Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Raul Lemos Arthuso (USP)

Minicurrículo

    Doutorando em Teoria, História e Crítica pela Universidade de São Paulo, é crítico de cinema, pesquisador, diretor, roteirista e editor de som. É editor da revista Cinética, onde escreve desde 2011. Já teve textos publicados em diversas revistas e catálogos de festivais e mostras de cinema. Realizou os curtas-metragens Mamilos (2009), O Pai Daquele Menino (2011), Master Blaster, uma Aventura de Hans Lucas na Nebulosa 2907N (2013) e À Parte do Inferno (2015).

Ficha do Trabalho

Título

    A nação partida: desenvolvimento e cosmopolitismo

Seminário

    Cinema brasileiro contemporâneo: política, estética, invenção

Resumo

    A partir do cotejo das obras Brasil S/A (Marcelo Pedroso, 2014) e Copa de Elite (Vitor Brandt, 2014), o presente trabalho ensaia um olhar para o retrato da nação realizado pelos filmes, apontando caminhos para o modo como as fraturas da sociedade brasileira foram abordadas no cinema brasileiro contemporâneo, tanto em sua vertente mais autoral quanto no campo do cinema comercial.

Resumo expandido

    Na presente década, ocorreu uma irrupção de fraturas históricas da sociedade brasileira. Ficou evidente que as injustiças sociais de profundas raízes na formação da nação não foram superadas e que, por outro lado, o combate as desigualdades promovido desde 2002 reconfigurou o que entendemos como a nação Brasil. Não só houve uma expansão do mercado consumidor interno como o país deixou de ser um coadjuvante na política externa e passou a global player no concerto das nações (Ab’Sáber, 2011). Participamos das grandes decisões mundiais, criamos um bloco político alternativo, passamos de devedores a credores na economia internacional, ganhamos o direito de sediar os dois maiores eventos esportivos do planeta, nosso presidente era “o cara”… Se a primeira década dos anos 2000 foi marcada por uma euforia de consumismo pop e cosmopolita, esta segunda década marca a dissolução deste projeto de nação.

    A partir do cotejo dos filmes “Brasil S/A” (Marcelo Pedroso, 2014) e “Copa de Elite” (Vitor Brandt, 2014), o presente trabalho ensaia apontar como, de modos diferentes, ambos os filmes dialogam com esse momento de ruptura na história da nação.

    “Brasil S/A” faz um retrato de um país desenvolvimentista, marchando a passos largo rumo à colonização de Marte. O filme cria um painel onde o futuro parece ter se tornado presente, utilizando uma estética plastificada que retoma modulações e tonalidades do filme institucional e da publicidade, aparentemente desencaixadas com o conteúdo ácido das cenas. O silêncio das pessoas – nenhum palavra é dita pela personagens – e a ausência do círculo azul da bandeira brasileira, marcam um descompasso que a própria forma fragmentária da obra potencializa. A nação progride, mas está desconjuntada. As cores intensas contrastam com as roupas brancas e assépticas da população de classe média. O ritmo desenfreado se choca com o silêncio. O título remete a esse país fatiado em anônimos, transformado em empresa onde qualquer um (com grana) pode tirar sua parte. “Brasil S/A” retoma o gesto alegórico do cinema moderno brasileiro, utilizando a colagem, a fragmentação e o choque de signos imprevistos que dialogam com o destino nacional. Porém, ao invés de uma “modernização conservadora” (Xavier, 1993), o filme de Pedroso retrata um “reformismo fraco” (Singer, 2012), baseado no consumo cosmopolita, um desenvolvimentismo contemporâneo rentista (como indica o S/A do título) e uma vida social que busca evitar o confronto com a realidade histórica de subdesenvolvimento e desigualdades.

    Já “Copa de Elite” faz uma paródia dos filmes brasileiros dos anos 2000, através de uma trama que insere ações de um excêntrico comandante do BOPE durante a Copa do Mundo no Brasil. Principalmente, há o dado curioso da paródia: se na chanchada dos anos 1940 e 50, o gesto paródico lidava criativamente com a defasagem em relação ao modelo de cinema industrial, em Copa de Elite a cultura nacional se basta como caldo pop a ser motivo de escárnio. Há algo novo aqui apontado: parte da cinematografia brasileira contemporânea se empenhou em diversas frentes – as biografias musicais, as comédias de costumes, o filme de ação – na constituição de uma cultura pop de símbolos nacionais, não mais importando signos do cinema hollywoodiano, mas “adequando” as figuras locais a um ritual pop mundializado (“Cidade de Deus” e “Tropa de Elite” são os exemplos mais bem sucedidos). Uma nação cosmopolita, autossuficiente, pop, integrada. Nada mais distante da alegoria de “Brasil Ano 2000”, de Walter Lima Júnior. A paródia de “Copa de Elite” expõe esse novo ufanismo: o Brasil é o mundo, onde a Copa, o Papa, o ator oscarizado e os gringos perdidos se (des)encontram nessa grande festa (inter)nacional. O filme mostra a Copa do Mundo como um carnaval, expurgo de uma nação que apostou todas as suas fichas em se tornar um global player.

Bibliografia

    AB’SABER, Tales. Lulismo, carisma pop e cultura anticrítica. São Paulo: Hedra, 2011.

    DUNKER, Christian Ingo Lenz. Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. São Paulo: Boitempo, 2015.

    GOMES, Paulo Emílio Salles. “Cinema: trajetória no subdesenvolvimento”. in: Uma situação colonial?. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. p. 186-205. [1973]

    SINGER, André. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

    STAM, Robert. O espetáculo interrompido: literatura e cinema de desmistificação. São Paulo: Paz e Terra, 1981.

    XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal. São Paulo: Cosac Naify, 2012. [1993]