Ficha do Proponente
Proponente
- Renné Oliveira França (IFG)
Minicurrículo
- Professor do Bacharelado em Cinema e Audiovisual do Instituto Federal de Goiás. Pós-doutor em Comunicação Social e Doutor em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais. Diretor e roteirista do longa-metragem Terra e Luz.
Ficha do Trabalho
Título
- Uma guerra infinita: narrativas mitológicas no Universo Marvel
Resumo
- A narrativa de filmes voltados para o êxito comercial costuma seguir estruturas bem estabelecidas. Propõe-se aqui analisar um atual sucesso que segue o padrão industrial de vender o velho como novo: Vingadores – Guerra Infinita. A partir do estudo de Raymond Williams sobre relações entre texto e encenação, o filme será compreendido como processo, embate de sentidos que atualiza narrativas da Ilíada, Antigo Testamento e western, revelando como valores contemporâneos repaginam antigas histórias.
Resumo expandido
- O “Universo Cinematográfico Marvel” compreende uma série de filmes baseados em personagens de histórias em quadrinhos e que se estabeleceu, ao longo de 10 anos, como modelo do cinema comercial hollywoodiano. Contando até o momento com um total de 19 filmes que se comunicam entre si, esta estratégia inovadora pela quantidade de diferentes franquias envolvidas (Homem de Ferro, Thor, Hulk, Capitão América, Guardiões da Galáxia, Homem-Formiga, Doutor Estranho, Pantera Negra e Homem-Aranha) atingiu seu clímax em Vingadores – Guerra Infinita ao reunir os diferentes personagens de 18 filmes. Sucesso de público, estes filmes funcionam como peças muito bem elaboradas da indústria cultural que atualizam convenções narrativas para um novo público, e o trabalho aqui proposto pretende perceber, a partir de seu sucesso mais recente, como estas obras revelam, para além do espetáculo de efeitos especiais e personagens conhecidos, elementos básicos narrativos que perpassam os mitos, a epopéia e a tragédia.
Partindo de Raymond Williams (2010) e sua análise das relações entre o texto escrito e suas formas de encenação, interessa-se aqui por aquilo que o autor compreende como convenções estáveis da narrativa e seu tensionamento com as novas formas que as modificam. Williams está atento ao jogo em que as convenções são, ao mesmo tempo, limitadas pelas tradições e também pressionadas por novas formas perceptivas. São de certo modo transformadas em cada época, sempre sujeitas a novas técnicas e/ou novas formas de relação com o método dramático. O espetáculo em si seria um reflexo, uma parte concreta da potência cultural, resultado de um encontro entre o texto fixo e suas convenções com a “estrutura de sentimento” da época, compreendendo-se a representação dramática como processo material de uma dada cultura e tempo.
Se em seu processo metodológico Williams parte da peça escrita e do roteiro de cinema para perceber suas transformações na encenação teatral ou no filme finalizado, aqui o que se propõe é partir de narrativas anteriores ao roteiro dos filmes (e aos próprios quadrinhos que os inspiraram) para compreender este processo dinâmico de atualizações que se estabelece em um produto cinematográfico industrial que tem como foco o sucesso de público. São convenções narrativas e histórias seculares repaginadas que reforçam ou invertem personagens e dramas em seu processo fabular. Elementos narrativos presentes no Antigo Testamento da Bíblia e na Ilíada de Homero surgem de forma atualizada em Vingadores – Guerra Infinita, que ainda se aproveita de um outro mito tipicamente cinematográfico: o western.
Partindo destas narrativas clássicas das mitologias grega, cristã e do oeste selvagem, de seus personagens e estruturas dramáticas, o presente trabalho utilizará enquanto categorias analíticas os elementos da Tragédia apontados na Poética de Aristóteles (mito, caracteres, falas, ideias, espetáculo e seus arcos dramáticos) para comparar estes processos narrativos mitológicos com o atual Vingadores, ao mesmo tempo em que se pretende compreender a narrativa conjunta do Universo Cinematográfico Marvel como uma epopeia (ainda segundo Aristóteles). A proposta aqui é perceber Vingadores – Guerra Infinita como Tragédia a partir de uma encenação que é resultado de um processo cultural de atualização de narrativas antigas e que, como tal, revela elementos deste tensionamento e permite vislumbres de valores e sentidos da contemporaneidade.
São cowboys defensores da ordem e da lei com trajes coloridos e altamente tecnológicos, um vilão onipotente e que tal qual o deus cristão do dilúvio pretende “limpar” parte da humanidade e um encontro de heróis que podem não ser Aquiles, Ajax e Odisseu, mas que não deixam de ser mitos atuais em sua Guerra de Tróia pós-moderna. Uma guerra mitológica que, pelas suas constantes reencenações ao longo de diferentes épocas é capaz de ser sempre atualizada como novidade. Uma guerra repetidamente infinita.
Bibliografia
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