Ficha do Proponente
Proponente
- Denise Costa Lopes (PUC-Rio)
Minicurrículo
- Doutora em Artes Visuais pela EBA/UFRJ
Professora do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, nos cursos de Cinema e Arte & Design
Jornalista e Crítica de Cinema
Ficha do Trabalho
Título
- O clássico e a forma panorama ante a compressão espaço-tempo
Seminário
- Exibição cinematográfica, espectatorialidades e artes da projeção no Brasil
Resumo
- Quando a compressão espaço-temporal das mídias digitais beira o limite do insuportável, formas discursivas do passado são recuperadas e reinventadas. Ao voltarem a momentos da “descoberta” da perspectiva artificialis e “invenção” da paisagem, e ao se utilizarem de recursos panorâmicos, artistas, como Peter Greenaway e Lech Majewski, estariam perfazendo o desejo de ancoragem identificado por Andreas Huyssen e apontando por Jonathan Crary como saída para o nosso desconforto perceptível atual.
Resumo expandido
- A “descoberta” da perspectiva artificialis e a “invenção” da paisagem no Renascimento fundaram, de alguma forma, um novo modo de ver no Ocidente. O olhar deveria se esparramar pela composição, varrer toda superfície e se perder por regiões criadas ilusoriamente. Essa engenharia de capturar e enganar os sentidos, absorvendo para dentro do quadro seu interlocutor de corpo inteiro e solicitando dele total cumplicidade na edificação da obra, transformava cada espectador em coautores de poderosas e densas narrativas. O efeito era imediato, o deslumbramento certo e a comunicação da mensagem, seja ela qual fosse, profícua.
É no mínimo perturbador pensar que hoje, depois de tantas revoluções e em meio a tantas supervias, hipervelocidades, atomizações e condensações espaciais e temporais, a construção artística de maneira geral não só se baseie, de uma certa forma, ainda em princípios como esses para repetidamente e sempre tentar refazer o caminho do sensível, do essencial e do transformador, como foque cada vez mais suas lentes nessas construções passadas, definidoras, em alguma medida, dessas novas concepções, que ora ajudaram a fundar, ora refletiram, mudanças paradigmáticas na percepção e cognição humana entre os séculos XV e XVI.
Na imagem em movimento, continuum e desejo da representação visual desde as pinturas nas cavernas do Paleolítico, não é diferente. Quando dissociado da consciência desses recursos, que refazem uma habilidade natural humana, e do fecundo diálogo das possibilidades técnicas com as outras artes visuais, o cinema parece padecer de sua origem, da memória de ousadas experimentações e da capacidade de lançar mão e de resgatar os mais simples artifícios utilizados desde os primórdios de todas as grandes tentativas de avanço na fabricação de imagens.
A primazia desenfreada da imagem em nossa era parece, então nos colocar nesse lugar de transição e de questionamento do poder, da potência e da eficácia da imagem. Onde a imagem em movimento, fruto sempre de um duplo, de uma ressurreição, reaparição fantasmagórica, ganha cada dia mais e mais destaque a partir de inusitadas soluções que parecem perseguir um desejo de reconstrução de alguma ancoragem possível diante da eloquente compressão espaço-temporal das tecnologias da informação que nos abarcam.
Teóricos contemporâneos, como Jonathan Crary, Andreas Huyssen e muitos outros, apontam hoje para a necessidade de criação de espaços e tempos mais dilatados, afeitos à fruição e à subjetivação, capazes de refundar, ou de, quem sabe, trazer de volta, em meio a uma fragmentação do sujeito, um sentimento de pertencimento por meio do resgate de um tipo de percepção que privilegia os processos da memória e da experiência. A onividência da forma panorama, que nos coloca centrados e abraçados por horizontes longínquos, vastos e infinitos, mas que, paradoxalmente, nos encarcera, parece ser a mais perfeita tradução para esse tipo de carência.
Os cineastas, artistas plásticos, diretores de óperas, VJs e videoartistas Peter Greenaway e Lech Majewski são alguns dos muitos artistas de hoje que se debruçam prioritariamente sobre o passado, recuperando suas formas ou as recriando pela imagem em movimento. Entre muitos trabalhos dos dois, destacamos as recriações em “filme-instalação” que Greenaway fez da obra monumental de Paolo Veronese (1528-88), As bodas em Canã (1562-63), na Bienal de Veneza de 2009, tal como fazia o Diorama de Luis-Jacques-Mandé Daguerre (1787-1851), em 1822; e que Majewski fez com Cristo carregando a cruz (1654), de Pieter Bruegel (1525-69), na Bienal de Veneza de 2011, na VI Mostra 3M de Arte Digital, em 2015 e na Fundição Progresso, além do longa O moinho e a cruz (2011). Expoentes do Renascimento Italiano e dos Países Baixos, ambos pintores parecem ter muito a ensinar à fruição e possibilidade de subjetivação da imagem em movimento hoje. Retornos propostos por esses artistas contemporâneos talvez como respostas ao empobrecimento da experiência atual
Bibliografia
- AUMONT, Jacques. O olho interminável. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
CRARY, Jonathan. Suspensões da percepção: Atenção, espetáculo e cultura moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
CRUZ, Roberto Moreira S. Apresentação. Catálogo de exposição. In Cinema sim. Narrativas e projeções. São Paulo: Itaú Cultural, 2008.
DUBOIS, Philippe. Movimentos improváveis: O efeito do cinema na arte contemporânea. Catálogo de exposição. Rio de Janeiro: CCBB, 2003.
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HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.
MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & Pós-cinemas. Campinas: Papirus, 1997.
MACIEL, Kátia (Org.). Transcinemas. Rio de Janeiro: ContraCapa, 2009.
OETTERMANN, Stephan. The Panorama: History of a Mass Medium. Nova Iorque: Zone Books, 1997.
PAVANELLO, Giuseppe. The miracle of Cana: The originality of the re-production. Veneza: Cierre Edizioni, 2011.