Ficha do Proponente
Proponente
- Giancarlo Backes Couto (PUCRS)
Minicurrículo
- Mestrando em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, na linha de pesquisa Cultura e Tecnologias das imagens e dos imaginários. Graduado em Jornalismo pela Universidade Feevale (2016), com o Trabalho de Conclusão de Curso na área do Cinema e Análise de Discurso. Estudante de Filosofia (Licenciatura), pela Universidade Federal de Pelotas – UFPEL.
Ficha do Trabalho
Título
- O monstro e os anormais na filmografia de José Mojica Marins
Resumo
- Essa apresentação tem como intuito examinar o personagem Zé do Caixão, de José Mojica Marins, a partir da concepção de “monstro”, articulando conceitos de Mary Douglas, Noël Carroll e Michel Foucault. Do mesmo modo, o texto se propõe a investigar as diferentes estruturações de alguns personagens, que se enquadram no conceito de “anormais”, de Michel Foucault, averiguando as reconfigurações dessas representações em diferentes momentos da filmografia do diretor.
Resumo expandido
- O monstro é, talvez, o signo mais conhecido e comum nas narrativas clássicas de horror. Seja nos relatos da Idade Média, na literatura gótica ou até no cinema, esse ser muitas vezes é o centro dessas obras. Do mesmo modo, se tornou muito comum falar do monstro humano, usando palavras como “monstruoso”, a fim de adjetivar atitudes e pessoas em si. Nesse sentido, a monstruosidade e o monstro se confundem frequentemente, são referentes a atos e seres, reais ou fantasiosos, naturais ou sobrenaturais. Cabe então a este trabalho investigar algumas concepções que parecem ser centrais para se entender esses seres. A pesquisa parte então de dois conceitos que se articulam para conceber o monstro que ficou conhecido a partir da Idade Média e se desdobrou no anormal do século XX. Esses conceitos são o de impureza e desordem, que, como mostrarei, muitas vezes se imbricam para dar origem a anomalia e ao mal, sejam eles ontológicos ou sociais.
O texto irá percorrer então o trabalho de Douglas (2014), a fim de entender as raízes antropológicas dos temas da impureza e anomalia. Posteriormente, irei me basear na análise genealógica de Foucault (2001; 2014), para estudar as concepções do grande monstro social do século XVIII e que se desdobrou na figura do anormal nascido no século XIX. A partir de categorias de Carroll (1999), irei desenvolver a noção do monstro dentro do gênero de horror, a fim de introduzir então a análise da filmografia de José Mojica Marins, na qual irei focar no seu mais célebre personagem, o Zé do Caixão. Nesse sentido, trabalharei Zé do Caixão como a figura do monstro em paralelo com outros personagens das obras, que representem os anormais. Como ficará claro, essas figuras são aparições constantes na filmografia do diretor paulistano, todavia, são retratadas de distintas maneiras em diferentes longas e períodos. O objetivo então é retraçar a carreira do monstro Zé do Caixão e evidenciar as diferentes reconfigurações dos anormais com o passar do tempo.
Advindo da região da Boca do Lixo, lugar à margem social da cidade de São Paulo, o diretor soube bem trabalhar com a fama de desajustado e louco que lhe impuseram tanto como elogio quanto como depreciação. Mojica buscou atrair curiosos e fãs com essas críticas que geralmente se serviam de adjetivos depreciativos nesse sentido (BARCINSKI; FINOTTI, 2015). Em seus filmes, todavia, é percebido o uso dos anormais a partir de diferentes visões. Primeiramente, eles são os servos de Zé do Caixão, aqueles indisciplinados que não tem salvação nem senso moral e que ajudam o grande monstro a infligir tormentos aos normais. Excetuando-se Exorcismo Negro (1974), que segue essa toada, os filmes a partir de O Ritual dos Sádicos (1970) apresentam um deslocamento da figura do anormal. Agora ele é o desviante moral mais próximo de nossa realidade. Não é mais um ser fantástico e disforme no corpo, mas sim o errante moral. Ele se torna vítima do monstro e é punido por ser o responsável por subverter a ordem moral da sociedade. Já em Encarnação do Demônio (2008), obra inserida num diferente século, os anormais estão presentes como ajudantes de Zé, não obstante, o foco está nos marginalizados pelo Estado. O monstro maior aqui se dilui nos personagens dos policiais, que cometem todo tipo de crimes. Zé continua encarnando o mal, porém, acaba por proteger a comunidade de um monstro maior.
O monstro de Mojica, por outro lado, se constitui através de preceitos narrativos básicos da literatura e do cinema de horror. Fã do gênero, Mojica o consumiu desde criança (BARCINSKI; FINOTTI, 2015). Do mesmo modo, é possível perceber a mudança no percurso de Zé do Caixão em seus filmes. Seja como monstro monárquico, seja como revolucionário sanguinolento (FOUCAULT, 2001), Zé é marcado por estar sempre deslocado de seu meio social e corromper o contrato social. Contra as leis e instituições, o monstro está sempre em conflito com seus representantes.
Bibliografia
- BARCINSKI, André; FINOTTI, Ivan. Zé do Caixão: Maldito – a biografia. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Darkside Books, 2015.
CARROLL, Noël. A filosofia do horror ou paradoxo do coração. 1. ed. Campinas, SP: Papirus Editora, 1999.
DOUGLAS, Mary. Pureza e perigo. 2. ed. São Paulo, SP: Perspectiva, 2014.
FOUCAULT, Michel. História da loucura: na idade clássica. 10. ed. São Paulo, SP: Perspectiva, 2014.
________, Michel. Os anormais: curso no collège de france (1974-1975). 1. ed. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2001.
VAZ, Paulo. O processo de normalização. In: RODRIGUES, Heliana; PORTOCARRERO, Vera; VEIGA-NETO, Alfredo (orgs.). Michel foucault e os saberes do homem: como, na orla do mar, um rosto na areia. 1. ed. Curitiba, PR: Editora Prismas, 2016. P. 485-504.