Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Francisco Alves dos Santos Junior (UFBA)

Minicurrículo

    Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas (UFBA). Integrante do Grupo de Estudos em Experiência Estética, Comunicação e Artes (GEEECA) da UFRB. Atuou como curador no CineFacom e no I Festival Tela Universitária de Cinema.

Ficha do Trabalho

Título

    Documentários de filiação: uma aproximação a Rocha que Voa

Resumo

    Partindo da definição de narrativas de filiação como um tipo de escrita no qual o autor investiga a sua condição genealógica, reinventando, assim, a sua relação com o pai, a mãe, e outras figuras parentais, nos propomos a pensar a possibilidade de definição de documentários de filiação, tomando como exemplo Rocha que Voa (2002), dirigido por Eryk Rocha e construindo em torno de Glauber Rocha, pai do realizador.

Resumo expandido

    No ensaio Bastardos e órfãos contemporâneos: a arqueologia da infância nos romances de filiação, a pesquisadora Alessandra Pajolla escreve que ao escavar e investigar as suas origens, os escritores/narradores afetados pela sua relação de ascendência e genealogia, “empreendem deslocamentos geográficos e temporais em busca de autoconhecimento e pertencimento” (PAJOLLA, 2015. p. 105). Assim como a autora, que se debruça sobre o universo literário, entendemos que os documentários que se centram em torno das experiências de vida da figura paterna – que chamamos de documentários de filiação –, seguem pelo mesmo caminho. Os realizadores que tomam o pai como objeto de narração, acionam e convocam diferentes actantes e diferentes temporalidades (passado e presente), a fim de compreender o seu lugar no mundo, já que “pai, mãe, ancestrais mais distantes, constituem os objetos de uma pesquisa da qual um dos desafios últimos seria um melhor conhecimento do narrador sobre si mesmo, através daquilo (daqueles) do qual (dos quais) ele é o herdeiro” (NORONHA, 2014, p.115). Se em algumas escritas autobiográficas os autores se propõem a realizar uma obra genealógica, revisando e revisitando a sua vida desde a infância e passando pela vida adulta, nas chamadas narrativas de filiação os autores se concentram em “momentos determinantes da existência, como a evocação de uma perda, um luto, um encontro, episódio ou fases decisivas da vida, uma separação” (NORONHA, 2014, p.115). Esse tipo de narrativa investe, portanto, melancolicamente nas origens e parentescos dos autores. Ao se centrarem em fatos singulares e particulares da vida de seus parentes, os narradores escolhem e selecionam determinados acontecimentos como disparadores das memórias e da produção de identidades.
    Partindo dessas questões, nos propomos a pensar a possibilidade de definição de documentários de filiação, tomando como exemplo Rocha que Voa (2002) de Eryk Rocha. Em uma entrevista concedida ao repórter Gustavo Ranieri, publicada no site da Revista Brasileiros, Eryk Rocha revela que a realização de Rocha que voa não se limita a uma revisão do pensamento intelectual de Glauber Rocha sobre a política e o cinema realizados na América Latina, mas que configura-se também em um gesto de inscrição genealógica, uma vez que “esse filme é uma tríplice declaração de amor: ao meu pai, à América Latina e ao cinema. E, ao mesmo tempo, a busca de quem sou eu” (RANIERI,2011). A afirmação do diretor sintetiza a busca e a interrogação do passado e da herança cultural, política e econômica do realizador, que utiliza a figura paterna como um espelho de si mesmo. A realização do documentário serviu, igualmente, de desdobramento para a descoberta de alguns fatos da vida do seu pai, que ele pouco ou nada sabia. Isso se deve à manipulação e o reemprego dos arquivos imagéticos e sonoros, assim como a presença das entrevistas com pessoas que conviveram com ele durante o seu exílio em Cuba, onde o documentário foi filmado. O encontro do realizador com os vestígios sobreviventes do seu pai, e por vezes ressignificados, permite, assim, ao diretor rememorar e fabular determinados eventos da experiência supostamente vivida por Glauber Rocha durante a sua passagem pela ilha caribenha.

Bibliografia

    DEMANZE, Laurent. Récits de filiation. Revue Acta Fabula. Paris. 2008. Disponível em: http://www.fabula.org/atelier.php?R%26eacute%3Bcits_de_filiation . Acesso em: 15 dez. 2016

    NORONHA, Jovita. Em nome do pai: La Dernière Année de Philippe Vilain. Revista ORGANON, v. 29, 2014

    PAJOLLA, Alessandra. Bastardos e órfãos contemporâneos: a arqueologia da infância nos romances de filiação. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, nº46, 2015.

    RANIERI, Gustavo. Ainda uma câmera na mão… Revista Brasileiros, São Paulo. 22/08/2011. Disponível em: http://brasileiros.com.br/2011/08/ainda-uma-camera-na-mao/. Acesso em: 10 mar. 2017.

    RASCAROLI, Laura. The personal camera: subjective cinema and the essay film. Londres: Wallflower. 2009.

    RENOV, Michael. Investigando o sujeito: uma introdução. In: MOURÃO, Maria Dora; LABAKI, Amir. O cinema do real. São Paulo. Ed. Cosac Naify, 2005