Ficha do Proponente
Proponente
- Eduarda Kuhnert (PPGARTES – UERJ)
Minicurrículo
- Eduarda Kuhnert é formada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com habilitação em Jornalismo. Realizou programa de intercâmbio acadêmico na Berlin University of the Arts (UdK) em 2013. Atualmente é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Artes na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e desenvolve pesquisa sobre a apropriação de documentos de arquivos na arte contemporânea. É co-editora e co-fundadora da Revista Beira.
Ficha do Trabalho
Título
- A migração das imagens e os lugares de passagem em John Akomfrah
Seminário
- Interseções Cinema e Arte
Resumo
- O presente texto se atenta para as possibilidades estéticas de deslocamento e incorporação de materiais de arquivos que, uma vez retirados de seu contexto original, são inseridos dentro de uma nova ordem orientada pelo presente que demanda por tais montagens. Serão analisadas obras do cineasta e artista John Akomfrah que, ao refletir a respeito das experiências diaspóricas na Inglaterra, apresentam “a memória como um mapa pelo qual se pode renavegar o presente.” (AKOMFRAH, 2017, p.38).
Resumo expandido
- “Juntos, nós ensinaríamos uma lição muito importante, a saber: para se ter uma identidade hifenizada, deve-se primeiramente entrar em acordo com a natureza e a força do hífen. (…) A chave para a pergunta então se tornou: como o hífen – por exemplo, britânicos-negros ou britânicos-asiáticos – surge? Qual ‘processo de subjetivação’ torna o hífen possível?” (AKOMFRAH, 2017, p. 33)
Em sua vasta investigação pelos arquivos coloniais, o cineasta e artista ganês-britânico John Akomfrah redescobre as rotas das diásporas que construíram a sociedade inglesa do pós-guerra, presentes no interior das complexas imagens do passado. Ele mesmo um imigrante desses fluxos que redesenham a geografia tal como a conhecemos, Akomfrah foi um dos membros fundadores do Black Audio Film Collective na década de 1980. O grupo de artistas se propôs a pensar as particularidades das diásporas na Inglaterra, produzindo obras que transitam entre as linguagens artísticas, assumindo as motivações híbridas do projeto, que surgem em consonância com a potência do hífen que Akomfrah afirma na citação acima. A prática do coletivo envolvia uma reformulação poética de materiais de arquivo, como fragmentos de cinejornais, reportagens midiáticas e fotografias do século XIX e começo do século XX, combinados com imagens contemporâneas. O presente trabalho busca analisar as imbricações entre imagem, migração, arquivo e colonialismo na obra de John Akomfrah, sugerindo uma aproximação com o projeto “Museu do Estrangeiro”, do artista brasileiro Ícaro Lira que, por sua vez, apresenta rastros e vestígios de imigrantes que chegam no Brasil em uma montagem visual alinhada a uma certa herança cinematográfica na sua maneira de compor o material ali disposto.
Ocorre de considerarmos aqui nesse texto algumas possibilidades de compreensão sobre a migração: ao mesmo tempo que um deslocamento de corpos e narrativas em busca de uma nova chance de pertencimento, também uma prática de oferecer outro espaço de confrontação para imagens do passado, trazendo-as de volta à vida (LEANDRO, 2012). O arquivo é caracterizado pelo volumoso estoque de registros, mas é também permeado pela falta. Os elos de ligação são produzidos por agentes externos a ele, como historiadores, artistas, montadores, cineastas, entre outros. Somente através da reimpressão dos documentos, o arquivo se torna memória. John Akomfrah produz a partir do pouco repertório de imagens que retratam os imigrantes na Inglaterra, como uma costura de fragmentos que dá a ver as lacunas. O presente é determinado por essas ausências, segundo Akomfrah, “que não são necessariamente táteis, mas que são ativas, possuem agência.” (AKOMFRAH, 2017, p.65) e, de certa forma, marcam a própria experiência diaspórica.
A respeito do filme “As Canções de Handsworth”, dirigido por Akomfrah em 1987, o curador e crítico de arte nigeriano Okwui Enwezor afirma: “Passados os protestos de Handsworth, o filme habita uma outra ordem das coisas: ele é tanto sobre a Grã-Bretanha quanto sobre um outro lugar. Esse outro lugar é o mundo pós-colonial mais amplo.” (ENWEZOR, 2017, p. 119). Nesse sentido, é possível se debruçar sobre a configuração de outros êxodos que desmancham uma ideia estática de mundo. Assim como Akomfrah age em seus projetos de escrita da história com os arquivos iconográficos do império inglês, em “Museu do Estrangeiro” é possível notar também a produção de uma historiografia pelas imagens, na qual o regime verbal encontra um novo modo de observar os fatos e conceber o saber. Essa história que se decompõe em imagens compreende o vestígio não como mera evidência ou prova, mas como imagem que retorna, algo que resta quando existe uma ausência. São imagens que passam, sobrevivem enquanto um presente demandar por elas, tal como se apresentam esses homens e mulheres que experimentam a diáspora, os passantes que exploram as possibilidades da vida hifenizada.
Bibliografia
- AKOMFRAH, John. “A memória e as morfologias da diferença”. In: MURARI, Lucas; SOMBRA, Rodrigo (.orgs). “O cinema de John Akomfrah: espectros da diáspora”. Rio de Janeiro: LDC, 2017.
BENJAMIN, Walter. “Obras escolhidas I: Magia e técnica, arte e política”. 8ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 2012.
DIDI-HUBERMAN, Georges. “Diante do tempo: história da arte e anacronismo das imagens”. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2015
ENWEZOR, Okwui. “Construindo coalizões: o coletivo Black Audio Film Collective e o pós-colonialismo transnacional”. In: MURARI, Lucas; SOMBRA, Rodrigo (.orgs). “O cinema de John Akomfrah: espectros da diáspora”. Rio de Janeiro: LDC, 2017.
FARGE, Arlette. “O sabor do arquivo”. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009
LEANDRO, Anita. Desvios de imagens, ontem e hoje: de Debord a Coutinho. In: Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação – E-compós. Brasília, 2012