Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Maria Leite Chiaretti (ECA – USP)

Minicurrículo

    Pesquisadora e programadora de cinema, é mestre em Teoria e História do Cinema pela Université Paris 8 Vincennes / Saint-Denis e doutoranda em Meios e Processos Audiovisuais na ECA-USP onde desenvolve, sob orientação de Ismail Xavier, pesquisa sobre a noção de instabilidade nos cinema de Jacques Rivette e John Cassavetes.

Ficha do Trabalho

Título

    O texto instável em Rivette (1968-74): uma abordagem comparativa

Seminário

    Cinema comparado

Resumo

    Nesta comunicação pretendemos comparar momentos distintos do cinema de Jacques Rivette em que ele conjuga liberdade na encenação de adaptações literárias e radicalidade na experimentação do jogo dos atores. Dado o nosso interesse por filmes exemplares para a noção de instabilidade no cinema, privilegiaremos a relação entre texto e mise en scène inaugurada em “L’Amour fou” (1968), radicalizada em “Out 1” (1970-71); até desembocar em “Céline et Julie vont en bateau” (1974).

Resumo expandido

    Jacques Rivette era um intelectual que conjugava um amor insaciável pelo cinema com seu profundo interesse pela literatura, pelo teatro, pela música e pela pintura. Nestes filmes realizados entre o fim dos anos 1960 e meados dos 1970, podemos traçar um arco que se inicia em “L’Amour fou” (1968), em que há um método marcado pela cumplicidade total com os atores fundado no fazer teatral; seguindo por “Out 1” (Noli me tangere [1970-71] e “Spectre” [Espectro, 1972]), em que Rivette abandona as fronteiras entre o diante e o atrás das câmeras; chegando em “Céline et Julie” (1974), em que a cumplicidade com as atrizes e o prazer de filmar são atravessados por Carroll, Bioy Casares e James. Em Rivette, o teatro representa aquilo que está sujeito ao presente do instante, à expressividade dos corpos e à liberdade da palavra. Não por acaso, a função atribuída a ele nos créditos de seus filmes é não a de direção ou de realização, mas a de mise en scène.
    À luz dos depoimentos de Rivette, poderíamos dizer que, antes de “L’Amour fou”, ele enxergava vida e filmagem como duas coisas distintas. A partir de “Jean Renoir le Patron”, ele se dá conta de que não existe um antes e um depois da filmagem. À diferença dos seus dois primeiros longas, Rivette agora realiza um filme em que não há roteiro anterior, que surgiria organicamente a partir do seu encontro com pessoas com quem gostaria de trabalhar, uma metodologia que ele continuará a experimentar, de diversas maneiras, a partir de então. Rivette engaja os atores no processo de criação, convocando-os para colaborar no argumento e construir seus personagens: Kalfon encarna um diretor de teatro (Sébastien) e Ogier uma atriz (Claire). Apesar de o cineasta ter sido o responsável pela escolha da peça Andrômaca (tragédia de Eurípedes), Kalfon teve liberdade para convidar os atores que desejava e carta branca para ensaiá-la ao seu modo. Assim como todos os atores tinham a liberdade para criar seus diálogos e propor inflexões na narrativa.
    O gesto de relativizar o roteiro é radicalizado em “Out 1”, filme originado num argumento vago baseado na Histoire des 13 de Balzac e sem dúvida o mais improvisado de Rivette. Apesar do princípio de sociedade secreta presente no romance de Balzac ser um dos motes da narrativa, Rivette já confessou que na época da concepção do argumento e das filmagens ele havia lido apenas o seu prefácio. Se “L’Amour fou” se concentrava sobretudo em dois personagens, “Out 1” lidava, por usa vez, com a distribuição e com a heterogeneidade dos mesmos. Rivette diz que de início a sua única ideia era a do jogo, “em todos os sentidos da palavra: jogo dos atores, jogos das personagens entre si, jogo no sentido dos jogos de criança e jogo quando dizemos que existe um jogo entre as partes de uma colagem” .
    O método de escrita compartilhada do roteiro em “Céline et Julie” ecoa o de “L’Amour fou”, em que Rivette parte de um argumento geral para criar situações e diálogos junto com as atrizes. A diferença entre os dois filmes reside no fato de “Céline et Julie” ter sido concebido a partir do desejo de adaptar de maneira bastante livre alguns textos literários, entre os quais “Alice nos país das maravilhas” (Alice in Wonderland, 1865), de Lewis Carrol, a novela “O perjúrio da neve” (1948) de Bioy Casares, a novela “Le Roman de quelques vieilles robes” (The Romance of Certain Old Clothes, 1868) e o romance “L’Autre Maison” (The Other House, 1896) ambos de Henry James. Segundo Eduardo De Gregorio, que co-assina o roteiro ao lado do cineasta e das atrizes principais (Bulle Ogier, Dominique Labourier, Juliet Berto e Marie-France Pisier), Rivette percebeu, após “La Religieuse” (1966), que “não havia razão para que o roteiro tivesse o primado, ele deveria ser uma elemento entre outros.” Nesse sentido, a comunicação pretende fazer uma análise comparatista interna à obra do cineasta afim de identificar a radicalização do seu método ao trabalhar com o texto literário.

Bibliografia

    AGAMBEN, Giorgio. “Notas sobre o gesto”. In: Meios sem fim – Notas sobre a política. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
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