Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Barbara Cristina Marques (UEL)

Minicurrículo

    Doutora e Mestre em Letras/Estudos Literários (UEL). Professora de Literatura, Cinema e suas materialidades do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual de Londrina. Professora do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas da Universidade Estadual de Londrina.

Ficha do Trabalho

Título

    O Eu é o mundo: Correspondência(s) de si em José Luis Guerín e Jonas Mekas

Resumo

    Na literatura, as cartas sempre provocaram algo de profundamente atraente por compartilharem emoções, segredos, obsessões e outros afetos de um “Eu” em estado de presença. Nesse trabalho, pretendo tratar do filme-carta Correspondencias (2011), dos cineastas José Luis Guerín e Jonas Mekas, de modo a investigar uma série de preocupações/questões relativas a uma poética cinematográfica construída sob a perspectiva de um entrelaçamento diarístico e missívico.

Resumo expandido

    Na tradição da crítica literária, as cartas ocuparam o lugar subalterno do íntimo, do testemunhal e do biográfico. A referência primeira tomada nesse sentido volta-se para a carta enquanto texto configurado na correspondência, que, “par définition, c’est un partage” (LEJEUNE, 1998, p. 76). Estreita-se, portanto, o olhar sobre essa “escrita dos movimentos interiores” (FOUCAULT, 1992, p. 129), se considerarmos as várias formas assumidas pelo ato missívico. Nessa perspectiva, as cartas são tomadas como objetos afetivos experienciados na partilha com o outro-correspondente. Memórias, confidências, meditações, obsessões e desejos são despejados sobre papéis (e outros suportes) no afã de encontrar o seu destinatário. Escrita dirigida a se confundir perversamente com o eu. Egotipias que se ecoam. As cartas são ambiguidades do sujeito diante de um espelho, sendo ele o próprio espelho. Uma ideia fundamental na escrita de correspondências refere-se à noção de “presença” de uma voz não encerrada no autor ou na persona de Barthes (2004), mas em uma “presença imediata e quase física” do autor (FOUCAULT, 1992, p. 135).
    No cinema, em geral, as cartas aparecem sob forma de objetos, isto é, enquanto figurações da escrita/texto. As correspondências filmadas, ou os chamados filmes-cartas, abrem um horizonte de discussão bastante interessante ao comportarem preocupações não apenas inerentes à própria mídia (medium), mas, sobretudo, à poética de uma escritura epistolar cinematográfica cujas condições técnicas de um dispositivo cinematográfico digital correspondem a processos criativos completamente autorreflexivos.
    Nesse momento, quero tratar de Correspondencias (2011), um filme-carta que compreende nove cartas filmadas entre os cineastas José Luis Guerín e Jonas Mekas entre os anos de 2009 a 2011. A obra é parte do projeto Todas las cartas. Correspondencias fílmicas, idealizado por Jordi Balló, levado à Exposição no CCBB (Centre de Cultura Contemporània de Barcelona), em outubro de 2011. Os trabalhos de Guerín e de Mekas são sensíveis às composições fragmentárias e ao recolhimento de imagens resultantes de experiências erráticas. Guerín aproxima-se de Mekas no encaminhamento de um cinema-experimental a partir de Innisfree (1990), En construcción (2001) e Guest (2011), este último filmado no período dos encontros com Mekas para o projeto de Correspondencias.
    Boa parte de minhas inquietações ao me deparar com o filme de Guerín e Mekas levou-me a questionar o estatuto daquelas imagens-correspondências. Mais do que afligir-me com a natureza do gênero, coube-me pensar a respeito dos limiares entre palavra e imagem e como tais modos de escritura podem se inscrever enquanto gestos político-estéticos. Não se enxerga mais um autor-cineasta, uma intimidade, uma vida feita de acontecimentos. Lida-se com o mundo; um mundo no qual o eu, o outro e a vida são partes de várias ficções. Dissolvem-se as categorias do privado e do público e alcança-se uma dimensão outra – não sendo mais nem realidade nem ficção. Há em Correspondencias algo como uma “partilha estética do sensível” (RANCIÈRE, 2005) ao tangenciar aquele limiar entre o visível e o dizível. Palavra e imagem tornam-se, em vários momentos, atos disjuntivos. Minha proposta é investigar Correspondencias como uma construção diarística de cada cineasta conformada em carta-filmada e, a partir disso, levantar hipóteses: o problema autoral associado ao imperativo da medialidade dos media; a escrita inscrita nas imagens como ato discursivo; as condições sob as quais é representada a consciência de uma intraduzibilidade da própria imagem; a opacidade e a transparência da imagem subjetiva do eu; o caráter reflexivo de um plano escritural no cinema em contraste com a epístola escrita; os atos performáticos de uma perspectiva autoral que joga com a ambiguidade do real/ficcional.

Bibliografia

    AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007.
    BARTHES, Roland. A morte do autor. In: O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
    FOUCAULT, Michel. A escrita de si. In: O que é um autor? Lisboa: Passagens, 1992, p. 129-160.
    ______. O que é um autor?. In: Ditos e escritos III: Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
    GRASSI, Marie-Claire. Lire l’épistolaire. Paris: Dunod, 1998.
    LEJEUNE, Philippe. L’autobiographie en France. 2. ed. Paris: Seuil, 1998.
    MOURÃO, Patrícia (Org.). Jonas Mekas. São Paulo: Centro Cultural Banco do Brasil; Pró-reitoria de Cultura e Extensão Universitária – USP, 2013.
    RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: EXO experimental org.; Ed. 34, 20015.
    WEINRICHTER, Antonio. Desvios de lo real: el cine de no ficcion. Madrid: T&B Editores, 2005.