Ficha do Proponente
Proponente
- Elizabeth Maria Mendonça Real (Ancine)
Minicurrículo
- Jornalista e pesquisadora- Doutora em Comunicação (Universidade Federal Fluminense). Atualmente trabalha como Especialista em Regulação na Agência Nacional do Cinema (ANCINE)
Ficha do Trabalho
Título
- Brasil de tempos em tempos: Memórias, Tradições e Releituras
Resumo
- Este trabalho parte de “O Rei da Vela”, de José Celso Martinez Correa e Noilton Nunes. Fragmentado em uma colagem de imagens e sons, o filme provoca o espectador, apresentando-se como um painel poético que se constrói na desordem de um fluxo vertiginoso da memória. Baseando-se na montagem de uma obra que pode ser considerada um “clássico” da dramaturgia modernista, o filme nos acena com uma metodologia, uma forma de pensar a cultura brasileira e a arte em geral, que aponta em várias direções.
Resumo expandido
- Este trabalho parte do filme “O Rei da Vela”, de José Celso Martinez Correa e Noilton Nunes. O filme, de 1982, retoma a peça que estreou em 1967 em sua remontagem, no Teatro João Caetano, realizada em 1971. As datas são importantes, pois marcam momentos distintos do contexto histórico e cultural brasileiro e nos permitem situar a análise do filme a partir de perspectivas diversas.
No manifesto lançado junto à peça “O Rei da Vela”, considerada como um das manifestações artísticas detonadoras do Tropicalismo, ao lado do penetrável de Hélio Oiticica e da canção de Caetano Veloso, José Celso contrapunha a “timidez artesanal” do teatro realizado na época ao “arrojo” estético do Cinema Novo e evocava a liberdade criativa de Oswald de Andrade para estender-se em pesquisas estéticas que explodissem barreiras criativas e levassem a experimentação teatral a explorar recursos mais amplos de uma arte audiovisual.
Muitas das características das manifestações tropicalistas tomaram parte de um movimento amplo de transformações que se estabeleciam nas artes também em outros países: mescla de performance, poesia, pintura e teatro; indistinção das fronteiras entre ficção e documentário, incorporação do processo de criação no filme; valorização da participação coletiva; estabelecimento de uma outra relação do espectador com o trabalho de arte, abandonando de vez a noção de obra acabada ou de obra-prima.
No início dos anos 1980, período de transição, o sentimento é de perplexidade diante das transformações por que passava o país em meio às expectativas com a abertura política que ainda se delineava. Em um texto escrito em 1981, Heloísa Buarque de Hollanda descreve o que vislumbrava naquele momento como sinais que apontavam para a definição de um projeto cultural para a década, detectando como possíveis tendências, dentre outras, dois aspectos que destacamos aqui: a releitura dos clássicos e o diálogo com grupos diversificados.
A antropofagia oswaldiana configura-se hoje como um marco na cultura brasileira, retomado sempre que se procura pensar as relações do país com um “outro”, seja ele ameaçador ou desejado. “O Rei da Vela” é um clássico de nossa dramaturgia e a antropofagia, uma tradição de leitura a partir da qual se tenta compreender a formação de nossa identidade. O papel da “tradição” no mundo contemporâneo ultrapassa o objetivo de transformá-la em “patrimônio”, monumento a ser conservado e congelado como representante de um tempo passado.
A antropofagia oswaldiana inspirou toda essa transformação surgida de um movimento de vanguarda que radicalizou a experiência dos modernistas no final da década de 1920. Naquele momento em que se desejava criar uma identidade brasileira, tornava-se urgente romper com parâmetros artísticos e culturais vigentes, ligados à estética do bom-gosto e do fabricado refinamento cultural. Assumindo o ponto de vista colonizado, a antropofagia assumia-se como negação da imposição de se assumir uma identidade brasileira forjada de cima para baixo, alheia às manifestações de sua própria diversidade.
Buscando e transformando as tradições, o filme “O Rei da Vela” propõe uma metodologia, uma forma de pensar sobre a cultura brasileira que aponta em várias direções. O tom desse filme, saturado de elementos visuais e sonoros, varia do humor sarcástico ao riso mais safado da chanchada, da poesia cotidiana dos filmes de família à seriedade das passeatas dos trabalhadores e da marcha dos conservadores pela família. O filme não se detém apenas na obra adaptada, no caso o texto dramático de Oswald de Andrade, mas mergulha na própria história do grupo Oficina, na trajetória de José Celso, no processo de produção do filme. Fragmentado em uma colagem de imagens e sons que provoca o espectador, explode em muitas direções, como um painel poético que se constrói na desordem de um fluxo vertiginoso da memória.
Bibliografia
- ANDRADE, Oswald de. A utopia antropofágica. São Paulo: Editora Globo, 1990.
___________ Pau brasil. São Paulo: Globo, 2011. (Obras completas de Oswald de Andrade)
___________ O rei da vela. São Paulo: Globo, 2003 (Obras completas de Oswald de Andrade).
ÁVILA, Afonso. (Org). O modernismo. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002. 2ª edição. Coleção Stylus. Dirigida por J. Guinsburg.
BASUALDO, Carlos. Tropicália. A revolution in Brazilian culture. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
GASPARI, Elio; HOLLANDA, Heloísa Buarque e VENTURA, Zuenir. Cultura em trânsito. 70/80. Rio: Aeroplano, 2000.
SILVA, Armando Sérgio da. Oficina: do teatro ao te-ato. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2008. (Coleção Debates, 175; dirigida por J. Guinsburg).
VELLOSO, Monica Pimenta. História e Modernismo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. (Coleção História & … Reflexões)