Ficha do Proponente
Proponente
- Clarisse Maria Castro de Alvarenga (UFMG)
Minicurrículo
- Clarisse Alvarenga é formada em Comunicação Social na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com mestrado em Multimeios (Unicamp) e doutorado em Comunicação Social (UFMG). Seu trabalho envolve atenção ao cinema indigenista e ao cinema indígena brasileiros. É autora do livro Da cena do contato ao inacabamento da história (2017), e também realizadora, tendo dirigido os longas-metragens Ô, de casa! (2007) e Homem-peixe (2017). Atualmente, é professora adjunta na Faculdade de Educação da UFMG.
Ficha do Trabalho
Título
- A agência das mulheres indígenas com o cinema
Seminário
- Mulheres no cinema e audiovisual
Resumo
- Historicamente, o cinema indigenista aponta para a relação de dominação a que as mulheres indígenas foram – e ainda são – submetidas (chamando atenção nesse caso para a interseção da relação colonizadora com a de gênero e raça). A emergência do cinema indígena realizado pelas mulheres, no entanto, aponta para as maneiras como a mulher interfere nessa relação, resistindo, interrogando ativamente o mundo ao seu redor, apontando para outras formas de fazer, saber e ver com o cinema.
Resumo expandido
- Por enfrentarem constrangimentos de toda ordem, internamente nas aldeias e também externamente na relação com os não-índios, sobretudo colonizadores (algo que os filmes de contato demonstram), as mulheres apresentam ainda uma baixa presença em número entre cineastas indígenas, se comparada aos homens. A primeira cineasta que emerge dentro do quadro do Vídeo nas Aldeias (VNA), iniciativa de formação de cineastas indígenas em curso no Brasil desde 1986, foi Natuyu Ikpeng, realizadora que participa do filme Das crianças Ikpeng para o mundo (2001). No filme Formação audiovisual das mulheres indígenas (Mari Corrêa, Raquel Diniz), realizado recentemente pelo Instituto Catitu para abordar o tema da formação das cineastas indígenas, Natuyu relata que, pelo fato de ser mulher, no início seus parentes diziam que ela não seria capaz de filmar. Ela então filmava “de longe” para não ser notada, o que revela uma reação de distanciamento auto-imposto como maneira de continuar filmando, algo que se modificou ao longo do tempo, visto que hoje Natuyu é capaz inclusive de falar sobre o constrangimento vivido, elaborando-o em cena.
Ainda no contexto das oficinas de formação oferecidas no Xingu no âmbito do Instituto Catitu foi realizado, entre outros, o filme ficcional A história da cotia e do macaco (Wisio Kayabi) encenada por uma das mulheres que participou desta que foi a segunda oficina de cinema ministrada para as mulheres no Parque Nacional do Xingu, em Mato Grosso, no Brasil. No filme, a protagonista mantém uma relação extraconjugal com um macaco. Nessa história, que é uma narrativa tradicional do povo Kayabi, a figura da mulher é associada à transgressão e a decisão de encená-la por meio do filme vincula o próprio ato de filmar ao ato de transgressão.
No primeiro filme realizado pelos Mbya Guarani, Duas aldeias uma caminhada, a realizadora Para Yxapy aparece sempre no fundo do quadro, atravessando a cena com sua filha no colo como se estivesse acompanhando as filmagens “de longe”. A última cena do filme mostra ela se dirigindo para a câmera e pedindo que o cinegrafista filme seus parentes voltando para aldeia sem obter um retorno satisfatório da venda de artesanato nas ruinas de São Miguel, o que é feito em seguida. A partir dali, Para Yxapy passa a colaborar nos filmes Mbya Guarani subsequentes até que realiza seu primeiro filme, atualmente em processo, Para Rete. Este trabalho apresenta-se como uma espécie de ritual de iniciação no qual, por meio da experiência do cinema ela se interroga sobre o seu papel como mulher na família e na aldeia. Para Yxapy nos apresenta seu processo de iniciação num conhecimento que ela acessa pelo olhar, pela escuta, pela presença, pelo vínculo com as pessoas que filma e também agora pela câmera que ela tem em mãos. Sua observação é atenta, ativa, presente (ela interage com suas parentes, entra em cena) e é uma observação que parte da necessidade de escutar desde o silêncio, como se as palavras surgissem em cena do adensamento do silêncio por isso os planos são longos e acabam apresentando autonomia uns em relação aos outros.
Els Lagrou (2013), por meio de sua pesquisa voltada para a arte indígena feminina das Huni Kuin (Kaxinawa), afirma que a experiência ameríndia supõe técnicas específicas de percepção e materialização das imagens que até então foram pouco analisadas. Ao abordar os desenhos feitos pelas mulheres Shipibo-Konibo, Luisa Elvira Belaunde (2012) enfatiza o fato de que eles surgem primeiramente, em geral, como manifestações imateriais, pois aparecem como visões (Belaunde chama atenção para o caráter sinestésico dessa experiência), antes de ganharem materialidade nos desenhos. Neste trabalho pretendo investigar os modos de ver, fazer e conhecer que surgem da agência das mulheres indígenas com o cinema, entendendo que estes alteram o cinema indígena contemporâneo.
Bibliografia
- ALVARENGA, Clarisse. Da cena do contato ao inacabamento da história. Salvador: Edufba, 2017.
BELAUNDE, Luisa Elvira. Diseños materiales e inmateriales: la patrimonialización del kené shipibo-konibo y de la ayahuasca en el Perú. In: Mundo Amazónico 3, 2012, p. 123-146.
LAGROU, Els. Podem os grafismos ameríndios serem considerados quimeras abstratas? Uma reflexão sobre uma arte perspectivista. In: SEVERI, Carlo & LAGROU, Els (Orgs.) Quimeras em diálogo: grafismo e figuração nas artes indígenas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013, p. 67-109.
MESQUITA. Cláudia. A família de Elizabeth Teixeira: a história reaberta. In: Associação Filmes de Quintal. Catálogo do 18 Festival do filme documentário e etnográfico / Forum de Antropologia e Cinema, 2014, p.215-225.
PINHEIRO, Sophia. A imagem como arma: a trajetória da cineasta indígena Patrícia Ferreira Para Yxapy. 283 f. Dissertação (Mestrado de Antropologia Social). Faculdade de Ciências Sociais, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017.