Ficha do Proponente
Proponente
- Rafael Dornellas Feltrin (USP)
Minicurrículo
- Graduado em Audiovisual pela ECA/USP. Crítico de cinema e pesquisador desde 2015. Redator da revista Interlúdio, colabora também para outras publicações. Participou da 34ª e 35ª edição do festival “Le Giornate del Cinema Muto”, em Pordenone (Itália), como integrante do programa Collegium para jovens pesquisadores de cinema. Como cineasta, roteirizou e dirigiu o curta-metragem “Regresso” (2017). Atualmente desenvolve pesquisa de mestrado no programa de Meios e Processos Audiovisuais (ECA/USP).
Ficha do Trabalho
Título
- Vício Frenético e Caminhos Perigosos: Abel Ferrara e a Nova Hollywood
Resumo
- O atual trabalho tem como objetivo apresentar uma análise formal do filme “Vício Frenético” (“Bad Lieutenant”, 1992, de Abel Ferrara) em comparação ao filme “Caminhos Perigosos” (“Mean Streets”, 1973, de Martin Scorsese). Tendo como mote central a carreira de Ferrara e seu filme de 1992, investigaremos como o cineasta atinge sua maturidade formal e narrativa respondendo e dialogando com o filme de juventude de Scorsese, tão caro a ele. Imagens dos filmes serão essenciais à análise e ao cotejo.
Resumo expandido
- Abel Ferrara lançou seu primeiro filme “O Assassino da Furadeira” (“The Driller Killer”) em 1979, praticamente junto do fim melancólico da geração Nova Hollywood. A partir de então o cineasta nova iorquino desenvolveu sua carreira de maneira independente até o início dos anos 90 quando lança “O Rei de Nova York” (“King of New York”, 1990) e “Vício Frenético” (“Bad Lieutenant”, 1992). Mais do que o sucesso comercial, acenos para grandes estúdios e caras produções esses filmes assinalaram um ápice formal em sua carreira, um lento e progressivo abandono das estilizações radicais que o marcaram nos anos 80 e encontro balanceado entre improviso, encenação, dramaturgia e intensidade dramática.
É sabido também que Ferrara é um cineasta cinéfilo por excelência, cujas produções quase sempre dialogam com terceiros, com cineastas e filmes específicos do passado. Sua gama de influências é imensa, indo de Kubrick e Hitchcock à Michael Snow e Jean-Luc Godard, o que torna sempre muito instigante o mergulho na totalidade de sua obra e o apontamento de referências como “Um corpo que cai” (“Vertigo”, 1958, de Alfred Hitchcock) em “Blackout” (1997, de Abel Ferrara), “O desprezo” (“Le mépris”, 1963, de Jean-Luc Godard) em “Olhos de serpente” (“Snake Eyes”, 1993, de Abel Ferrara) ou “A Morte de um Bookmaker Chinês” (“The Killing of a Chinese Bookie”, 1976, de John Cassavetes) em “Go Go Tales” (2007, de Abel Ferrara), entre muitos outros exemplos.
Aqui, nos interessa sobretudo o diálogo cristalino e confesso que Ferrara estabeleceu com o cinema norte-americano dos anos 70, a Nova Hollywood, mais especificamente com o cinema da juventude de Martin Scorsese, e entre os filmes “Vício frenético” e “Caminhos perigosos”. Ferrara, de certa maneira, é um filho dessa geração. É um herdeiro direto de certo espectro da Nova Hollywood na linhagem do cinema norte-americano, de Martin Scorsese, de Monte Hellman, de Sam Peckinpah, de Paul Schrader, de John Cassavetes, de Walter Hill, de Larry Cohen, de Dennis Hooper, de John Flynn, entre outros aqueles que permaneceram um pouco mais à margem da grande indústria, um pouco mais independentes, durante aqueles anos.
Algumas semelhanças primeiras entre o filme de 1973 e 1992 saltam aos olhos. Harvey Keitel é o ator protagonista em ambos filmes. A cidade de Nova York é o palco da encenação e ambiente muito importante para os filmes. Os dois filmes lidam com um imaginário de violência policial e trabalhos de mafiosos e gângsteres na cidade de Nova York. Os dois lidam com um imaginário católico de maneira intensa. Os dois filmes apresentam personagens que pouco a pouco vão se afundando em dívidas. Os dois filmes terminam com uma morte violenta, um assassinato.
Além de estabelecer esses pontos de contato, nos interessa realizar um cotejo formal entre os filmes. Enquanto no filme de juventude de Scorsese parece haver uma hiper-estilização da encenação, uma preferência superlativa pela característica videoclíptica da montagem música + imagem, um direcionamento para a atuação exasperada e grandiloquente de seu elenco, no filme da maturidade de Ferrara sua mise en scène parece caminhar para uma direção oposta, parece haver um esvaziamento dramatúrgico, assim como um esvaziamento cênico. Ferrara realiza um procedimento de contenção das estilizações antes muito frequentes em seus filmes e um direcionamento claro para o documental, para o improviso, para a secura da cena. Keitel, aqui, é implosivo em seu desespero, fala pouco, age pouco, assim como o fio narrativo que é tecido de forma quase que imperceptível nos poucos acontecimentos e ações presentes no filme.
Esses são apenas alguns pontos principais que buscaremos expor em nossa apresentação, que através de um exercício de cinema comparado procura apontar as características essenciais do filme principal de Abel Ferrara (“Vício Frenético”) e como tal filme dialoga com uma herança marcada nos anos iniciais da Nova Hollywood, no filme de Martin Scorsese (“Caminhos Perigosos”).
Bibliografia
- BORDWELL, David. Sobre a história do estilo cinematográfico. Campinas, SP: Papirus, 2013.
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