Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Carla Ludmila Maia Martins (UNA)

Minicurrículo

    Doutora em Comunicação Social pela FAFICH/UFMG, com período sanduíche em Tulane University, New Orleans/EUA, sua tese investiga o documentário brasileiro contemporâneo realizado por/com mulheres. Professora do Instituto de Comunicação e Artes do Centro Universitário UNA. Integrante da Associação Filmes de Quintal, que organiza o forumdoc.bh – Festival do Filme Documentário e Etnográfico de Belo Horizonte.

Ficha do Trabalho

Título

    Baronesa: por uma política da amizade feminina

Seminário

    Cinema brasileiro contemporâneo: política, estética, invenção

Resumo

    A proposta é compreender as estratégias estéticas e políticas agenciadas pelo filme “Baronesa”, a partir da análise de seus procedimentos formais. Menos que isolar tais procedimentos, gostaríamos de compará-los a outros já vistos no cinema brasileiro, para compreender como esse filme renova uma antiga inquietação: face à miséria e a violência do mundo, o que pode o cinema? Buscamos compreender como o filme propõe uma nova perspectiva, formada da relação entre mulheres, dos dois lados da câmera.

Resumo expandido

    Do que é feita uma casa? De um fio de luz, algumas portas, duas janelas, um kit de banheiro. Quanto custa, o que é preciso para construir um espaço que se possa chamar de casa? “3.287 reais”, contabilizam as duas amigas, Andrea e Leid, juntas num pequeno quarto. Sabemos, uma casa não se faz apenas com tijolos e cimento, construir uma casa é, acima de tudo, conquistar um espaço de segurança e de intimidade. Mas em “Baronesa”, de Juliana Antunes, é preciso começar pelos materiais – um fio de luz, algumas portas, duas janelas, um kit de banheiro – pois são eles que tornam possível a existência concreta da casa. Concebida a infra-estrutura, tudo pode derivar para o imaginário, para o sonho, e por que não, para a ficção. Este parece ser o movimento do filme: partir da concretude das coisas, do real bruto e imediato, para acessar o imaginário e o simbólico, como que tentando inventar uma resposta para essa pergunta tão crucial: como afinal, construir uma casa, conquistar a proteção necessária face à violência do mundo?
    Enquanto as duas mulheres conversam sobre os mais variados temas – amor, filhos, trabalho, futuro – a tentativa da equipe, formada também por mulheres, é de construir um espaço íntimo e seguro o suficiente para que as duas protagonistas entrem no jogo da ficção sem perder a necessária ligação com o real que dá sentido ao projeto, que o sustenta e o estrutura. Essa aproximação da equipe, que coloca em contato universos bastante distintos à frente e atrás da câmera, é cautelosa e consistente, partindo ela também dos materiais, dos elementos mínimos que permitem construir um filme: o enquadramento e o corte, os recortes necessários para modular o espaço e o tempo. Não a invasão de espaço, mas sua lenta e gradual conquista: esta parece ser a chave, a solução encontrada pela equipe para realizar a obra. Essa conquista é feita de espera, escuta e empatia – e tudo isso será solicitado ao espectador, que espere, que escute, que crie empatia com aquelas mulheres tão desprotegidas e tão corajosas.
    Notavelmente econômico, o filme faz da escassez figurada nos cômodos do pequeno barraco habitado pelas amigas um modus operandi para seus procedimentos formais. Tudo será escasso, inclusive o drama. Apesar de frágeis, expostas, e certamente ameaçadas, aquelas vidas serão contadas sem nenhum toque a mais ou a menos de apelo dramático. Nesse sentido, as protagonistas de Baronesa mantém relações de parentesco com as mulheres do Cinema Novo tais quais descritas por Glauber, aquelas que, diante da violência do mundo, buscam o amor como força de ação e transformação, menos que de complacência ou contemplação. “O Cinema Novo não fez melodramas”, explica Glauber, “as mulheres do Cinema Novo sempre foram seres em busca de uma saída possível para o amor dada a impossibilidade de amar com fome”.
    E o que fazem Andrea e Leid, qual a saída possível para elas? Mais uma vez, começam por buscar uma saída concreta: a meta de Andrea é se mudar para Baronesa, lugar idealizado em que seria possível, enfim, se sentir segura. Mas enquanto sonha com essa mudança que lhe permitiria abandonar a vida no tráfico (dado ficcional da narrativa mas que nunca se aparta do que nele há de documental, numa construção híbrida extremamente convincente), Andrea, na companhia constante de Leid, encontra outras saídas. E aqui nos afastamos do Cinema Novo, posto que a saída encontrada para o amor não se dá mais em relação aos personagens masculinos como antes com Dandara, Rosa, Sinhá Vitória ou a moça do padre: dessa vez, o amor será possível pela amizade feminina. E isso, por si só, é bastante revolucionário. “Mais forte são os poderes do povo”, já gritava Corisco. Como que oferecendo ao grito novo timbre, “Baronesa” enfim nos apresenta os poderes e a força de um universo povoado quase exclusivamente por mulheres, em que a amizade e os espaços de diálogo que a fundam e sustentam norteiam as experiências, garantindo a sobrevivência.

Bibliografia

    BITTENCOURT, Ella. Love in times of hunger: Baronesa. In: Lyssaria (revista eletrônica). Disponível em http://lyssaria.com/2018/04/26/love-in-times-of-hunger-baronesa/. Última visita em 13 de maio de 2018.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. A sobrevivência dos vagalumes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
    ROCHA, Glauber. A “Eztetyka da Fome 65” in: A revolução do Cinema Novo. São Paulo: CosacNaify, 2004, p. 63-67.