Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Luiza Cristina Lusvarghi (ESPM-USP)

Minicurrículo

    Pesquisadora de Cinema e Audiovisual, coordenadora do GP Cinema da Intercom e do GI de Cinema e Audiovisual da Alaic. Trabalha com análise dos processos de convergência entre Cinema e Televisão, Gêneros Ficcionais e Transnacionalização. É autora de De MTV a Emetevê (Editora de Cultura, 2007), Cinema Nacional e World Cinema (Edições Muiraquitã, 2010), colaboradora de publicações nacionais e internacionais. Desenvolve projeto de Pos-Doc sobre a Netflix na ESPM São Paulo.

Ficha do Trabalho

Título

    Eu tô bandida: protagonismo feminino no audiovisual latino-americano

Seminário

    Audiovisual e América Latina: estudos estético-historiográficos comparados

Resumo

    Esta comunicação pretende analisar o protagonismo feminino e as relações de gênero efetuado a partir de um estudo sobre cinema e séries latino-americanas criminais. O justiceiro é sem dúvida um desdobramento perigoso e bastante associado à ideia de bandido social, explorada por Hobsbawn (2015). Bandidas por acaso, as protagonistas femininas nas narrativas criminais latino-americanas no cinema e na televisão alimentam o conceito de marginal romântico, presente no imaginário narco e no cangaço.

Resumo expandido

    Essa comunicação surge de um recorte sobre o protagonismo feminino e as relações de gênero efetuado a partir de um estudo sobre as séries latino-americanas criminais, em que foram catalogadas representações de mulheres no papel principal dentre 331 obras. As obras policiais e de suspense se apoiavam claramente no modelo estadunidense de mulher fatal, que era também o modelo dos filmes noir dos EUA. O ciclo noir é a principal vertente de narrativa criminal do cinema que vai contribuir pra assinalar em cena a entrada de um novo tipo de mulher-protagonista, como apontou Sylvia Harvey em seu ensaio pioneiro sobre o tema (1978). Essa influência se faria sentir também em obras ficcionais televisivas. A femme fatale do noir representava a mulher sedutora e perigosa, e para a new left, a ganância do capitalismo (Krutnik, 1991).
    Para Jameson (2016) a mulher moderna estaria representada de forma mais diversificada nessas obras. Na obra de Raymond Chandler surgem diferentes tipos de homens (o rico, o proletário), e também de mulheres, que ele classifica como arquétipos “inconscientes” tais como the belle dame san merci or the woman pal and likeable but non sexual-detective . Ao comparar o livro de Chandler com o filme de Altman, The Long Goodbye (1973), no entanto, ele encontra novas possibilidades. Surge a mulher fatal que Jameson (2016, p.855) denomina de vamp-murderess, ao lado da pal (colega), da profissional e da mousy girl (a mulher mignon, tipo boneca), que pode ser provinciana ou tímida. Jameson atribui o surgimento destas personagens associadas ao mateship (companheirismo), mas também à postura de medo diante da nova mulher, algo como uma reação retrógrada (backlash).
    É possível estabelecer um comparativo entre a femme fatale clássica com personagens das narrativas criminais latino-americanas como Rosario Tijeras, na série (2010) e filme (2005) homônimos, vivida por Flora Martinez, mas também com as detetives e investigadoras duronas vividas por Marina Segal, de Epitáfios, Diana Ramírez, da série peruana Ramírez (2015), e a justiceira Emília Urquiza de Ingobernable.
    O que vai permear a representação dessas mulheres dentro do imaginário cultural latino-americano é exatamente a mesma estrutura de sentimento que possibilita transformar Lampião em herói contestador, o mito do marginal romântico, do Robin Hood que roupa para distribuir aos pobres, e que se insurge contra o poder instituído que discrimina os pobres e oprimidos. O justiceiro é sem dúvida um desdobramento perigoso e bastante associado à ideia de bandido social, explorada por Hobsbawn (2015).
    Nos bandos organizados, eram poucos os casos de mulheres, cangaceiras e/ou bandoleiras, caso de Maria Bonita. Duas irmãs, série e filme, são exemplos bons ficcionais de como isso ocorria. Da mesma forma, a Rainha do Sul vai mostrar o lado feminino do tráfico. Mas há um tipo de personagem mais recente e baseada na realidade que podemos vislumbrar em La Nina, a série colombiana. Nela, uma jovem que foi sequestrada quando criança se converte em guerrilheira das Farc, mas acaba se desvencilhando do grupo e participando de um programa de reabilitação do governo. O banditismo é um ritual de passagem por meio do qual o excluído pode se afirmar.
    As protagonistas femininas nas narrativas criminais latino-americanas no cinema e na televisão alimentam o conceito de marginal romântico. Em narrativas recentes, como as séries de temática narco, são “bandidas por acaso” como Teresa em La Reina del Sur, e Rosario Tijeras, filme e série, mas também anti-heroínas como a policial durona como Marina Segal em Epitáfios, com ligações profundas com o mundo do crime. O cinema sobre o narcotráfico reproduz relações de poder. No entanto, deixa claro que as instituições sociais estão completamente falidas, e que, portanto, há um deslocamento dentro das funções sociais, que atinge as relações de gênero (MERCADER, 2012, p. 234).

Bibliografia

    HARVEY, Sylvia (1980). The Absent Family of Film Noir in Women in Film Noir, KAPLAN, E.Ann ev. ed.; London: British Film Institute.
    HOBSBAWN, Eric (2015). Bandidos. Tradução Donald M. Garschagen. São Paulo, Rio de Janeiro. Editora Paz e Terra.
    KRUTNIK, Frank (1991). In a lonely street: film noir, genre and masculinity. New York: Routledge.
    LUSVARGHI, Luiza (2018). A Lei e a Nova Ordem: Narrativas Criminais da Ficção Audiovisual da América Latina. Curitiba: Editora Appris (no prelo).
    MERCADER, Yolanda. Imágenes femeninas en el cine mexicano de narcotráfico. Tramas 36, Uam-X: México, 2012, p. 209-237. Acesso em 30/10/2017 http://132.248.9.34/hevila/TramasMexicoDF/2012/no36/8.pdf
    LEBOEUF, Gabrielle Pannetier. El cuerpo de la mujer en el narcocine cinemexicano. http://hispanophone.ca/2016/04/08/cine-mexicano-y-narcoviolencia-patriarcal-los-casos-de-miss-bala-y-el-otro-sueno-americano/ Acesso em 30/10/2017