Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Leonardo Esteves (UFMT)

Minicurrículo

    Leonardo Esteves é professor do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Mato Grosso. Doutor em Comunicação Social pela PUC-Rio com período sanduíche (bolsa CAPES) na Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3. Mestre em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes da UFRJ. Produz e dirige filmes experimentais desde 2006.

Ficha do Trabalho

Título

    Clémenti autor: sobreimpressão psicodélica, militância e… teoria?

Seminário

    Teoria dos Cineastas

Resumo

    Pierre Clémenti já é um ator estabelecido quando começa a dirigir curtas experimentais a partir de 1967. Entre os títulos iniciais, destaca-se La révolution n’est qu’un début. Continuouns le combat (1968), filme que combina sobreimpressões psicodélicas e militância. A presente comunicação pretende analisar esta obra tomando como ponto de partida a possibilidade de ver nela a construção de uma teoria em convergência com outras, formuladas ao redor do cinema e na contemporaneidade do Maio de 68.

Resumo expandido

    La révolution n’est qu’un début. Continuons le combat (1968), de Pierre Clémenti, é rodado em 16mm. Realizado pelo ator entre Roma e Paris durante maio e junho, permaneceu inacessível durante muitos anos. Como informam as cartelas introdutórias na versão digitalizada, o filme ficou inédito sob a guarda do pintor Frédéric Pardo por mais de 25 anos. Membro da “constelação Zanzibar”, grupo ao qual Clémenti era próximo e que produziu mais de uma dezena de filmes experimentais, Pardo o entregou à pesquisadora Sally Shafto no final dos anos 90. Sobre este filme, e sobretudo em relação a outros produzidos no período pelo “autor” Clémenti, vê-se uma sofisticação que se deve, em parte à inspiração militante embalada pelo Maio de 68. Estaria Clémenti em busca de uma teoria para seu cinema? O que o filme poderia nos dizer sobre esse aspecto?

    As primeiras sequências de La révolution n’est qu’un début ensaiam potencialidades de texturas a partir de sobreimpressões e colorações em torno de imagens da esposa de Clémenti, Margareth. São tomadas que trabalham abstrações psicodélicas, imprimindo movimentos variados com luzes nuançadas, desfoques, velocidades variadas – experimentações que Clémenti vinha desenvolvendo à época, enquanto realizador, também em outros curtas. Alguns planos são intercalados por uma série de takes ligeiros sobre paisagens e ruinas, contrapondo um pouco mais de definição, de informação concreta. As distâncias da câmera parecem também demarcar as distâncias entre o subjetivo e o objetivo. Isto é, entre o pessoal, o sentimental, aquilo que não é mensurável pela representação analógica (como o amor por uma mulher); e entre aquilo que está ao redor, que persiste ao tempo, como monumentos e construções, que é histórico, impessoal. Shafto (2007, p. 135) atribui a mistura entre o público e o privado no filme de Clémenti como uma espécie de “ilustração involuntária” de um dos motes do feminismo americano, que só vai ser cunhado por Carol Hanisch, entretanto, em 1969, “The personal is political”. Hanisch aborda a expressão em um contexto bem particular, da legitimação feminista, estando, portanto, fora do alcance de La révolution – no qual a oposição pessoal/político visa a expressão artística.

    O que está mais nítido até aqui (na renúncia da nitidez) é o gesto de manipular o visual. De compor uma imagem em diversas camadas que se movimentam entre si. As sobreimpressões têm em La révolution um papel fundamental no mecanismo de manipulação do visível. A utilização do recurso aporta também outras questões. Para Noguez (2010, p. 34), as sobreimpressões fariam a ponte entre a vanguarda francesa dos anos 1920 e o New american cinema dos anos 1960, rompendo com o caráter icônico da imagem. O fim estético da sobreimpressão, para o autor, acabaria por transmitir à percepção um “estado selvagem”. Levar a percepção a um “estado selvagem” só poderia contar com um estágio de liberdade que rompa, sobretudo, com as amarras da (história da) arte.

    No caso do filme de Clémenti, a aproximação à pop art e à psicodelia é um dado explícito e também problemático. O parentesco com o New american cinema não é desprezível e repercute uma discussão de maior envergadura, que resvala na pintura francesa contemporânea. Isto é, no trabalho dos pintores da Nouvelle figuration/ Figuration narrative, que se verão incumbidos de trabalhar temas políticos. Esta geração vai conversar com o cinema como tentativa de se distanciar da influência americana, na qual as conformidades plásticas teriam desencadeado a necessidade de demarcar uma figuração européia, que buscaria superar tal semelhança. A justaposição/ sobreprosição de quadros será um artifício característico para demarcar certa autonomia. Já a sobreimpressão excessiva de Clémenti o insere em um debate artístico que não é habitual na prática cinematográfica tida por militante e produzida em 68. É possível, contudo, pensar em uma convergência teórica a partir dela, que incorpore as demais artes?

Bibliografia

    BASSAN, R. Cinéma expérimental. Abécédaire pour une contre-culture. Crisnée: Yellow Now, 2014.

    ESTEVES, L.G. Dialéticas da desconstrução: Maio de 68 e o cinema. 2017. Tese (Doutorado em Comunicação Social) – Departamento de Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

    GOUMARRE, L. Figurer la revolution. In: BAECQUE, A.; BOUQUET, S.; BURDEAU, E. Cinéma 68. Paris: Cahiers du cinéma, 2008, págs. 201-207.

    MAAREK, P. J. De Mai 68… aux films X. Paris: Éditions Dujarric, 1979.

    NOGUEZ, D. Éloge du cinéma experimental. Paris: Paris Expérimental, 2010.

    ____. Le cinéma, autrement. Paris: Les éditions du Cerf, 1987.

    SHAFTO, S. ZANZIBAR: Les films Zanzibar et les dandys de Mai 1968. Paris: Paris Expérimental, 2007.