Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Pascoal Farinaccio (UFF)

Minicurrículo

    Pascoal Farinaccio é doutor em Teoria e História Literária pela Unicamp, com pós-doutorado pela Università di Bologna. Professor de literatura brasileira na UFF, publicou artigos em revistas acadêmicas e os livros Serafim Ponte Grande e as Dificuldades da Crítica Literária (Ateliê Editorial, 2001), Oswald Glauber: Arte, Povo, Revolução (EdUFF, 2012) e A Casa, a Nostalgia e o Pó: A significação dos Ambientes e das Coisas nas Imagens da Literatura e do Cinema: Lampedusa, Visconti e Cornélio Penna.

Ficha do Trabalho

Título

    Haruo Ohara no Cinema: Uma Reflexão sobre Imagens e Memória

Resumo

    Analisa-se aqui o curta-metragem de ficção “Haruo Ohara” (Rodrigo Grota, 2010). O curta aborda a vida do imigrante japonês Haruo Ohara, que trabalhou em lavoura de café na região de Londrina e ao mesmo tempo produziu, de forma amadora, porém com grande consciência formal e senso poético, um conjunto de fotos de importância histórica em torno da vida cotidiana no campo. O objetivo é pensar a questão da memória a partir dos diálogos entre fotografia e cinema, registro documental e ficção.

Resumo expandido

    O curta-metragem de ficção “Haruo Ohara” (2010), dirigido, roteirizado e montado pelo diretor Rodrigo Grota, aborda a vida do imigrante japonês Haruo Ohara (Kochi, Japão, 1909; Londrina, Brasil, 1999), que trabalhou como lavrador em fazenda de café na cidade de Londrina (PR), tendo também se dedicado de forma amadora à atividade fotográfica, na qual alcançou elevado grau de sofisticação estética. Ohara, que chegou ao Brasil com dezoito anos em 1931, sempre procurou estar sintonizado com os avanços técnicos das máquinas fotográficas à disposição no mercado em seu tempo e chegou a se associar ao Foto Cine Clube de Londrina em 1951. Legou-nos belíssimos registros das atividades no campo, em especial dos trabalhos em torno da lavoura do café, das paisagens da região, dos camponeses e suas moradias, dos momentos de descanso ou do retorno para casa dos trabalhadores com o pôr do sol. Este conjunto de fotos possui um inestimável valor histórico: trata-se de memória documental dos imigrantes japoneses e suas atividades no campo na área rural paranaense. Outro conjunto notável de fotos de Ohara tem como tema a sua própria família, a esposa e os filhos, registrados em afazeres cotidianos com grande senso plástico e poético; tais fotografias configuram um acervo de memória pessoal, mas de interesse certamente universal: reconhecemos nelas as pequenas alegrias do convívio entre pais e filhos e o refúgio do sujeito na esfera acolhedora da vida privada. O diretor Rodrigo Grota, em seu curta-metragem, busca delinear algumas linhas biográficas do lavrador-fotógrafo (interpretado pelo ator Marco Hisatomi), mostrando-o em sua labuta rural e principalmente em sua prática fotográfica: Haruo Ohara fotografando as paisagens, os amigos, a mulher e os filhos (sempre atento às variações da luz ambiente) ou revelando as próprias fotos em seu laboratório caseiro. A reconstituição cenográfica é extraordinária: objetos domésticos de época, as casas dos camponeses, tudo é reconstituído com grande verossimilhança histórica. O curta-metragem também se apropria das próprias fotografias, de trecho gravado de depoimento oral de Ohara, bem como de imagens cinematográficas de sua pessoa entre amigos e familiares. O objetivo central de nossa proposta de comunicação é refletir sobre a apropriação dos registros fotográficos de Ohara, de grande valor documental, como já observado, pela narrativa ficcional engendrada no curta-metragem. Se as fotos de Ohara são registros saturados de memórias pode-se considerar a obra cinematográfica em pauta como um dispositivo que por sua vez funciona como memória das memórias representadas nas fotos. Outro ponto de interesse inter-relacionado diz respeito à trama ficcional das próprias fotografias de Haruo Ohara (o registro documental que não escapa às escolhas subjetivas daquele que fotografa, de sua visão de mundo, conhecimentos e gosto estético), trama ficcional que por sua vez é desdobrada no curta-metragem de ficção, o qual também se vale, por seu turno, de fotos, imagens cinematográficas documentais e da voz gravada do próprio Ohara. Propõe-se aqui, portanto, uma reflexão sobre memória a partir das imagens fotográficas e cinematográficas, levando-se em consideração a fotografia como elemento substancial da linguagem cinematográfica (fotografias em movimento) e o diálogo de ambas no curta de Rodrigo Grota, que, ao preservar a produção fotográfica de Haruo Ohara na trama da ficção, redefine o alcance e a reverberação estética das imagens enquanto instrumentos que carregam o passado para sua apreciação no presente do espectador.

Bibliografia

    CHARNEY, Leo e SCHWARTZ, Vanessa R. O cinema e a invenção da vida moderna. Trad. Regina Thompson. São Paulo, Cosac e Naify, 2004.

    KOSSOY, Boris. Fotografia & História. São Paulo, Ateliê Editorial, 2001.

    ——————–. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo, Ateliê Editorial, 2002.

    LOSNAK, Marcos e IVANO, Rogério: Lavrador de imagens: uma biografia de Haruo Ohara. Londrina, Editora S.H. Ohara, 2003.

    OHARA, Haruo. Haruo Ohara: Fotografias. Org. Sergio Burgi. Rio de Janeiro, Instituto Moreira Salles, 2008.

    SCIANA, Ferdinando. Lo specchio vuoto: fotografia, identità e memoria. Roma-Bari, Laterza, 2017.

    SONTAG, Susan. Sobre fotografia. Trad. Rubens Figueiredo. São Paulo, Companhia das Letras, 2004.

    TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o tempo. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo, Martins Fontes, 2010.

    WENDERS, Wim. A lógica das imagens. Trad. Maria Alexandra Lopes. Lisboa, Edições 70, 2010.