Ficha do Proponente
Proponente
- Daniela Moreira de Faria de Oliveira Rosa (UFRJ)
Minicurrículo
- Daniela M. F. O. Rosa é formada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com habilitação em Radialismo. Realizou programa de intercâmbio acadêmico na graduação de História da Arte na Universidad Autónoma de Madrid (UAM) em 2014. Atualmente é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e desenvolve pesquisa sobre os deslocamentos do dispositivo cinema e temporalidades alternativas da imagem.
Ficha do Trabalho
Título
- Là-bas: a performance da voz como expressão do Acontecimento
Resumo
- Este trabalho é uma reflexão sobre as singularidades do filme Là-bas (“Lá”, 2006, Chantal Akerman) a partir da relação com o conceito de “Acontecimento”, de Gilles Deleuze, e devir feminino. O privilégio da fala em Là-bas nos afasta de uma representação habitual e expressa outros sentidos para além de sua materialidade, produzidos pela voz de Chantal Akerman e suas proposições. Pode-se pensar em um “devir feminino”, no qual a potência de criação reside no indeterminado.
Resumo expandido
- Conceber o dispositivo do cinema de Chantal Akerman como expressão dos acontecimentos que narra Là-bas, no sentido de “Acontecimento” que descreve Gilles Deleuze, possibilitaria a experiência com suas singularidades estéticas como uma reconfiguração da percepção do espectador. Atravessados por um tempo contaminado entre passado-presente-futuro, sem distinção de memórias pessoais e coletivas, experimenta-se o “algo a mais” dos acontecimentos que não se dá em sua efetuação no presente e na ação dos corpos, mas que insiste nesses corpos através de seus efeitos visuais, sonoros e de proposição (DELEUZE, 2015).
A potência do feminino como capaz de produzir o sentido imaterial próprio aos acontecimentos já havia sido sugerida por Deleuze em “A Lógica do Sentido” (DELEUZE, 2015: 24). Em Là-bas, assim como em outras produções de Chantal Akerman, além da forte presença física feminina através da performance de suas personagens principais, há um devir feminino no sentido da potência de criação que há no não-pertencimento ao modelo fixado, atribuído ao masculino e às formas majoritárias (DELEUZE, 1992: 214). Em seu devir feminino, Akerman se desloca de um regime representativo e se permite o lugar da dúvida e do paradoxo.
A memória na produção de Chantal Akerman (1950-2015) é, a um só tempo, reminiscência e esquecimento, é a expressão de passados violentos e a recusa de assumir um modelo da representação. O aspecto bibliográfico de sua obra é construído numa zona de indiscernimento entre memórias pessoais e coletivas. Filha de uma família judia polonesa, Akerman carregou em sua produção a insistência de vestígios incontornáveis da guerra e do Holocausto.
Là-bas (“Lá”, 2006) dá continuidade a um percurso da memória que narra a impossibilidade de se representar um passado lacunar e violento. O esvaziamento da ação e da própria visibilidade em Là-bas atribui ao filme um aspecto de “autorretrato sonoro” (LEANDRO, 2010: 108). Como contraste aos planos estáticos e com pouca variação que nos mostram, do interior de um apartamento escuro que a artista habita na ocasião de uma viagem à Israel, atividades diárias banais dos vizinhos no edifício em frente, o filme é povoado pela voz de Akerman, que realiza uma narrativa alternada entre memórias familiares, seus dias em Tel-Aviv, conversas ao telefone e o silêncio. Entretanto, nessas narrativas, nada ou ninguém é afirmado ao ponto de ser fixado: o filme se constrói sobre a dúvida, as múltiplas possibilidades de passado e futuro, a identidade indeterminada.
A corporeidade característica de outros trabalhos da artista (MARGULIES, 1996), em Là-bas, é assumida pela performance da voz. Há um desdobramento da camada material do filme por sua homogeneidade monótona, no qual pode-se apreender um sentido imaterial que se produz na fragilidade da rouquidão da voz de Chantal Akerman e em suas proposições norteadas pela incerteza.
Sob essa perspectiva, os efeitos produzidos através da voz no filme transportariam em si o sentido próprio daqueles acontecimentos que Akerman narra, que desabam os limites de sua identidade para a produção de uma subjetividade móvel e atravessada pela coletividade de passados violentos. É nesse dilaceramento da identidade que se produz toda a potência do indeterminado, do paradoxal e de novos possíveis.
Bibliografia
- MARGULIES, Ivone. Nada Acontece: o cotidiano hiper-realista de Chantal Akerman. 1º. ed. Durhan e Londres: Duke University Press, 1996
CARVALHO, Victa de. Dispositivos em evidência na arte contemporânea. Concinnitas, Rio de Janeiro, v. 1, n. 4, p. 27-33, Jun. 2009.
LEANDRO, Anita. Cartografias do êxodo. Devires, Belo Horizonte, v. 7, n. 1, p. 94-111, Jan./Jun. 2010
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Maio de 68 não ocorreu. Trágica: estudos de filosofia da imanência, Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, 1º quadrimestre de 2015.
DELEUZE, Gilles. O que é o dispositivo? in O Mistério de Ariana. Lisboa: Passagens, 1996.
DELEUZE, Gilles. A lógica do sentido. 5º. ed. São Paulo: Perspectiva, 2015.
DELEUZE, Gilles. Controle e Devir. In: Conversações. 1º. ed. São Paulo: Editora 34, 1992. p. 209-218.
FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2000.