Ficha do Proponente
Proponente
- Raul Lemos Arthuso (USP)
Minicurrículo
- Doutorando em Teoria, História e Crítica pela Universidade de São Paulo, é crítico de cinema, pesquisador, diretor, roteirista e editor de som. É editor da revista Cinética, onde escreve desde 2011. Já teve textos publicados em diversas revistas e catálogos de festivais e mostras de cinema. Realizou os curtas-metragens Mamilos (2009), O Pai Daquele Menino (2011), Master Blaster, uma Aventura de Hans Lucas na Nebulosa 2907N (2013) e À Parte do Inferno (2015).
Ficha do Trabalho
Título
- A nação partida: desenvolvimento e cosmopolitismo
Seminário
- Cinema brasileiro contemporâneo: política, estética, invenção
Resumo
- A partir do cotejo das obras Brasil S/A (Marcelo Pedroso, 2014) e Copa de Elite (Vitor Brandt, 2014), o presente trabalho ensaia um olhar para o retrato da nação realizado pelos filmes, apontando caminhos para o modo como as fraturas da sociedade brasileira foram abordadas no cinema brasileiro contemporâneo, tanto em sua vertente mais autoral quanto no campo do cinema comercial.
Resumo expandido
- Na presente década, ocorreu uma irrupção de fraturas históricas da sociedade brasileira. Ficou evidente que as injustiças sociais de profundas raízes na formação da nação não foram superadas e que, por outro lado, o combate as desigualdades promovido desde 2002 reconfigurou o que entendemos como a nação Brasil. Não só houve uma expansão do mercado consumidor interno como o país deixou de ser um coadjuvante na política externa e passou a global player no concerto das nações (Ab’Sáber, 2011). Participamos das grandes decisões mundiais, criamos um bloco político alternativo, passamos de devedores a credores na economia internacional, ganhamos o direito de sediar os dois maiores eventos esportivos do planeta, nosso presidente era “o cara”… Se a primeira década dos anos 2000 foi marcada por uma euforia de consumismo pop e cosmopolita, esta segunda década marca a dissolução deste projeto de nação.
A partir do cotejo dos filmes “Brasil S/A” (Marcelo Pedroso, 2014) e “Copa de Elite” (Vitor Brandt, 2014), o presente trabalho ensaia apontar como, de modos diferentes, ambos os filmes dialogam com esse momento de ruptura na história da nação.
“Brasil S/A” faz um retrato de um país desenvolvimentista, marchando a passos largo rumo à colonização de Marte. O filme cria um painel onde o futuro parece ter se tornado presente, utilizando uma estética plastificada que retoma modulações e tonalidades do filme institucional e da publicidade, aparentemente desencaixadas com o conteúdo ácido das cenas. O silêncio das pessoas – nenhum palavra é dita pela personagens – e a ausência do círculo azul da bandeira brasileira, marcam um descompasso que a própria forma fragmentária da obra potencializa. A nação progride, mas está desconjuntada. As cores intensas contrastam com as roupas brancas e assépticas da população de classe média. O ritmo desenfreado se choca com o silêncio. O título remete a esse país fatiado em anônimos, transformado em empresa onde qualquer um (com grana) pode tirar sua parte. “Brasil S/A” retoma o gesto alegórico do cinema moderno brasileiro, utilizando a colagem, a fragmentação e o choque de signos imprevistos que dialogam com o destino nacional. Porém, ao invés de uma “modernização conservadora” (Xavier, 1993), o filme de Pedroso retrata um “reformismo fraco” (Singer, 2012), baseado no consumo cosmopolita, um desenvolvimentismo contemporâneo rentista (como indica o S/A do título) e uma vida social que busca evitar o confronto com a realidade histórica de subdesenvolvimento e desigualdades.
Já “Copa de Elite” faz uma paródia dos filmes brasileiros dos anos 2000, através de uma trama que insere ações de um excêntrico comandante do BOPE durante a Copa do Mundo no Brasil. Principalmente, há o dado curioso da paródia: se na chanchada dos anos 1940 e 50, o gesto paródico lidava criativamente com a defasagem em relação ao modelo de cinema industrial, em Copa de Elite a cultura nacional se basta como caldo pop a ser motivo de escárnio. Há algo novo aqui apontado: parte da cinematografia brasileira contemporânea se empenhou em diversas frentes – as biografias musicais, as comédias de costumes, o filme de ação – na constituição de uma cultura pop de símbolos nacionais, não mais importando signos do cinema hollywoodiano, mas “adequando” as figuras locais a um ritual pop mundializado (“Cidade de Deus” e “Tropa de Elite” são os exemplos mais bem sucedidos). Uma nação cosmopolita, autossuficiente, pop, integrada. Nada mais distante da alegoria de “Brasil Ano 2000”, de Walter Lima Júnior. A paródia de “Copa de Elite” expõe esse novo ufanismo: o Brasil é o mundo, onde a Copa, o Papa, o ator oscarizado e os gringos perdidos se (des)encontram nessa grande festa (inter)nacional. O filme mostra a Copa do Mundo como um carnaval, expurgo de uma nação que apostou todas as suas fichas em se tornar um global player.
Bibliografia
- AB’SABER, Tales. Lulismo, carisma pop e cultura anticrítica. São Paulo: Hedra, 2011.
DUNKER, Christian Ingo Lenz. Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. São Paulo: Boitempo, 2015.
GOMES, Paulo Emílio Salles. “Cinema: trajetória no subdesenvolvimento”. in: Uma situação colonial?. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. p. 186-205. [1973]
SINGER, André. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
STAM, Robert. O espetáculo interrompido: literatura e cinema de desmistificação. São Paulo: Paz e Terra, 1981.
XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal. São Paulo: Cosac Naify, 2012. [1993]