Ficha do Proponente
Proponente
- Angelita Maria Bogado (UFRB)
Minicurrículo
- Graduada em Com. Social e Letras (Unesp -1997, 2007), Mestre em Estudos Literários (Unesp – 2007). Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (UFBA -2017). Profa. Adjunta do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Tem experiência na área de narrativas com ênfase em análise fílmica. Atualmente se dedica ao estudo do entrelugar no cinema brasileiro contemporâneo. Participa do Grupo de Estudos em Experiência Estética: Com. e artes (GEEECA) da UFRB.
Ficha do Trabalho
Título
- O cinema contemporâneo do entrelugar e o retorno da experiência
Resumo
- O Brasil, assim como o mundo, está diante de um processo extremo de desaprender a ver e a dialogar. O cinema do entrelugar tem sido um espaço dissonante, onde se pode, como pregou Benjamin, “escovar a história a contrapelo” derrubar os muros da história oficial e romper com o discurso dominante. Para esta apresentação, vamos analisar os filmes Café com canela e Ilha. Um cinema que nos ensina como nos aproximar da essência indivisível das coisas e assim poder superar as nossas próprias tragédias
Resumo expandido
- A teoria da narração de Benjamin, desde os escritos da década de 1930 (Experiência e pobreza, em 1933, e o Narrador, em 1936) aponta para o declínio da experiência. Para estudiosos e teóricos da narração como Márcio Seligmann-Silva (2005) e Jeanne Marie Gagnebin (2009, 2014), a transmissão das narrativas orais fora severamente comprometida diante do horror e do genocídio praticados dentro dos muros de Auschwitz. Em uma sociedade do pós-primeira guerra, os soldados voltavam emudecidos dos campos de batalha. A política do “desaparecimento da história” adotada pelos nazistas foi uma estratégia “de querer tornar Auschwitz inimaginável” (DIDI-HUBERMAN, 2012, p. 36). Confinamento, práticas de tortura, cadáveres em valas comuns, corpos sem lápide, arquivos destruídos foram atos deliberados como forma de varrer os vestígios da história. Imagens foram apagadas, palavras foram silenciadas.
A ditadura militar no Brasil, implantada nos anos de 1960, trouxe para a nossa história uma destruição de experiência similar. São bastante semelhantes as políticas de apagamento da história adotadas pelos nazistas e pelos regimes militares de toda a América Latina.
O Brasil, assim como o mundo, está diante de um processo extremo de desaprender a ver e a dialogar. Para que as histórias não sejam esfaceladas é preciso criar formas de transpor as lacunas para viabilizar a transmissão das experiências. O cinema do entrelugar (tema pesquisado desde 2013) tem sido um espaço dissonante, onde se pode, como pregou Benjamin, “escovar a história a contrapelo” derrubar os muros da história oficial e romper com o discurso dominante. Para falar da importância de se praticar um cinema do entrelugar em um ambiente onde muros interditam o diálogo, muitas vezes impossibilitando o seu transbordamento, vamos nos aproximar do problema levantado por John Dewey “o de recuperar a continuidade da experiência estética com os processos normais do viver” (2010, p. 70), como forma de enfrentar as fraturas do nosso tempo .
O cinema contemporâneo tem mostrado como as experiências precisam ser transmitidas para que os processos históricos se completem. Para esta apresentação, vamos trazer para a cena o cinema da Rosza Filmes, Café com canela (2017) e Ilha (2018). São obras que atravessam as fendas, as frestas e os apagamentos da história mergulhando o espectador na magia de um mundo ordinário e comum. Violeta, Margarida, Henrique e Emerson são personagens que nos conduzem a um retorno da experiência. Nos gestos cotidianos de amizade, amor, afeto e saudade escancaram nosso desaprendizado, e mostram como continuamos inábeis em transformar nossas vidas vividas em histórias para se contar e recontar.
Pretendemos demonstrar como a mise en scène dos diretores – câmera, montagem, sonorização, a escolha do espaço, e outros elementos da poética fílmica – promovem espaços limiares de conexão e compartilhamento das histórias narradas.
Os realizadores Ary Rosa e Glenda Nicácio encontraram no fazer fílmico uma forma de costurar metades separadas: presença e ausência, passado e presente, vida vivida e vida imaginada. Um cinema que nos ensina como nos aproximar da essência indivisível das coisas e assim poder superar as nossas próprias tragédias.
Bibliografia
- BENJAMIN, W. Obras Escolhidas: magia e técnica, arte e política. SP: Brasiliense, 1994.
BRASIL, A. A performance: entre o vivido e o imaginado. In: Experiência estética e performance. PICADO, B; MENDONÇA, C. M.; CARDOSO, J. (Orgs.). SSA: EDUFBA, 2014, p. 131-145.
DEWEY, J. Arte como experiência. SP: Martins Fontes, 2010.
LOPES, Denilson. Afetos, Relações e Encontros com Filmes Brasileiros Contemporâneos. SP: Hucitec, 2016.
DIDI-HUBERMAN. Imagens apesar de tudo. Lisboa: KKYM, 2012.
GAGNEBIN, J. Limiar, aura e rememoração. SP: Editora 34, 2014.
GAGNEBIN, J. Lembrar, escrever, esquecer. SP: Editora 34, 2009.
LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio. São Paulo: Boitempo, 2005.
OTTE, Georg; GUIMARÃES, César; SEDLMAYER, Sabrina. (Orgs.). O comum e a experiência da linguagem. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.
SELIGMANN-SILVA, M. O local da diferença. SP: Editora 34, 2005.