Ficha do Proponente
Proponente
- Caio de Salvi Lazaneo (USP-SP)
Minicurrículo
- Caio Lazaneo é mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, professor do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade São Judas, Produção Audiovisual na Faculdade das Américas, bem como realizador, documentarista e montador.
Coautor
- Thomaz Marcondes Garcia Pedro (PUC-sp / Anhembi)
Ficha do Trabalho
Título
- Transetnografia em Xapiri: experimentações fílmicas no ritual yanomami
Resumo
- A comunicação propõe uma reflexão a partir de uma entrevista realizada com Laymert Garcia dos Santos e Stella Senra (LAZANEO, PEDRO, 2017) a propósito do filme “Xapiri” (2012) um documentário experimental, poético-obervativo (NICHOLS, 2012) que retrata um ritual xamânico em uma aldeia yanomami. A partir do conceito “cine-transe” (ROUCH, 2003) interessa-nos observar as aproximações e disjunções com o documentário etnográfico (HIKIJI, 2003; RIBEIRO, 2007) e propor a categoria de transetnografia.
Resumo expandido
- A presente comunicação propõe uma reflexão inicialmente a partir de uma entrevista realizada com Laymert Garcia dos Santos e Stella Senra (LAZANEO, PEDRO, 2017) a propósito do filme “Xapiri” (54 minutos, 2012), uma experiência fílmica que permea um ritual xamânico yanomami e dirigido pelos dois autores já citados, em conjunto com Leandro Lima e Gisela Motta e Bruce Albert. Dentre os modos de representação propostos por Bill Nichols (2012), compreendemos-o enquanto híbrido dos modos poético e observativo.
O filme é o resultado de gravações realizadas a partir de um raro encontro de 37 xamãs yanomami (de diferentes aldeias), ocorrido em 2011 na aldeia Watoriki, no estado do Amazonas, e organizado por Davi Yanomami Kopenawa. O trabalho se inscreve, consequentemente, em uma estratégia de luta e defesa de seu território, e afirmação da cultura deste povo.
A partir das reflexões ensejadas pela entrevista, interessa-nos de igual modo apresentar uma série de aproximações e disjunções de “Xapiri” com o documentário etnográfico (RIBEIRO, 2007), bem como, no âmbito do filme-ensaio, aludir para seu potencial liame a uma “etnografia experimental” (RUSSEL apud CORRIGAN, 2015). Neste sentido, compreendemos um diálogo possível com o conceito de “cine-transe” (ROUCH, 2003), tomando como referência e contraponto “Os mestres loucos”, dirigido por Jean Rouch e lançado em 1955.
Para Santos e Senra (LAZANEO, PEDRO, 2017) neste contexto existe uma distinção marcante entre duas noções de imagem: a yanomami e a nossa. A noção da imagem yanomami está profundamente atravessada pelas características do transe do ritual xamânico. Os xapiri são, para este povo, espíritos que são acessados pelos xamãs durante o processo ritualístico e se caracterizam pelas suas formas de apresentação como imagens xamânicas (utupë), também descritas por Kopenawa em seu livro A Queda do Céu (ALBERT; KOPENAWA, 2015). Assim, este tipo de imagem, seria impossível de ser compreendida e experimentada por qualquer pessoa que não esses xamãs durante o ritual.
O filme Xapiri atravessa um paradoxo: Primeiro constitui uma tentativa de apresentar as imagens xamânicas para um público não-indígena. Na “impossibilidade ocidental” de vivenciar o transe xamânico, mesmo que a partir de uma dimensão cinematográfica, a “imagem-filme” Xapiri parece habitar uma espécie de limbo. Na contramão do filme etnográfico, Xapiri não pretende explicar de maneira objetiva um ritual yanomami, senão propor ao espectador não-indígena uma experiência fílmica. Para tanto, é também necessário compreender o próprio xamanismo como uma forma de produção tecnológica, acentuada, no caso do filme, pelo contato com as tecnologias de produção de imagem e som audiovisuais.
Desta forma, o espectador é apresentado às imagens e sons do ritual, entretanto a partir de uma série de distorções cromáticas, anamorfoses, sobreposições e inversões de camadas temporais de modo a alterar a representação naturalista de registro e criar aquilo que Santos e Senra compreendem como “imagem-eco” (2012).
Neste escopo, de modo mais amplo, interessa-nos por fim observar e analisar relações estéticas e poéticas ensejadas por filmes que partem de premissas inerentes ao campo etnográfico, mas que, no entanto, as transcendem a partir da experimentação, emulação e livre criação, utilizando-se para tanto de soluções de linguagem não-naturalistas, isto é, de modo geral, filmes que propiciam um reordenamento experimental. Propomos a categoria de transetnografia para dar conta desse tipo de produção fílmica.
Bibliografia
- ALBERT, Bruce e KOPENAWA, Davi. A Queda do Céu. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
CORRIGAN, Timothy. O filme-ensaio: Desde Motaigne e depois de Marker. Campinas. Papirua: 2015.
GONÇALVES, Marco Antônio, O real imaginado. Etnografia, cinema e surrealismo em Jean Rouch. Rio de Janeiro, Topbooks/ Capes, 2008.
HIKIJI, Rose Satiko G. Rouch compartilhado. Iluminuras, Porto Alegre, v.14, n.32, jan./jun. 2013
LAZANEO, Caio de Salvi. Produção partilhada do conhecimento e reticularidade fílmica. (Tese de Doutorado em Teoria e Pesquisa em Comunicação) – ECA – USP, São Paulo, 2017.
NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas; Papirus, 2012.
RIBEIRO, José da Silva. Jean Rouch: Filme etnográfico e Antropologia Visual. Doc On-line, n.03, Dezembro 2007.
ROUCH, Jean. The camera and Man. In: CINÉ-ETNOGRAPH/ Jean Rouch. Visible evidence v. 13. 2003.
GARCIA DOS SANTOS, Laymert, e SENRA, Stella. Xapiri e a imagem-eco do xamanismo. Catálogo Forum Doc BH. 2012