Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    FABIO RADDI UCHOA (UTP)

Minicurrículo

    Fabio Raddi Uchoa é Professor Adjunto da Universidade Tuiuti do Paraná (PPGCom/UTP), tendo também lecionado na Unespar, na UFSCar e na PUC/SP. É doutor em Cinema pela Universidade de São Paulo e pós-doutor em Imagem e Som pela UFSCar, com pesquisas envolvendo especialmente o cinema moderno, o cinema marginal e a obra de Ozualdo Candeias. Ao longo dos anos 2000, foi pesquisador da Cinemateca Brasileira. Atualmente, é coordenador do grupo de pesquisas Cine&Arte (CNPQ).

Ficha do Trabalho

Título

    Juventude e cotidiano em “O levante da juventude – maio 1968”

Resumo

    Além de aproximar “O levante da juventude – maio 1968”, de Maurice Lemaître, em relação às tendências narrativas do cinema letrista, objetivo dessa comunicação é debater a sua releitura dos eventos de 1968. Isso abrange duas linhas de questionamento: a) a construção da juventude enquanto classe social externa, identificando influências das ideias de Isidore Isou ([1949]); e b) os contatos com uma crítica da vida cotidiana, que toma a cotidianidade como espaço de transformação (LEFEBVRE, 1947).

Resumo expandido

    “O levante da juventude – maio 1968”, de Lemaître, é um curta-metragem constituído por um grupo fragmentar de imagens, incluindo extratos de noticiários, documentários científicos e imagens cotidianas de artistas letristas, associados a uma voz over que narra os acontecimentos de 1968. Em sua composição formal, tendendo a um conjunto de imagens que gravitam em torno de uma emissão vocal central, esse filme dialoga com obras anteriores da cinematografia letrista e, em particular, de Lemaître. Entre outros elementos, também debatidos por Devaux (1992) acerca do cinema letrista, “O levante…” compartilha a ênfase às descontinuidades entre imagens e sons, a presença central da voz over, bem como as intervenções diretas sobre a emulsão, com pinceladas e ranhuras, que atentam para a interdisciplinaridade dos artistas letristas, unindo poesia, cinema, pintura e outras artes. Para além do diálogo formal com tais tendências, “O levante…” suscita duas ordens de comentários – quanto à construção da juventude e da vida cotidiana – cujo debate colabora para definir seu posicionamento em relação ao maio de 1968.
    Primeiramente, via voz over, há um relato dos acontecimentos políticos de 1968 na França, sucedido por posicionamentos sobre a situação dos jovens, em termos de existência social e econômica. A sua definição como uma classe externa, empenhando o que Isidore Isou denominou como externalidade, sugere contatos com Le soulèvement de la jeunesse 1: Le problème (ISOU, [1949]), livro com o qual o filme estabelece uma relação de retomada audiovisual. Na obra de Isou, os indivíduos externos à economia seriam os não integrados, em termos de força de trabalho e de aceitação do local social a eles atribuído. Já a noção de externalidade, mais ampla, incluiria a contraposição às disciplinas e campos de conhecimento constituídos. No filme, tais ideias serão revisitadas, a partir da construção de um mundo cindido, entre os acontecimentos de maio de 1968 e as poesias letristas do final da década ade 1940. Incorporadas pela voz over e dispostas sobre diversos extratos visuais e sonoros, as ideias sobre a juventude constituirão uma apropriação letrista, na qual 1968 aparece como consolidação profética das agitações letristas e da teoria de Isou sobre a juventude.
    Numa segunda ordem de comentários, trata-se de identificar, em “O levante…”, o debate da vida cotidiana como espaço de combate e transformação. Isso diz respeito às ações e atmosferas, que incluem a potência lírica das perambulações de Lemaître por Paris, a urgência dos registros de barricadas com manifestantes em confronto com a polícia, ou ainda, a criatividade de registros familiares, com crianças que ludicamente recriam espaços associados ao poder. Acredita-se que, em suas construções e escolhas, a criação audiovisual pode remeter-se ao debate de uma crítica da vida cotidiana. Trata-se de um campo conceitual, em pauta desde os anos 1940, que seria retomado nos anos 1960, por autores como Henri Lefebvre. A defesa do cotidiano como espaço limítrofe, entre a existência objetiva e o desejo, local de realização de necessidades radicais de humanização, tal como interpretado por Lefebvre em Critique de la vie quotidienne I (1947), traz aportes para pensar O levante… No caso do filme, através de um emaranhado de imagens com referências ao cotidiano, não apenas o espaço diegético dos fatos, mas também o próprio ato de construção das imagens e sons, incluindo um desejo profético da voz over, parecem referir-se a uma dimensão do cotidiano como transformação.
    A comunicação aqui proposta, portanto, tem por objeto o curta “O levante…”. O mesmo será examinado em seus contatos com o cinema letrista e indagado a partir de duas linhas de questionamento: por um lado, a construção da juventude, sob os ecos das ideias de Isou; e, por ouro, os possíveis contatos com uma crítica da vida cotidiana, que toma a cotidianidade como espaço limítrofe de transformação.

Bibliografia

    DEBORD, Guy. Potlatch (1954-1957). Paris: Gallimard, 1996.
    DEVAUX, Frederique. Le cinema lettriste (1951-1991). Paris: Ed. Paris Experimental, 1992.
    ISOU, Isidore. Esthetique du cinema. Paris: Centre de créativité, 1983. [1952] ______. Le soulèvement de la jeunesse 1: Le problème. [Paris]: Centre international de création kladologique, 1977. [1949] LEFEBVRE, Henri. Critique de la vie quotidienne I. Paris: Bernard Grasset, 1947.
    LEMAÎTRE, Maurice. Qu’est-ce que le Lettrisme? Paris: Ed. Fischbacher, 1954.
    UCHOA, Fabio. “Cinzelamento: da teoria letrista à prática cinematográfica de Maurice Lemaitre, o caso O filme já começou?”. Rebeca, Edição Impressa, v. 1, 2017, p. 93-121.