Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Breno Almeida Brito Reis (UFC)

Minicurrículo

    Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará (PPGCOM-UFC) e integrante do Laboratório de Estudos e Experimentação em Audiovisual (LEEA-UFC). Desenvolve pesquisas na área de filmes pessoais.

Ficha do Trabalho

Título

    Súbitas aparições de Jafar Panahi

Resumo

    Sendo o gesto de autoinscrição pivotal na resistência do realizador iraniano Jafar Panahi à proibição judicial de exercer seu ofício, analisamos os modos de Panahi se inserir e atuar em seus filmes Cortinas fechadas (2013) e O Espelho (1997). A partir das relações entre o engajamento corporal do realizador e a autorreflexividade fílmica, demonstramos como a presença intrusiva de Panahi modula a cena para tornar sensíveis as interdições das visibilidades.

Resumo expandido

    Acusado de conspiração e propaganda contra o governo iraniano, em 2010 o realizador Jafar Panahi foi proibido por vinte anos de realizar filmes, escrever roteiros e sair do Irã, entre outras penalidades. Não obstante, Panahi continua a filmar. Nessa fase pós-condenação de sua carreira, o realizador tem se recolhido a espaços privados (o ambiente doméstico e o interior de automóveis), além de constantemente voltar a câmera na direção de seu próprio corpo, que passou a ocupar a cena de maneira explícita. Incluem-se nesse conjunto os longas-metragens Isto não é um filme (2011), Cortinas fechadas (2013), Táxi Teerã (2015) e o curta-metragem Où en-êtes vous, Jafar Panahi? (2016). Neste último, Panahi afirma haver relação direta entre as condições de trabalho às quais está submetido desde sua sentença e a decisão de filmar a si mesmo.

    Desde que o projeto de islamização se instaurou no Irã com a Revolução Islâmica de 1979, é em fricção com a instância teocrática de controle das visibilidades que vários realizadores iranianos, entre os quais Panahi, têm inventado suas formas de resistência: “Neste contexto, qualquer gesto cinematográfico torna-se muito rapidamente um gesto político: de saída, para onde apontar a câmera?” (MONASSA, 2013, p. 11). Quais seriam, então, as implicações de apontar a câmera para si? Que forças são mobilizadas por um sujeito proscrito colocando-se ele mesmo em cena?

    Nesta pesquisa, analisamos os modos de autoinscrição e de auto-mise-en-scène de Panahi em Cortinas fechadas (2013), estabelecendo comparações, em perspectiva sincrônica, com a presença do cineasta em seu filme O Espelho (1997). Essas obras, embora de fases distintas, se aproximam por um gesto em comum: a aparição súbita e intrusiva do realizador, desempenhando seu papel de autor, no decurso de uma narrativa até então de elaboração ficcional. Em O Espelho, quando a protagonista se aborrece e se recusa a continuar atuando, Panahi e sua equipe de filmagem surgem em cena, num plano breve, e passam a acompanhar a atriz à distância, estabelecendo um jogo em abismo entre as dimensões documentária e ficcional do filme. Estratégia semelhante seria explorada em Cortinas fechadas: a narrativa ficcional, centrada em três personagens perseguidos que se refugiam numa casa completamente vedada, é fendida pelo surgimento de Panahi, que provoca uma virada anti-ilusionista na cena. Pode-se questionar, então: como a passagem de Panahi ao campo e a sua atuação afetam não apenas o desenvolvimento da cena, mas também o lugar do espectador?

    A autoinscrição, compreendida teoricamente como performance de autoria (SAYAD, 2013), como intensificadora da potência do real na filmagem (COMOLLI, 2008), como reveladora do antecampo (BRASIL, 2013), articula um engajamento de mão-dupla: o investimento corporal do realizador na cena, gerando efeito de distanciamento, convoca a postura crítica do espectador acerca do que se coloca em cena como forma e pensamento. A reiteração do exercício de autoinscrição confere aos filmes de Panahi um cerne ético-estético e autorreflexivo que põe sob enfoque crítico as condições de suas “operações imaginantes” diante da interferência dos códigos islâmicos sobre o que se pode “ver e dar a ver” (MONDZAIN, 2015). As composições fílmicas do cineasta proibido de exercer seu ofício seriam a elaboração de um pensamento do interdito, como se cada plano sondasse e evidenciasse a possibilidade de fazer um filme apesar das circunstâncias e em razão delas.

Bibliografia

    BRASIL, André. Formas do antecampo: performatividade no documentário brasileiro contemporâneo. In: Revista Famecos, Porto Alegre, v.20, n.3, pp. 578-602, 2013.

    COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: A inocência perdida – cinema, televisão, ficção, documentário. Tradução: Augustin de Tugny; Oswaldo Teixeira; Ruben Caixeta. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

    MONASSA, Tatiana. Filmar como ato de resistência. In: MONASSA, Tatiana (org.). Cineastas iranianos: Mohammad Rasoulof e Jafar Panahi. Rio de Janeiro: Gráfica Stamppa, 2013.

    MONDZAIN, Marie-José. Homo spectator. Tradução: Luís Lima. Lisboa: Orfeu Negro, 2015.

    SAYAD, Cecilia. Performing Authorship: Self-Inscription and Corporeality in the Cinema. New York: I.B. Tauris, 2013.