Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Rafael de Almeida (UEG)

Minicurrículo

    Doutor em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Professor do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás – UEG.

Ficha do Trabalho

Título

    Collage: voz, found-footage e filme-ensaio

Seminário

    Montagem Audiovisual: reflexões e experiências

Resumo

    Propomos nesta comunicação privilegiar o diálogo entre a voz-over, o found footage e o filme-ensaio. Nossa intenção é pensar na relação entre tais elementos como forma de ampliar a nossa percepção e compreensão do procedimento de montagem enquanto collage, em obras que se valham parcialmente ou em sua totalidade de materiais de arquivo.

Resumo expandido

    Segundo Adorno, “o ensaio pensa em fragmentos, uma vez que a própria realidade é fragmentada; ele encontra sua unidade ao buscá-la através dessas fraturas, e não ao aplainar a realidade fraturada” (ADORNO, 2003, p. 35). A forma ensaística se revelará, portanto, também no cinema, a partir de uma estrutura rizomática, que mescla materiais de origens diversas que se interconectam de forma não-linear, descontinuada e intermitente, assim como o próprio pensamento. Nesse movimento, perceberemos que a noção de fragmento, mais que buscar um nivelamento e homogeneização das formas no filme-ensaio, estará interessada em evidenciar a textura e as arestas presentes em cada migalha de imagem.

    Por essa perspectiva, o princípio de montagem será o que mais se dá a ver no resultado final, por efetivamente propor uma costura com essas imagens e sons. Dizemos isso pois o ensaísta audiovisual muitas vezes irá se valer de imagens deslocadas de seu âmbito original – produzidas por ele mesmo ou reapropriadas – com a intenção de alcançar outros sentidos, ao justapor esses trechos de proveniências diversas, no novo contexto. Dessa forma, as imagens revelam-se matérias em que se é possível modelar a forma e os contornos, matérias a serem recicladas pelo gesto da montagem.

    Weinrichter (2007) irá pontuar que essa maleabilidade gera uma distância reflexiva entre o realizador e os materiais que maneja a partir de duas técnicas principalmente: o comentário verbal e a montagem. Ambas as técnicas são capazes de alterar o valor e a potência desses fragmentos, ao permitir que lidemos com as imagens como representação, ao invés de simplesmente codificar o que representam.

    Se por um lado a mediação da voz de um sujeito enunciador é capaz de trazer à tona estratos de leitura da imagem, que não seriam percebidos facilmente; por outro, lidar com esses fragmentos na montagem como imagens literalmente, e não como as próprias coisas do mundo que representam, permitiria abrir espaços interpretativos entre um plano e outro, entre uma banda e outra, que não estão dados nelas de antemão.

    Found footage é o nome da técnica cinematográfica que se vale da apropriação de materiais alheios. Ao reservar certa autonomia, as imagens do filme-ensaio realizado com found footage atuam também como testemunhas, ou evidências, de que não foram produzidas para aquele fim. Mas se permitem empenhar o papel almejado pelo cineasta, que as desloca de seu lugar original para alcançar um sentido que não está dado nelas à primeira vista. Sendo assim, o exercício de montagem aliado à voz over do narrador revela o quanto a construção dessa trama audiovisual reflexiva junto a esses extratos imagético-sonoros está fortemente relacionado à noção de fragmento. Logo, é o transitar entre essas imagens fragmentadas, e a tentativa de traçar um plano de composição a partir delas, por meio dos mecanismos retóricos, que dá forma ao pensamento do ensaísta.

    Por essa perspectiva, o problema de pesquisa a que nos dedicamos questiona: como a voz-over, o found footage e o filme-ensaio comportam-se enquanto práticas criativas autônomas, bem como relacionam-se entre si, pensando em obras que reutilizem imagens e sons de arquivos? Partimos da hipótese inicial de que a aproximação entre a voz-over, o found footage e o filme-ensaio se dá sobretudo por meio do procedimento de montagem, encontrando-se frequentemente conectado com a noção de collage, “uma técnica criativa que é também um método crítico” (WEES, 1993, p. 52).

    Por ser “regido pelos princípios de descentralização e dispersão, o collage ‘está dominado por múltiplas posições de observação: cada fragmento é móvel e aberto à interação com uma multidão de contextos semânticos, simbólicos, estéticos, etc’.”. (ELENA, 2009, p. 217). Nesse sentido, por meio das práticas da voz-over, do found footage e do filme-ensaio, as imagens e sons de arquivo assumem um caráter de fragmento que parece permitir sua articulação por meio da montagem compreendida como collage.

Bibliografia

    ADORNO, Theodor W. O ensaio como forma. In: Notas de literatura I. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2003.

    CATALÀ, Josep. Film-ensayo y vanguardia. In: TORREIRO, Casimiro; CERDÁN, Josetxo (orgs.). Documental y vanguardia. Madrid: Cátedra, 2005.

    ELENA, Alberto. Una estética del collage: documental, ensayo y vanguardia en la obra de Sergei Paradjanov. In: VAQUERO, LAURA GÓMES; LÓPEZ, SONIA GARCÍA (Org.) Piedra, papel y tijera. Madri: Ocho y médio, libros de cine, 2009.

    WEINRICHTER, Antonio (Org.). La forma que piensa: tentativas en torno al cine-ensayo. Pamplona: Governo de Navarra, 2007.

    WEES, William C. Recycled Images. The Art and Politics of Found Footage Film. Anthology Film Archives, Nueva York, 1993.