Ficha do Proponente
Proponente
- Livia Azevedo Lima (ECA-USP)
Minicurrículo
- Livia Azevedo Lima é doutoranda do programa Meios e Processos Audiovisuais pela ECA-USP, onde desenvolve a pesquisa Trilogia da Paixão: Saraceni leitor de Lúcio Cardoso.
Ficha do Trabalho
Título
- Glauber, Saraceni e as origens do Cinema Novo (1959 e 1962)
Seminário
- Cinema comparado
Resumo
- Apesar das distâncias, as obras dos cineastas Glauber Rocha e Paulo César Saraceni apresentam intersecções e influências mútuas. Nesta comunicação, analisaremos a correspondência entre os realizadores, os comentários de Saraceni sobre Glauber em seu livro de memórias e as críticas de Glauber aos filmes de Saraceni entre 1959 e 1962. Esse período, em que ambos passam do curta para o longa-metragem, coincide com as origens do Cinema Novo.
Resumo expandido
- A relação entre o cinema de Glauber Rocha e o de Paulo César Saraceni não pode ser pensada ao largo da amizade, da convivência prolongada e da importância de ambos para a maturação de um projeto de cinema brasileiro, o Cinema Novo. Enquanto Glauber é assunto de um capítulo inteiro do livro de memórias de Saraceni, o único cujo título não indica diretamente um filme de sua autoria ou um período da carreira, Saraceni seria o verdadeiro autor da famosa frase atribuída a Glauber: “Uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”, influenciada talvez pela admiração à obra do mestre Roberto Rossellini e pelo contato travado com Jean Rouch e seu cinema de baixo orçamento.
Apesar de contarem com filiações estilísticas diferentes, a ponto de já terem sido contrapostos como devedores de Eisenstein (Glauber) e de Rossellini (Saraceni), os dois cineastas guardam pontos de contato e influências cruzadas. Esta comunicação pretende tratar disso, ao comentar as sugestões e críticas mais acabadas de Glauber Rocha aos filmes de Saraceni entre 1959 e 1962, período em que ambos saíam do curta para o longa-metragem e que, ao mesmo tempo, surgia o movimento cinemanovista.
Glauber e Saraceni se conheceram em 1959, na época em que revelavam os negativos de seus primeiros curtas-metragens, O pátio e Caminhos, na Líder Cine Laboratório. A partir de então, se encontram e se corresponderam constantemente. Os dois curtas, inclusive, chegaram a ser exibidos juntos em uma sessão na casa da artista Lygia Pape, da qual participaram figuras importantes do movimento neoconcretista: o crítico de arte Mário Pedrosa, os artistas Lygia Clark, Amilcar de Castro e Hélio Oiticica, além de Jean Bouguit, Décio Vieira, Ferreira Gullar e Reinaldo Jardim, então editor do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil (SDJB). A sessão provocou polêmica sobre qual seria o melhor filme. Impressionado com o debate e o caráter experimental dos curtas, Jardim sugeriu que Glauber e Saraceni lançassem um manifesto do movimento no SDJB.
Para Saraceni, ao reelaborar a trajetória do grupo em suas memórias, essa sessão seria o primeiro sinal do Cinema Novo. Enquanto o segundo teria sido a conversa sobre o que o cinema deveria privilegiar – a forma ou o conteúdo – que dividiu, em defesa da primeira opção, Saraceni e Glauber e, da última, o cineasta Nelson Pereira dos Santos. Essa conversa ocorreu em Salvador, em 1960, quando Nelson voltava de uma tentativa fracassada, por conta da chuva, de filmar Vidas secas no interior da Bahia e o navio com o qual Saraceni estava a caminho de Roma para iniciar sua temporada de estudos no Centro Sperimentale di Cinematografia fazia uma escala na cidade.
Provavelmente o interesse de Glauber por Saraceni vinha do fato de que já em 1959, como o próprio Glauber, Saraceni passava da teoria à prática se arriscando no cinema autoral, como poucos colegas tinham feito até então. E de fato Glauber incluiria o filme Caminhos ao lado dos seus O pátio e A cruz na praça (1959), O maquinista (1958), de Marcos Farias, e Um dia na rampa (1957), de Luiz Paulino dos Santos, em comentários sobre o surgimento de uma produção efervescente e experimental no cinema brasileiro desse período. Para o Glauber crítico, no entanto, o Cinema Novo só surgiria mais tarde com Arraial do Cabo (Paulo César Saraceni e Mario Carneiro, 1959) e Aruanda (Linduarte Noronha), como salienta no ensaio “Documentários: Arraial do Cabo e Aruanda” e no artigo-manifesto “Arraial, cinema novo e câmera na mão”, publicados no Suplemento Dominical em 1960 e 1961.
O interesse desta comunicação é se aproximar da concepção de cinema dos dois realizadores, que tipo de filmes pretendiam fazer e como aproveitaram as oportunidades que surgiram pelo caminho. Mas, sobretudo, gostaríamos de entender como os dois passaram das considerações feitas naquele momento à organização da memória em uma narrativa na qual se destacam a defesa do próprio cinema, de um lado, e a do movimento cinemanovista, de outro.
Bibliografia
- CARVALHO, Maria do Socorro. “Neo-realismo e Cinema Novo: Roberto Rossellini, Paulo César Saraceni e Glauber Rocha”. In: Catálogo da retrospectiva Roberto Rossellini – Do cinema e da televisão. São Paulo: Cinesesc/ Centro Cultural São Paulo, Cinusp Paulo Emílio, nov. 2003, pp. 28-29.
MELLO E SOUZA, Gilda de. “Diálogo e imagem n’O desafio”. In: Exercícios de leitura. 2ª ed. São Paulo: Duas Cidades/ Editora 34, 2009, pp. 223-37.
ROCHA, Glauber. Cartas ao mundo. Ivana Bentes (Org.). São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
_____. Revisão crítica do cinema brasileiro. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
_____. Revolução do Cinema Novo. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
SARACENI, Paulo César. Por dentro do Cinema Novo: Minha viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.