que suas possibilidades pareciam ilimitadas e suas implicações ainda a serem pensadas. Em muitos aspectos, apesar das extraordinárias realizações do cinema francês antes e depois da Segunda Guerra Mundial, pode-se afirmar que o verdadeiro centro do movimento está em seu discurso teórico e as primeiras tentativas autoconscientes de definir a natureza do cinema (e, portanto, sua diferença em relação ao outras artes).
Epstein era fascinado pelas relações entre o aparato mecânico e os objetos particulares que ele registra. Não este ou aquele objeto individual, mas todas as coisas que juntas formam um mundo. Epstein demonstrou uma fascinação de olhos arregalados com a incomparável capacidade do filme de transmitir a verdade da vida em sua glória ilógica, não-teleológica, ilimitada e infinitamente mutante. Epstein enaltece o cinema como “[uma] nova poesia e filosofia”, uma arte cuja verdade difere da história porque despreza a convenção, considera a encenação absurda e eloquência morta. Para Epstein, o cinema é mais do que uma forma de entretenimento, um meio de massa, uma nova linguagem visual ou até mesmo uma nova forma de arte. O cinema oferece um cérebro mecânico, um olho máquina – um portal para um novo mundo transformado pela tecnologia: um modo da percepção humana penetrar na própria vida da matéria.
Sua teoria é baseada em um conceito, a fotogenia, que é da ordem do inefável, quase de uma espécie de mágica. Designa a capacidade única da imagem cinematográfica de intuir, captar, sugerir algo das categorias mais íntimas do ser do mundo. A fotogenia, em suma, se apresenta como uma possibilidade de revisão daquilo que geral entender ser o cinema, indicando um novo potencial dentro das imagens em movimento, um modo diferente de experimentá-las e uma enorme promiscuidade entre espectadores encarnados e pensantes, uma máquina inteligente e um filme. Para Epstein, o cinema está sempre nos forçando a reconhecer os limites das percepções e conceitos humanos e afirmar a existência de um mundo para além deles. Somos forçados, em suma, a esboçar um mundo sem nós.
“Sem nós” pode significar “na nossa ausência” ou “para além de nós”. Essa ideia caracteriza o propósito do realismo especulativo, uma tendência recente da filosofia definida por sua oposição ao que Quentin Meillassoux chama de “correlacionismo”: a noção de que “o pensamento não pode sair de si mesmo para comparar o mundo como ele é ‘em si’ e o mundo como ele é ‘para nós’ e, assim, distinguir o que emerge como uma função de nossa relação com o mundo daquilo que pertence apenas ao mundo”. Os realistas especulativos nos desafiam a pensar o mundo à parte de nossa visão estreita sobre ele, reconhecendo as dificuldades de se pensar o impensado (o fora do pensamento, ou o “absoluto”, segundo Meillassoux) e sublinhando a importância de especular sobre ele.
Esta apresentação se desenvolve em um diálogo entre os escritos e os filmes de Jean Epstein e o realismo especulativo. Ambos parecem nos desafiar a repensar o mundo dos objetos e das coisas, e a relação do homem com esse mundo. A complexa interação de forças subjetivas e objetivas no cinema é um campo atraente de investigação para um realista especulativo, e a convicção de que o cinema nos abriria para novos domínios do conhecimento do mundo está absolutamente sintonizada com o ponto-chave do movimento filosófico: o fato de que o mundo em si – o mundo como existe à parte de nós – não pode, de forma alguma, ser contido ou restringido pela questão do nosso acesso a ele. Ao longo desse diálogo, atravessamos a própria fenomenologia cinematográfica e sua possibilidade de alterar a experiência, o pensamento e a filosofia, forjando um modo diverso de pensar sobre o cinema: uma “antifilosofia”.
Bibliografia
- Epstein, Jean. The Intelligence of a Machine. Minnesota: Univocal Publishing, 2014.
—. “2.3. Jean Epstein”. In: Xavier, Ismail (org.). A experiência do cinêma. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983, pp. 267-313.
Keller, Sarah; Paul, Jason N. Jean Epstein: Critical Essays and New Translations. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2012.
Stengers, Isabelle. Thinking with Whitehead: A Free and Wild Creation of Concepts. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2014.
Wall-Romana, Christophe. Jean Epstein: Corporeal Cinema and Film Philosophy. Manchester: Manchester University Press, 2016.
Whitehead, Alfred North. O conceito de natureza. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
—. Process and Reality. New York: Free Press, 1978.
Shaviro, Steven. 2014. The Universe of Things: On Speculative Realism. Minneapolis, MN: University of Minnesota Press.