Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    PEDRO PEREIRA DRUMOND (UFF)

Minicurrículo

    Pedro Drumond é mestrando em Comunicação no PPGCOM-UFF na linha de Estudos do Cinema e do Audiovisual, sob orientação do Prof. Dr. Cezar Migliorin. Bacharel em Cinema & Audiovisual pela UFF. É membro do Grupo de Pesquisas em Ritmo, Imagem e Pensamento (UFF).

Ficha do Trabalho

Título

    Entre a reforma e a demolição: Era o Hotel Cambridge e o indiscernível

Seminário

    Cinema brasileiro contemporâneo: política, estética, invenção

Resumo

    Um edifício entre a reforma e a demolição, ocupado por um movimento social de luta por moradia, intercedido por um filme a ser feito coletivamente. Há, em Era o Hotel Cambridge (Eliane Caffé, SP, 2016), uma vocação para fabricar e habitar um espaço de incertezas. O trabalho investiga as operações de distinção e a mirada à indiscernibilidade mobilizada pelo filme em seus modos de encenação,

Resumo expandido

    “Imagens do interior de um edifício antigo visto apenas pelos fragmentos de cantos de parede, curvas de corredores, colunas, fiação exposta, vão de escada, sobreposição de tapumes, sarrafos, forros etc. Não sabemos se o espaço está em reforma ou em demolição.” (CAFFÉ, 2017:88)

    Um edifício entre a reforma e a demolição, ocupado por um movimento social de luta por moradia, intercedido por um filme a ser feito. Há, em Era o Hotel Cambridge (Eliane Caffé, 2016), uma vocação para a constituição de um espaço de incertezas. Estabelece, assim, ressonâncias com certo cinema brasileiro contemporâneo investido por um suposto desejo de indiscernibilidade, filmes que realizam eles mesmos os interstícios entre documentário e ficção, da atuação profissional e não-profissional, do mundo vivido e do mundo filmado (BRASIL, 2011). Entre tantos, podemos nomear experiências como O céu sobre os ombros (Sérgio Borges, 2011), Branco Sai, Preto Fica (Adirley Queirós, DF, 2014), A Vizinhança do Tigre (Affonso Uchôa, 2015). O presente trabalho busca analisar como procedimentos característicos desse cinema brasileiro contemporâneo aparecem radicalizados em Era o Hotel Cambridge. Se tais filmes recentes são constantemente investidos nas relações entre vida e espaço de convivências (a cidade, a região administrativa, a vizinhança), o filme de Eliane Caffé se dedica a complexidade de uma ocupação e sua pluralidade constitutiva, da vida quando vivida em um espaço a ser inventado, vidas que se reúnem apenas sob o a mínima identidade de uma luta política pelo direito à moradia. Se interessados na produção de dramaturgias do cotidiano encenadas por atores não profissionais, Era o Hotel Cambridge instaura um espaço cênico oscilatório entre um naturalismo ético e um delírio ficcionalizante, realizado em conjunto por recém-atores que interpretam personagens derivados de suas biografias e pelos atores profissionais consagrados Suely Franco e José Dumont, que dão corpo a figuras excêntricas por onde deslizam mundos imaginários. Por último, se são filmes que levam a uma máxima suspeita a correspondência entre modos de filmar e os ímpetos documentários ou ficcionais, podemos encontrar em Era o Hotel Cambridge as aparições aberrantes de um documentário quando sonho e do artificialismo quando flagrante da realidade.

    Reconhecer como Era o Hotel Cambridge opera distinções para possibilitar uma mirada à indiscernibilidade nos compele a novas premissas metodológicas: não apostar em uma retórica da indeterminação, mas em um cinema apesar dos modos, que evita formulações transicionais ou compensatórias entre o que se entende por documentário e por ficção. Abandonar os modos de passagem para ver as formas de fuga (MALABOU, 2014). A indiscernibilidade entre ficção e documentário só é possível a partir da insuficiência de um gesto de distinção. Se Cesar Guimarães e Ruben Caixeta nos inspiram a uma distinção provisória do documentário pautada por uma pragmática do desejo de ver e fazer (GUIMARÃES, CAIXETA in. COMOLLI, 2006), acreditamos que é essa teoria do documentário que se coloca atenta a um inacabamento constitutivo dos modos. É assim que podemos defender que os limites da ficção não dão a ver o documentário e os limites do documentário não dão a ver a ficção. Os modos podem expressar também seu próprio estado de exceção, a aparição fora de seu próprio lugar.

    No Hotel Cambridge, um cano exposto em uma parede inacabada. O pânico de uma fraqueza estrutural ou a esperança de um lar a ser erguido. Disparam-se séries divergentes, redes de entendimento distintas que carregam sentidos e expectativas em disparidade. As séries convergem “não nelas mesmas, o que seria impossível, mas em torno de um elemento paradoxal” (DELEUZE, 2017:188). É a indiscernibilidade quando aflora com a distinção. O estado desse edifício hipotético em condição precária não é indeterminado, mas é não-designável. Era o Hotel Cambridge é um filme que tenta se colocar à altura de um sensível dessa natureza.

Bibliografia

    CAFFÉ, Carla. Era o hotel Cambridge. Arquitetura, cinema e educação. São Paulo:
    Edições SESC São Paulo, 2016.

    COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: a inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: UFMG, 2008.

    DIDI-HUBERMAN, Georges. Imagens apesar de tudo. Lisboa: KKYM, 2012.

    DELEUZE, Gilles. Lógica do sentido. São Paulo: Editora Perspectiva, 2017.

    GUIMARÃES, Cesar, CAIXETA, Ruben. Pela distinção entre ficção e documentário, provisoriamente. In COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: a inocência perdida. Cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: UFMG, 2008. p. 32-49.

    MALABOU, Catherine. Ontologia do acidente. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2014.