Ficha do Proponente
Proponente
- Raquel do Monte Silva (UFAL)
Minicurrículo
- Doutora em Comunicação, é docente do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Alagoas, ministrando disciplinas como Oficina de Produção Audiovisual e Linguagens e Culturas Visuais. Atualmente realiza pesquisas sobre documentário e ditadura militar no Brasil. Tem interesse em Cinema Contemporâneo, Filosofia Contemporânea e Teoria da Imagem.
Ficha do Trabalho
Título
- Devir histórico e imagens arquivo: Retratos de Identificação
Resumo
- A proposta deste trabalho é pensar o uso das imagens arquivos e a reconstrução da memória sobre a ditadura militar, no cinema documental contemporâneo, a partir do filme Retratos de Identificação (2014). Para tanto, dialogamos com autores como Benjamin, Didi-Huberman e Comolli para tentar compreender como as imagens produzidas pelos perpetradores podem ser pensadas na sua fratura, entre outras, a partir do momento em que são articuladas no contexto narrativo, postas em diálogo pela montagem.
Resumo expandido
- Partindo do filme Retratos de Identificação (2014), dirigido por Anita Leandro, buscamos cartografar uma constelação de imagens que colocam em narrativa a experiência histórica vinculada à Ditadura Militar no Brasil e aos processos de repressão. Para tanto, lembramos de Arlette Farge (2009), uma historiadora francesa especialista no século XVIII, para pensar duas questões: a relação com os arquivos e como o gesto do historiador pode dar conta do sofrimento, das “suspensões trágicas da felicidade”. No documentário, encontram-se o rescaldo de 1968, o “curto ano de todos os desejos”. Deste modo, consideramos que o cinema é um portal que reverbera uma forma de pensamento, tudo materializado no campo das imagens e da linguagem fílmica. Sendo assim, reencontrarmo-nos com a história evocada na narrativa construída pela realizadora é refletir também sobre as memórias e o dispositivo construído. O filme Retrato de Identificação reflete uma experiência singular dentro da cinematografia brasileira que dialoga com o período da ditadura militar e, em especial, com os eventos ocorridos pós 13 de dezembro de 1968, data da emissão do decreto Ato Institucional de Número 5, o AI-5 . Neste sentido, a hipótese que norteia nossas reflexões, considera que os episódios de perseguição, tortura, prisão e morte trazidos à tona no documentário ecoam o espírito da resistência de 68. O desejo de imergir nesse passado histórico é o gesto inicial do filme de Anita Leandro, já que ele é calcado na reconstituição da memória de quatro personagens: Antonio Roberto Espinosa, Maria Auxiliadora, Chael Schreier e Reinaldo Guarany, vítimas do regime militar brasileiro (1964-1985). Os três primeiros do grupo integravam a resistência armada VAR-Palmares e Reinado era membro da Ação Libertadora Nacional. Maria Auxiliadora, codinome Chica, é o ponto de contato entre os três outros estudantes. Retratos de identificação é concebido visualmente a partir da aparição na tela dos documentos oficiais, legados do Estado repressor, – fotografias, mug shots, laudos, inquéritos policiais, etc – e da presença dos personagens (através da presença física, quer seja ela em voz over ou através do enquadramento frontal) que acrescentam uma nova camada de significado às imagens, impregnando-as de um novo estrato sensível e possibilitando um mergulho testemunhal naquele momento histórico que se constitui uma ferida aberta no imaginário brasileiro. Narrativamente o filme é dividido em três partes – apresentação dos personagens e ocasião da prisão, a tortura e os momentos pós-prisão. Logo nos primeiros planos percebemos através da tela preta, que acolhe a aparição dos documentos oficiais e que simbolicamente representa o luto para nós, o quanto a atmosfera de dor e morte é presentificada na construção da cronologia que o filme institui. Para disparar a aparição das narrativas em torno das prisões, mortes e torturas que envolvem as vidas daqueles estudantes, o dispositivo apresentado para o processo de construção da narrativa dá-se na dobra esboçada a partir do encontro das fotografias, ou melhor dizendo, dos retratos de repressão com as duas pessoas que sobreviveram, Reinaldo e Roberto. Tal gesto fratura o modo clássico de se construir narrativas no documentário, tendo em vista que o uso da entrevista e os lugares de entrevistado e entrevistador integram a gramática fílmica e o desejo de se gotejar o real. Neste caso, então, é o encontro com o arquivo que dispara o processo que se constitui como o leitmotiv do documentário. Dito isso, informamos que trabalharemos com uma epistemologia construída a partir da fricção dopensamento de George Didi-Huberman, Walter Benjamin e Jean-Louis Comolli, considerando que eles reverberam ideias e conceitos ligados à significação das imagens, o campo do documental e o fazer histórico. Do ponto de vista metodológico, nossa aproximação com o objeto de estudo irá se ancorar nos escritos de Arlette Farge e como podemos nos relacionar com os arquivos.
Bibliografia
- BENJAMIN, Walter. Crisis de la novela. Sobre “Berlín Alexanderplatz” de Döblin. 1930. Acesso em: 01/02/2018. Disponível em:
https://www.academia.edu/5019213/Walter_Benjamin_1930_Crisis_de_la_novela._Sobre_Berlín_Alexanderplatz_de_Döblin
________. O anjo da história. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012a.
________. Paralipómenos y variantes. In: Escritos franceses. Buenos Aires: Amorrortu, 2012b.
COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: a inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Cuando las imágenes tomam posición. El ojo de la historia, 1. Madrid: A. Machado Libros, 2008.
________. Pueblos expuestos, pueblos figurantes. Buenos Aires: : Manantial, 2014.
FARGE, Arlette. O sabor do arquivo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009.
_____________. Lugares para a História. São Paulo: Autêntica, 2011.