Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Lorena Duarte de Oliveira (ECA-USP)

Minicurrículo

    É mestranda no Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, sob orientação do Prof. Dr. Rubens Machado Jr. Sua linha de pesquisa é História, Teoria e Crítica. Possui graduação em Comunicação Social (Audiovisual) pela Universidade de São Paulo (2015). Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Cinema Documentário, Educação Artística e Curadoria de Cinema. Dirigiu o curta-metragem Feriado em Iporanga (2016).

Ficha do Trabalho

Título

    Recepção de Garotas do ABC – entre a ousadia e a apelação

Resumo

    Neste trabalho farei uma análise da recepção do longa Garotas do ABC, de Carlos Reichenbach. Por recepção eu entendo tanto a recepção pública de fato, expressa em jornais e revistas de cinema, como também as expectativas do autor na feitura do filme. Estudar a intenção do autor convém ao pesquisador que se propõe a analisar o que há no entorno de uma obra, o que será determinante para um aprofundamento sobre as relações que se estabelecem entre o ambiente de recepção e a obra na sua imanência.

Resumo expandido

    A proposta deste trabalho é a análise da recepção do longa-metragem Garotas do ABC – Aurélia Schwarzenêga (2003), de Carlos Reichenbach.
    Com estreia na 36ª edição do Festival de Brasília – concorrendo com Filme de Amor (Júlio Bressane) e Signo do Caos (Rogério Sganzerla), entre outros – Garotas do ABC conta as histórias de um grupo de operárias tecelãs do ABC paulista. Aurélia, a protagonista, é uma jovem negra apaixonada por soul music e por galãs fortes do cinema, seu ídolo máximo é Arnold Schwarzenegger. Seu namorado Fábio é um fisiculturista branco ligado a um grupo neonazista, que pratica atos de violência contra negros e nordestinos, o que implica um conflito inusitado à trama.
    Este filme é um dos frutos do projeto ABC Clube Democrático, que previa uma série de seis longas sobre a vida de operárias têxteis da região do ABC. O projeto nasceu da vontade de Carlão de dar continuidade ao seu mergulho no universo das mulheres proletárias da periferia paulistana, incursão que começou com Lilian M., Relatório Confidencial (1974), aprofundou-se em Amor, Palavra Prostituta (1981) e ganhou novos contornos, com multiplicidade de histórias e protagonistas, em Anjos do Arrabalde (1986).
    À época do lançamento de Garotas do ABC, a recepção dos críticos se dividiu entre os que aclamaram a ousadia de Carlão – por usar de cinema narrativo para tocar feridas de um Brasil que ainda não saldou sua dívida com o passado escravocrata – e aqueles que não perdoaram o que seria um mau jeito para direção de atores e escrita de diálogos. Vejamos dois trechos de críticos do jornal Estado de São Paulo, à época do lançamento nacional do filme:

    “Existimos numa espécie de paradoxo em forma de país em que o neonazismo pode florescer nas regiões mais industrializadas. Mas nem essa constatação seria suficiente para fazer de Garotas do ABC um bom filme, caso Carlão não incorporasse o paradoxo em sua linguagem. […] O que nasce de fato dessa contradição do amor entre Aurélia e Fábio é um retrato amoroso da classe operária brasileira […] Carlão incorpora um certo ethos dessa classe sem folclorizá-la.”
    (Luiz Zanin Oricchio, in: O ESTADO DE SÃO PAULO. Caderno 2. 27 de agosto de 2004. “Morte de sem-teto atualiza Garotas do ABC”)

    “O filme volta e meia apela e usa o sexo e a música para mascarar os defeitos de seu (inconsistente) mosaico de paradoxos sobre o Brasil atual. Mas o pior é uma certa frase usada como fecho – “Todo brasileiro é crioulo”. É como se Reichenbach não acreditasse na diversidade e pregasse o entendimento como inevitável por causa do que nos iguala não pelo respeito à diferença”
    (Luís Carlos Merten, in: O ESTADO DE SÃO PAULO. Caderno 2. 27 de agosto de 2004. “Morte de sem-teto atualiza Garotas do ABC”)

    De um modo ou de outro, é notável como algumas questões sociais são pungentes e atuais no filme. Fruto de intensa observação de campo durante o período de escrita do roteiro, a escolha do diretor por tratar do crescimento de grupos neonazistas no ABC foi precisa no que se refere à atualidade do debate. Ainda citando Zanin:

    “Cleiton, de 20 anos, morreu. Flávio, de 16, escapou mas perdeu um braço. Os dois rapazes, dia 7, foram obrigados por três skinheads a saltar de um trem em movimento em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. O fato policial da triste atualidade ao longa-metragem Garotas do ABC, de Carlos Reichenbach, que tem como um dos seus temas as atividades de um grupo de neonazistas.
    […] Não por acaso, o movimento neonazista nasce justamente onde o operariado é mais desenvolvido. Trata-se daquilo que se poderia chamar de formação reativa: é justamente onde mais se avança que a reação contrária brota com força, num paradoxo apenas aparente.”
    (Luiz Zanin Oricchio, in: O ESTADO DE SÃO PAULO. Caderno 2. 18 de dezembro de 2003. “Crimes de skinheads atualizam ‘Garotas do ABC’)

    Cremos que o tempo decorrido desde o lançamento do filme nos dá um distanciamento salutar para analisar sua recepção e sua contribuição para o cinema brasileiro.

Bibliografia

    CAETANO, D. “A cinefilia canibal dos filmes de Carlos Reichenbach”. In: Revista Filme Cultura nº 53. RJ, 2011.
    ______. Entre a transgressão vanguardista e a subversão da vulgaridade: os casos de Carlos Reichenbach e Alberto Fischerman. Doutorado – PUC Rio, Rio de Janeiro, 2012.
    CORREIO BRAZILIENSE. Cultura. 27 de agosto de 2004. “Da cor da polêmica”
    LYRA, M. Carlos Reichenbach: o cinema como razão de viver. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004.
    O ESTADO DE SÃO PAULO. Caderno 2. 27 de agosto de 2004. “Morte de sem-teto atualiza Garotas do ABC”
    O ESTADO DE SÃO PAULO. Caderno 2. 18 de dezembro de 2003. “Crimes de skinheads atualizam ‘Garotas do ABC’
    RAMOS, F. (org.). História do cinema brasileiro. São Paulo: Art Editora, 1987.
    REICHENBACH, Carlos. ABC Clube Democrático : 4 roteiros de Carlos Reichenbach. São Bernardo do Campo, SP : MP Editora, 2008.
    ______. “Carlos Oscar Reichenbach Filho”. Revista Filme Cultura nº28, RJ, 1978.