Ficha do Proponente
Proponente
- Marcelo Vieira Prioste (PUC-SP)
Minicurrículo
- Professor na PUC-SP (Multimeios, Jornalismo, Diálogos entre Filosofia, Cinema e Humanidades e Estéticas das Mídias). Doutor em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA/USP sendo um dos criadores da publicação dos pós-graduandos da ECA, a Revista Movimento (www.revistamovimento.net). No doutorado desenvolveu pesquisa sobre o cinema documentário latino-americano com enfoque na produção do cineasta cubano Santiago Álvarez Román (1919-1998).
Ficha do Trabalho
Título
- Los 40 Cuartos, Era o Hotel Cambridge e os sem-teto latino-americanos
Seminário
- Audiovisual e América Latina: estudos estético-historiográficos comparados
Resumo
- Abordaremos um mote que frequentemente é trazido pela cinematografia latino-americana: a precariedade das condições de moradia das classes populares. Em dois países e em momentos históricos distintos, Los 40 Cuartos (Argentina, 1962) e em Era o Hotel Cambridge (Brasil, 2016), observaremos como uma dialética entre a dramatização ficcional e o documentário foi adotada como estratégia para dar sustentação às representações condizentes com seus respectivos contextos históricos.
Resumo expandido
- Dentre os aspectos que a cinematografia latino-americana aborda no trato dos temas sociais, um dos mais frequentes está relacionado a precariedade das condições de moradia das classes populares.
Em 1962, na cidade argentina de Santa Fé, berço do documentarismo latino-americano de cunho social a partir da criação do Instituto de Cinematografía de la Universidad Nacional del Litoral, conhecida como “Escuela Documental de Santa Fé”, Juan Fernando Oliva (1922-2007) roteiriza e dirige seu primeiro filme, o curta-metragem Los 40 Cuartos (Argentina, 1962). Recém-formado na escola em que mais tarde seria professor, Oliva retratou a crise habitacional vivida pela cidade, trazendo para o espaço urbano a denúncia que Fernando Birri (1925-2017) já havia iniciado com Tire Dié em 1958 ao apresentar os habitantes dos ranchos de los bañados nos arredores da cidade, cujos filhos pediam dinheiro ao lado da linha férrea.
Neste curta-metragem de 23 minutos, acompanhamos a saga de um jovem casal em busca de moradia enquanto vive provisoriamente em um conventillo santafesino, um cortiço em que o pai do protagonista mora. O périplo dos personagens pelas ruas da cidade é marcado pela desilusão ao se depararem com as placas das imobiliárias que anunciam os preços inacessíveis para o aluguel e compra de casas. Paralelamente seguem relatos e sequências sobre as más condições do ambiente e as dificuldades enfrentadas pelos outros habitantes do cortiço.
Cinquenta e quatro anos depois, Era o Hotel Cambridge (Brasil, 2016) traz mais um capítulo a essa aparentemente insolúvel questão latino-americana. Porém, se há aspectos além dos temporais que distanciam as duas produções, há vários pontos de convergência que merecem destaque nesta reflexão. Dentre eles destacaremos a adoção de uma dialética entre documentário e dramaturgia ficcional na preocupação em delinear o cotidiano dos personagens dentro de uma perspectiva de humanização, aparentemente no intuito de combater uma recorrente leitura criminalista e policial que perpassa esse tema, principalmente pelos meios de comunicação. Recordando o agravante de que o filme argentino teria sido censurado em 1963 por um decreto federal do então presidente José María Guido (1910-1975), que assumiu o comando da nação após um golpe militar ocorrido no ano anterior.
Porém, mesmo que a película de Oliva contivesse uma denúncia que tenha causado muita consternação e represálias na sua época, ficando praticamente desaparecida por muitos anos, a obra é carregada nos tons conformistas, enquanto que o filme de Eliane Caffé, ao se debruçar sobre a mesma problemática, alinha-se a uma série de outras produções contemporâneas para oferecer uma outra perspectiva, inserindo os movimentos sociais no protagonismo do enredo. Ao filmar em um antigo hotel na região central da cidade de São Paulo que se tornaria moradia para um grupo social heterogêneo composto por refugiados vindos do Oriente, Oriente Médio, África e América Latina, até migrantes do Nordeste e Norte do país, o filme apresenta a complexidade de um convívio entre idiomas, hábitos e distintas expectativas que, na precariedade das condições físicas do edifício, ainda são tensionados pela ameaça de despejo promovida pelos agentes do Estado em nome de uma lógica essencialmente patrimonialista.
Assim, ao se investigar a “ficção documental” brasileira em diálogo com o “documentário ficcionalizado” argentino, evidencia-se não apenas o quanto são historicamente ineficientes as políticas habitacionais, tanto nas capitais como pequenas outras cidades de toda a América Latina, mas também reitera-se como a narratividade documentária, com sua capacidade de enveredar pelas fissuras do real (COMOLLI, 2008), gera um efeito reagente ao poder totalizante proporcionado pela ficção.
Bibliografia
- BIRRI, Fernando. Por un nuevo nuevo nuevo cine latinoamericano 1956-1991. Madrid: Cátedra, 1996.
BURTON, Julianne (org.). The social documentary in latin america. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1990.
CAFFÉ, Carla. Era o Hotel Cambridge: arquitetura, cinema e educação. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2017.
COMOLLI, Jean-Louis. Ver e Poder: a inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: UFMG, 2008.
NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2001.
PARANAGUA, Paulo (org.). Cine documental en América Latina. Madrid: Cátedra, 2003.
ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares. A Colonização da Terra e da Moradia na Era das Finanças. São Paulo: Boitempo, 2015.
SCARCIÓFOLO, Stella; CENTURIÓN, Jorgelina. Ojo Del Mundo: orígenes y las primeras producciones del Instituto de Cinematografía de la Universidad Nacional del Litoral. Santa Fé: Universidad Nacional del Litoral/Museo Historico UNL, 2014.