Ficha do Proponente
Proponente
- Victor Ribeiro Guimarães (UFMG)
Minicurrículo
- Doutorando em Comunicação Social pela UFMG, com passagem pela Université Sorbonne-Nouvelle (Paris 3). Foi professor no Centro Universitário UNA, na Universidade Positivo e na Vila das Artes. Crítico na revista Cinética desde 2012, tem ensaios publicados em revistas como Senses of Cinema (Austrália), Desistfilm (Peru), El Agente Cine (Chile) e La Furia Umana (Itália). É autor de O hip hop e a intermitência política do documentário (PPGCOM/UFMG, 2015) e organizador de Doméstica (Desvia, 2015).
Ficha do Trabalho
Título
- Comparar energias figurais: PM e Arrasta a Bandeira Colorida
Seminário
- Cinema comparado
Resumo
- No sentido de interrogar como o cinema de Aloysio Raulino retoma motivos, retrabalha iconografias e reelabora figuras do povo presentes em outros cineastas latino-americanos da segunda metade do século XX, busco um cotejo entre PM (Sabá Cabrera Infante & Orlando Jiménez Leal, Cuba, 1961) e Arrasta a Bandeira Colorida (Aloysio Raulino & Luna Alkalay, Brasil, 1970). Ao aproximar e contrastar esses dois filmes, procuro construir uma metodologia de comparação entre energias figurais.
Resumo expandido
- Havana, Cuba, 1961. Da proa de um barco que traz homens e mulheres em busca de festa vemos as luzes de uma zona portuária da cidade. No interior dos bares enfumaçados, ao som dos ritmos afro-cubanos, o trabalho de figuração ressalta o movimento sinuoso dos corpos – que dançam ou cambaleiam bêbados –, as trocas de olhares cheios de desejo, o tilintar percussivo dos copos. O suor se mistura à fumaça dos cigarros e ao álcool derramado e compõe uma economia figurativa fluida, intensificada pelo alto contraste da fotografia, pelo desfoque frequente e pelas manchas na tela. Nessa multidão festiva filmada tão de perto, tudo aponta para um estado de embriaguez coletiva, que o curta-metragem PM (1961) retrata em sua incandescência ambígua: haverá encontro e briga, harmonia e desordem nessa noite habanera de delírio e perdição.
Primeiro caso de censura do cinema cubano revolucionário, PM foi condenado ao ostracismo e passou cinquenta anos praticamente sem ser exibido ou mencionado pelos historiadores da produção cinematográfica da ilha. O vocabulário figurativo de um texto da época justifica a censura: “por oferecer uma pintura parcial da vida noturna habanera, que empobrece, desfigura e desvirtua a atitude que o povo cubano mantém contra os ataques arteiros da contrarrevolução às ordens do imperialismo ianque” (GARCÍA BORRERO, 2009). Nas figurações do povo que irrompem logo após a revolução, predominam os signos do trabalho, do compromisso coletivo, da coesão e da luta. Em filmes como Esta tierra es nuestra (Tomás Gutiérrez Alea, 1959) e Muerte al Invasor (Alea & Santiago Álvarez, 1961), trata-se de figurar a euforia guerreira de um país em transformação pela ação autônoma de seu povo, que tomou as rédeas de sua história e agora resiste aos achaques do imperialismo ianque. Nesse sentido, a redescoberta recente de PM revela uma outra via figurativa possível, que seria sufocada pela censura e só seria retomada parcialmente na sensualidade dos filmes de Sara Gómez ou no humor crítico das obras de Gutiérrez Alea e García Espinosa de fins dos anos 1960.
São Paulo, Brasil, 1970. A partir de um conjunto de fotografias do carnaval de rua paulistano e de um repertório de marchinhas, Aloysio Raulino e Luna Alkalay realizam Arrasta a Bandeira Colorida (1970), curta-metragem que também elabora uma figuração do povo calcada nos signos da festa e da embriaguez. À primeira vista, os filmes parecem mais distantes do que próximos: se PM é uma incursão observacional herdeira do cinema direto, Arrasta a Bandeira Colorida é um filme de montagem a partir de imagens fixas, cuja operação predominante parece reenviar a outras fontes latino-americanas: as fotomontagens de Fernando Birri ou filmes como Now! (1965), de Santiago Álvarez, cujas poéticas também se apoiam no tratamento cinético, sonoro e temporal das fotografias.
Há, assim, mais que uma afinidade de procedimentos estilísticos, uma economia figurativa próxima e, de forma ainda mais intensa, uma energia figural comparável. Em Arrasta a Bandeira Colorida, as fotografias dançam como os corpos nos planos-sequência de PM: em panorâmicas, zooms agressivos, tremores e balanços – com ou sem música – ao ritmo sincopado dos cortes da montagem, que alterna paradas na imagem e entrechos velozes numa musicalidade complexa. Além de compartilharem um motivo semelhante – a festa popular –, ambos figuram o povo como uma potência sensual, múltipla, atravessada por ambiguidades e opacidades. A sinuosidade das composições e a fluidez da montagem, os enquadramentos descentrados e o alto contraste da fotografia, as zonas de desfoque e os borrões que produzem um flou constante, a economia sonora baseada nos ritmos afro-cubanos e afro-brasileiros, as singularidades dos corpos em cena, tudo aponta para a elaboração de uma energia figural extática, plural, densa. Em Cuba como aqui, trata-se de elaborar, no cinema, uma potência estético-política do povo que escapa às configurações tradicionais da luta e do cinema políticos.
Bibliografia
- AGUILAR, Gonzalo. Más allá del pueblo. imágenes, indicios y políticas del cine. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2015.
BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e Imagens do Povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
BRENEZ, Nicole. De la figure en general et du corps en particulier. Bruxelles : De Boeck, 1998.
BURTON, Julianne. “Cine Cubano Revolucionario”. In: PIEDRA RODRÍGUEZ, Mario. Cine Cubano: selección de lecturas. La Habana: Editorial Félix Varela, 2003, p. 86-100.
GARCÍA BORRERO, Juan Antonio. Otras maneras de pensar el cine cubano. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 2009.
LEÓN FRIAS, Isaac. El nuevo cine latino-americano de los años sesenta: entre el mito político y la modernidad fílmica. Lima: Universidad de Lima, Fondo Editorial, 2014.
MARTIN, Adrian. “Ultimatum: an introduction to the work of Nicole Brenez”, Screening the Past, December 22, 1997.
VANCHERI, Luc. Les pensées figurales de l’image. Paris : Armand Collin, 2011.