Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Izabel de Fátima Cruz Melo (USP/UNEB)

Minicurrículo

    Izabel de Fátima Cruz Melo é professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e pesquisadora associada na Filmografia Baiana. Doutoranda em Meios e Processos Audiovisuais (ECA/USP). Autora do livro “Cinema é mais que filme”: uma história das Jornadas de Cinema da Bahia (1972-1978) (2016) e co-organizadora do Sete Esquinas: Panoramas socioculturais nas Ciências Humanas (2013).

Coautor

    Lúcia Ramos Monteiro (ECA-USP)

Ficha do Trabalho

Título

    Genealogia imaginativa do cinema afro-diaspórico: Maldoror e Bulbul

Resumo

    Nosso objetivo é relacionar a obra de Sarah Maldoror, fundamental para o cinema das independências africanas, ao cinema brasileiro afro-diaspórico, a partir da análise comparada de Monangambeee, de Maldoror (1968) e Alma no olho, de Zózimo Bulbul (1973), atenta às confluências entre de formulações estéticas e pensamentos de Maldoror e cineastas brasileiros afro-diaspóricos como Bulbul, que trazem à tona as questões ligadas ao racismo e às persistências coloniais por meio do sublime e do poético.

Resumo expandido

    Numa das cenas mais emblemáticas do curta-metragem Kbela (Yasmin Thayná, 2015), uma mulher negra se cobre com tinta branca. A performance filmada por Thayná tanto produz uma inversão da blackface quanto pode ser encarada como alegoria dos apagamentos dos nomes e corpos de negros e negras ao longo da história do cinema. Por que a filmografia de Zózimo Bulbul e de Adélia Sampaio circulam menos do que a de cineastas brancos que lhes são contemporâneos?
    O objetivo desta proposta é aproximar a produção de Sarah Maldoror, fundamental na história do cinema negro mundial, à de cineastas brasileiros, ainda que a filmografia de Maldoror apenas agora esteja conquistando alguma visibilidade no Brasil. Para tanto, nosso ponto de partida será a análise comparada de seu Monangambeee (1968) e Alma no olho (Zózimo Bulbul, 1973), de modo a revelar afinidades estéticas e políticas, observando também, evidentemente, as distâncias entre duas obras tão singulares.
    A cineasta fundou, na década de 1950, o primeiro grupo de teatro negro de Paris. Depois de uma temporada de estudos de cinema em Moscou, engaja-se como cineasta na luta anticolonial africana, ao lado de seu companheiro, o angolano Mário Pinto de Andrade, fundador do Movimento Pela Libertação de Angola (MPLA).
    Na Argélia recém-independente, Maldoror participa das filmagens de A Batalha de Argel (1966), de Gillo Pontecorvo. Em 1968, realiza Monangambeee, curta metragem baseado em um conto que o escritor angolano Luandino Vieira escreve da prisão, em Luanda. O filme foge ao didatismo, dispensa a narração em off e mantém poucos diálogos, investindo na visualidade da narrativa, pontuada pelos metais do Art Ensemble de Chicago, que soam como gritos de lamento e revolta. O apuro no tratamento da imagem recria o ambiente nefasto do cárcere, pondo em evidência a gestualidade farsesca das autoridades portuguesas e os corpos negros – a beleza do elenco teria rendido críticas à cineasta, pois soaria como concessão ao cinema dominante.
    Por sua vez, o carioca Zózimo Bulbul tornou-se conhecido como ator e cineasta, mas como indica Noel Carvalho (2005), também trabalhou como cenógrafo, produtor e assistente de montagem. Bulbul participou ativamente da cena militante brasileira dos anos 1960, ligado ao CPC, e posteriormente ao Cinema Novo. A partir das experiências de assistência de montagem, se aproxima da direção, na qual realizou seis filmes todos tratando das questões raciais e ao lugar do negro e a busca pela autorrepresentação na sociedade brasileira. Dentre os seus filmes, destacamos Alma no Olho (1973), inspirado no livro do membro dos Panteras Negras, Eldgridge Cleaver ,“Alma no exílio”. Dedicado a John Coltrane, o filme constrói a partir do corpo de Bulbul a narrativa do deslocamento forçado dos negros através da escravidão e a sua busca pela libertação.
    Sem forçar uma genealogia objetiva, que não seria plausível, diante da invisibilidade histórica dos filmes de Maldoror, sobretudo no Brasil, mas considerando os possíveis trajetos das circulações atlânticas, já evidenciadas por Paul Gilroy, nossa proposta pretende traçar comparações entre a produção da cineasta francesa e o cinema negro brasileiro afro-diaspórico, na forma de uma genealogia imaginativa, inspirada nos trabalhos de Aby Warburg e Georges Didi-Huberman, e fundamentada nas persistências (pós-) coloniais tal como vistas por Roy Armes. Ainda nesta perspectiva, pretendemos refletir sobre a dialética entre os lampejos de visibilidade e as dinâmicas de apagamento a que a filmografia negra, especificamente no Brasil, vem sendo submetida, em relação com as possibilidades de disputa e formulação de uma “verdade histórica” que nortearia a história do cinema, tal como colocada por Walter Benjamin.

Bibliografia

    ARMES, R. O cinema africano ao norte e ao sul do Saara. MELEIRO, A. (org.). Cinema no mundo: indústria, política e mercado. S.Paulo: Escrituras/Iniciativa Cultural, 2007.
    BAMBA, M.; MELEIRO, A. (org.). Filmes da África e das diásporas. Objetos de discursos. Salvador: Edufba, 2012.
    CARVALHO, N. O cinema negro de Zózimo Bulbul. Anais do XXIX Encontro Anual da ANPOCS, 2005.
    _______________. O produtor e o cineasta Zózimo Bulbul – o inventor do cinema negro brasileiro. Revista Crioula, n. 12, 2012.
    GILROY, P. O atlântico negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Ed. 34. Rio de Janeiro: UCAM,2001.
    PIÇARRA, M. C. Os cantos de Maldoror: cinema de libertação da realizadora-romancista. Mulemba, v. 9, n. 17, 2017.
    SCHEFER, R. Sarah Maldoror: o cinema da noite grávida de punhais. PIÇARRA, M.; ANTÓNIO, J. (org). Angola, o nascimento de uma nação. Lisboa: Guerra & Paz, 2015.
    SOUZA, E. P. Cinema na panela de barro: Mulheres Negras, narrativas de amor, afeto e identidade. Brasília: UNB