Ficha do Proponente
Proponente
- Erly Milton Vieira Junior (UFES)
Minicurrículo
- Erly Vieira Jr é Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ (2012). Professor do Departamento de Comunicação Social da UFES desde 2008, onde é coordenador do grupo de pesquisa Comunicação, Imagem e Afeto (CIA). Também integra o corpo docente dos programas de pós-graduação em Artes (PPGA) e Comunicação e Territorialidades (POSCOM) da mesma instituição.
Ficha do Trabalho
Título
- Encenando o monstro queer: aspectos sensórios e engajamentos corporais
Seminário
- Corpo, gesto e atuação
Resumo
- A partir da articulação entre aspectos sensórios e estratégias de encenação, discutimos aqui a ambígua relação entre a monstruosidade/abjeção e a condição queer dos corpos (filmados, fílmico, espectatoriais) no cinema. Abordam-se aqui três momentos históricos: a figura do vilão/outsider no horror e sci-fi clássicos; as metáforas da aids nos anos 80/90, seja no moralismo do slasher ou na ambígua subversão do New Queer Cinema; e a câmera-corpo que amalgama o concreto e o mágico em Mal dos trópicos
Resumo expandido
- A aproximação com o monstro e o abjeto tem sido, historicamente, uma importante possibilidade de ressignificação para as identidades queer, por sintetizar, em suas contradições e ambiguidades, toda uma série de inadequações e exclusões usualmente experimentadas por quem não se enquadra nos ditames de sexualidade e gênero hegemônicos. Em lugar das “linhas retas” (AHMED, 2006) que regem as relações cotidianas da heteronormatividade, os indivíduos queer acostumam-se desde cedo à condição de desviante, a sensação de despertencimento e a constantes negociações e embates diante das ameaças de enclausuramento de seus afetos e desejos. Como afirma Harry Benshoff, em seu livro Monster in the closet (1997), o caráter indisciplinado e afrontoso do ativismo queer assemelha-se ao desejo de reestruturar a sociedade dos cientistas loucos de filmes de terror, em sua ânsia de desmantelar os pressupostos do discurso heterocentrista.
Decorre disso certa identificação histórica de espectadores LGBTs com a figura do vilão, do cientista louco e das criaturas abjetas dos filmes de terror e ficção científica clássicos, sempre inadequados, dissidentes, fora de lugar – mas também caracterizados de formas bem mais complexas e ambíguas do que os estereotipados heróis e heroínas incubidos de manter a normalidade da ordem heterossexual. Este é o ponto de partida deste estudo: pensar, a partir dos pressupostos e fenomenológicos de uma espectatorialidade queer, como se dá, em três momentos históricos, essa aproximação entre o queer e o monstruoso (com ênfase na homossexualidade masculina), e os respectivos modos de engajamento espectatorial de cada um desses contextos. Busco aqui compreender como os filmes a serem analisados promovem uma interação entre as três categorias de corpos envolvidas na experiência audiovisual: os corpos filmados (e sua mise-en-scène), o corpo fílmico (e suas estratégias de envolvimento sensório) e os corpos espectatoriais.
O primeiro desses contextos históricos é o da narrativa cinematográfica clássica, presente nos filmes de horror e ficção científica das décadas de 1930 e 1950. Penso aqui especificamente na gestualidade afetada do Dr. Moreau interpretado por Charles Laughton em A ilha das almas perdidas (Erle C. Kenton, 1932), num misto de vilania camp e indisfarçável desejo sexual pelo “mocinho”. Ou ainda o protagonista crossdresser de Glen or Glenda (Ed Wood, 1953), interpretado pelo próprio diretor do filme. Em ambos os casos, é possível perceber uma intenção de queerização do mundo, uma reorganização pela ruína, a questionar a estabilidade heternormativa da narrativa clássica.
Um segundo momento, pós-“saída do armário”, é o da crise instituída pela epidemia da aids na década de 1980. Aqui, o backlash conservador e homofóbico, a princípio cristalizado no uso de certas metáforas no slasher A hora do pesadelo 2: A vingança de Freddy (Jack Sholder, 1985), é tensionado de forma ambígua, seja nas sedutoras estratégias de cooptação do afeminado final boy por Freddy Krueger, ou na reativação de memórias sensórias do espectador na cena do assassinato do professor de educação física, numa atmosfera homoerótica, potencializada pela ressignificação de referências visuais do pornô gay. Também há ambiguidade na reapropriação da figura do monstro pelo New Queer Cinema norte-americano, desta vez como uma instância afirmativa e resistente, como no pastiche do sci-fi de paranoia macarthista em Veneno (Todd Haynes, 1991).
Por fim, temos, na segunda parte de Mal dos trópicos (Apichatpong Weerasethakul, 2004), a paixão como monstro, não mais concebido como abjeção, mas sim como uma fascinante e hipnótica irrupção da dimensão mágica na concretude cotidiana. Aqui, a adoção de uma câmera-corpo e de momentos de escuta e visualidade hápticas, no contexto do cinema de fluxos contemporâneo, permite pensar não mais a lógica do monstro como um outro a ser recusado/extirpado, mas sim como parte de um encontro, de um amálgama xamânico com o humano.
Bibliografia
- AHMED, Sara. Queer phenomenology: Orientations, objects, others. Durham: Duke University Press, 2006.
BARKER, Jennifer. The Tactile Eye: Touch and the cinematic experience. Berkeley: University of California, 2009.
BENSHOFF, Harry M. Monsters in the closet: Homosexuality and the horror film. Manchester: Manchester University Press, 1997.
MELO, Cecília (org.) Realismo fantasmagórico. São Paulo: Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária – USP, 2015.
MURARI, Lucas e NAGIME, Mateus. New queer cinema: Cinema, sexualidade e política. Rio de Janeiro: Caixa Cultural, 2015.
NDALIANIS, Angela. The horror sensorium: Media and the senses. Jefferson/London: McFarland & Company, 2012.
OLIVEIRA JR, Luiz Carlos. A mise em scène no cinema: Do clássico ao cinema de fluxo. Campinas: Papirus, 2013.
QUANDT, James. Apichatpong Weerasethakul. Viena: Synema, 2009.
SOBCHACK, Vivian. Carnal Thoughts: Embodiment and Moving Image Culture. Berkeley: University of California Press, 2004.