Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Marina Soler Jorge (Unifesp)

Minicurrículo

    Marina Soler Jorge é professora do Departamento de História da Arte da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Unifesp. Cursou Sociologia e Ciência Política na Unicamp, é Mestre em Sociologia pela Unicamp e Doutora em Sociologia pela USP. Atua nas áreas de Sociologia da Arte, Audiovisual Latino-Americano e Direção de Arte. É autora do livro “Cultura Popular no Cinema Brasileiro dos Anos 90” (2010) e “Lula no Documentário Brasileiro” (2011).

Ficha do Trabalho

Título

    Mulheres em Narcos México e El Chapo (3ª temporada)

Seminário

    Audiovisual e América Latina: estudos estético-historiográficos comparados

Resumo

    Este trabalho procura analisar as representações femininas em Narcos México e na terceira temporada de El Chapo, séries co-produzidas pela Netflix que tematizam o narcotráfico na América Latina. As temporadas escolhidas para a análise diferem consideravelmente das temporadas anteriores das duas séries, não apenas pela mudança histórica e geográfica de Narcos México, mas porque, sobretudo em El Chapo, personagens femininos passam a ter maior importância narrativa.

Resumo expandido

    Este trabalho procura analisar as representações femininas em Narcos México e na terceira temporada de El Chapo, séries co-produzidas pela Netflix que tematizam o narcotráfico na América Latina.
    Escolhemos este recorte pois trata-se de duas temporadas de narco-séries lançadas em 2018 que dramatizam eventos reais ocorridos no continente americano – no caso, o México – e que se aproximam na linguagem estética “desenraizada”, pensada sobretudo para o público contemporâneo internacional, e que difere de grande parte das narco-telenovelas produzidas tradicionalmente para as TVs latino-americanas.
    As temporadas escolhidas para a análise diferem consideravelmente das temporadas anteriores das duas séries. Em Narcos México temos uma mudança de contexto histórico e geográfico: agora estamos observando acontecimentos que se desenrolam no México e não mais na Colômbia, e que se iniciam com a produção de maconha. No entanto, a maioria das mulheres representadas continua ocupando o papel de esposas, amantes ou namoradas, ainda que a esposa de Felix, Maria Elvira, tenha um papel importante para sua ascensão no narcotráfico. Ela será sumariamente descartada pelo marido ao final da temporada, ao mesmo tempo em que aumenta o desejo de crescimento de Felix na rede de narcotráfico latino-americano. Nesse sentido, não é possível analisar apenas a representação feminina nas séries escolhidas, pois as mulheres inserem-se em uma estrutura masculina que define em grande medida seus lugares, seja como mulheres-troféu, esposas compreensivas ou companheiras de crime. O descarte de Maria Elvira pelo marido funciona como forma de explicitar mudanças ocorridas no interior do narcotráfico mexicano na medida em que este passa a operar a rota da cocaína aos EUA.
    Em El Chapo temos uma mudança especificamente na representação feminina, tema que nos interessa, e personagens femininos passarão a ocupar um lugar muito mais importante em relação às outras temporadas. Já comentamos anteriormente que El Chapo é um seriado muito mais masculino do que Narcos, sobretudo porque lhe faltava a força do núcleo familiar. Na terceira temporada, no entanto, isso muda drasticamente. Em primeiro lugar pois Joaquín Guzmán estará agora fortemente ligado a sua terceira esposa e suas filhas gêmeas, e elas ocuparão parte importante do tempo de tela e da narrativa. Nesse sentido, podemos dizer que El Chapo procura se aproximar da construção familiar das duas primeiras temporadas de Narcos, no qual a família de Pablo Escobar é bastante importante.
    Em segundo lugar, pois surge um personagem feminino na política: Berta Avila, mulher ambiciosa que tem como objetivo autoproclamado chegar à Presidência da República em um país de cultura patrimonialista como o México. Para conquistar esse objetivo, ela abre mão de um ideal de felicidade familiar e casa-se com Conrado Sol, homossexual não-assumido que precisa de uma família de fachada. As atividades profissionais de Berta se constituem como momentos de aberto machismo, de modo que a série passa a tematizar explicitamente as dificuldades que uma mulher enfrenta para se estabelecer na política.
    A teoria de Judith Butler nos chama a atenção para o fato de que a identidade de gênero é performativamente construída em um processo incessante de “imitação persistente”, produzida e ao mesmo tempo reprimida pelas estruturas de poder. As séries que analisamos fazem parte do processo de produção da “mulher” latinoamericana em narconarrativas, ensejando parâmetros com os quais as espectadoras podem ou não identificar-se, tornando-se assim elementos da construção de uma identidade que não é estática, mas que precisa ser continuamente recolocada e redefinida. Seria importante refletir sobre em que medida construções identitárias como estas, frequentemente atualizadas pela indústria cultural no processo de criação de performatividades, atua para inscrever mulheres reais em certos papéis sociais e desabonar as que tentam subverte-los.

Bibliografia

    DE BRAGANÇA, Maurício. A narcocultura na mídia: notas sobre um narcoimaginário latino-americano. Significação: Revista de Cultura Audiovisual, v. 39, n. 37, p. 93-109, 2012.
    DE BRAGANÇA, Mauricio. Imagens de ostentação nas narconarrativas: consumo e cultura popular. Rumores, v. 9, n. 17, p. 147-163, 2015.
    BUTLER, Judith. Problemas de Gênero. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. Edição Kindle.
    MERCADER, Yolanda. Imágenes femeninas en el cine mexicano de narcotráfico. TRAMAS (36), p. 209-207, 2012.
    ORTIZ, Renato. “Uma cultura internacional-popular”. Mundialização e Cultura. São Paulo, Brasil: Editora Brasiliense, 1994.
    RINCÓN, Omar. Todos temos um pouco do tráfico dentro de nós: um ensaio sobre o narcotráfico/cultura/novela como modo de entrada para a modernidade. MATRIZes, v. 7, n. 2, 2013.