Ficha do Proponente
Proponente
- Luiza Cristina Lusvarghi (ESPM-USP)
Minicurrículo
- Pesquisadora de Cinema e Audiovisual, coordenadora do GP Cinema da Intercom e do GI de Cinema e Audiovisual da Alaic. Trabalha com análise dos processos de convergência entre Cinema e Televisão, Gêneros Ficcionais e Transnacionalização. É autora de De MTV a Emetevê (Editora de Cultura, 2007), Cinema Nacional e World Cinema (Edições Muiraquitã, 2010), colaboradora de publicações nacionais e internacionais. Desenvolve projeto de Pos-Doc sobre a Netflix na ESPM São Paulo.
Ficha do Trabalho
Título
- Eu tô bandida: protagonismo feminino no audiovisual latino-americano
Seminário
- Audiovisual e América Latina: estudos estético-historiográficos comparados
Resumo
- Esta comunicação pretende analisar o protagonismo feminino e as relações de gênero efetuado a partir de um estudo sobre cinema e séries latino-americanas criminais. O justiceiro é sem dúvida um desdobramento perigoso e bastante associado à ideia de bandido social, explorada por Hobsbawn (2015). Bandidas por acaso, as protagonistas femininas nas narrativas criminais latino-americanas no cinema e na televisão alimentam o conceito de marginal romântico, presente no imaginário narco e no cangaço.
Resumo expandido
- Essa comunicação surge de um recorte sobre o protagonismo feminino e as relações de gênero efetuado a partir de um estudo sobre as séries latino-americanas criminais, em que foram catalogadas representações de mulheres no papel principal dentre 331 obras. As obras policiais e de suspense se apoiavam claramente no modelo estadunidense de mulher fatal, que era também o modelo dos filmes noir dos EUA. O ciclo noir é a principal vertente de narrativa criminal do cinema que vai contribuir pra assinalar em cena a entrada de um novo tipo de mulher-protagonista, como apontou Sylvia Harvey em seu ensaio pioneiro sobre o tema (1978). Essa influência se faria sentir também em obras ficcionais televisivas. A femme fatale do noir representava a mulher sedutora e perigosa, e para a new left, a ganância do capitalismo (Krutnik, 1991).
Para Jameson (2016) a mulher moderna estaria representada de forma mais diversificada nessas obras. Na obra de Raymond Chandler surgem diferentes tipos de homens (o rico, o proletário), e também de mulheres, que ele classifica como arquétipos “inconscientes” tais como the belle dame san merci or the woman pal and likeable but non sexual-detective . Ao comparar o livro de Chandler com o filme de Altman, The Long Goodbye (1973), no entanto, ele encontra novas possibilidades. Surge a mulher fatal que Jameson (2016, p.855) denomina de vamp-murderess, ao lado da pal (colega), da profissional e da mousy girl (a mulher mignon, tipo boneca), que pode ser provinciana ou tímida. Jameson atribui o surgimento destas personagens associadas ao mateship (companheirismo), mas também à postura de medo diante da nova mulher, algo como uma reação retrógrada (backlash).
É possível estabelecer um comparativo entre a femme fatale clássica com personagens das narrativas criminais latino-americanas como Rosario Tijeras, na série (2010) e filme (2005) homônimos, vivida por Flora Martinez, mas também com as detetives e investigadoras duronas vividas por Marina Segal, de Epitáfios, Diana Ramírez, da série peruana Ramírez (2015), e a justiceira Emília Urquiza de Ingobernable.
O que vai permear a representação dessas mulheres dentro do imaginário cultural latino-americano é exatamente a mesma estrutura de sentimento que possibilita transformar Lampião em herói contestador, o mito do marginal romântico, do Robin Hood que roupa para distribuir aos pobres, e que se insurge contra o poder instituído que discrimina os pobres e oprimidos. O justiceiro é sem dúvida um desdobramento perigoso e bastante associado à ideia de bandido social, explorada por Hobsbawn (2015).
Nos bandos organizados, eram poucos os casos de mulheres, cangaceiras e/ou bandoleiras, caso de Maria Bonita. Duas irmãs, série e filme, são exemplos bons ficcionais de como isso ocorria. Da mesma forma, a Rainha do Sul vai mostrar o lado feminino do tráfico. Mas há um tipo de personagem mais recente e baseada na realidade que podemos vislumbrar em La Nina, a série colombiana. Nela, uma jovem que foi sequestrada quando criança se converte em guerrilheira das Farc, mas acaba se desvencilhando do grupo e participando de um programa de reabilitação do governo. O banditismo é um ritual de passagem por meio do qual o excluído pode se afirmar.
As protagonistas femininas nas narrativas criminais latino-americanas no cinema e na televisão alimentam o conceito de marginal romântico. Em narrativas recentes, como as séries de temática narco, são “bandidas por acaso” como Teresa em La Reina del Sur, e Rosario Tijeras, filme e série, mas também anti-heroínas como a policial durona como Marina Segal em Epitáfios, com ligações profundas com o mundo do crime. O cinema sobre o narcotráfico reproduz relações de poder. No entanto, deixa claro que as instituições sociais estão completamente falidas, e que, portanto, há um deslocamento dentro das funções sociais, que atinge as relações de gênero (MERCADER, 2012, p. 234).
Bibliografia
- HARVEY, Sylvia (1980). The Absent Family of Film Noir in Women in Film Noir, KAPLAN, E.Ann ev. ed.; London: British Film Institute.
HOBSBAWN, Eric (2015). Bandidos. Tradução Donald M. Garschagen. São Paulo, Rio de Janeiro. Editora Paz e Terra.
KRUTNIK, Frank (1991). In a lonely street: film noir, genre and masculinity. New York: Routledge.
LUSVARGHI, Luiza (2018). A Lei e a Nova Ordem: Narrativas Criminais da Ficção Audiovisual da América Latina. Curitiba: Editora Appris (no prelo).
MERCADER, Yolanda. Imágenes femeninas en el cine mexicano de narcotráfico. Tramas 36, Uam-X: México, 2012, p. 209-237. Acesso em 30/10/2017 http://132.248.9.34/hevila/TramasMexicoDF/2012/no36/8.pdf
LEBOEUF, Gabrielle Pannetier. El cuerpo de la mujer en el narcocine cinemexicano. http://hispanophone.ca/2016/04/08/cine-mexicano-y-narcoviolencia-patriarcal-los-casos-de-miss-bala-y-el-otro-sueno-americano/ Acesso em 30/10/2017