Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Marília Xavier de Lima (UAM)

Minicurrículo

    Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação na Universidade Anhembi Morumbi. Mestre e graduada em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora.

Ficha do Trabalho

Título

    Um militante cinema para um filme militante: “Era o Hotel Cambridge”

Resumo

    Era o Hotel Cambridge (2017), Eliane Caffé, é um filme militante sobre a ocupação em um edifício abandonado no centro de São Paulo. Com uma produção coletiva, tendo os próprios moradores como atores, o longa permite pensar em outras formas de se fazer cinema, afastando-se de um modo industrial de realização. O tema e a sua forma de representação, juntamente com o compartilhamento de uma experiência comum de criação, tornam o filme militante para o movimento social das ocupações e para o cinema.

Resumo expandido

    Este trabalho parte do recente filme de Eliane Caffé, “Era o Hotel Cambridge” (2017), para pensar o cinema militante brasileiro contemporâneo que, por meio do uso de atores não profissionais, traça outros modos de visibilidade e autenticidade para conteúdos políticos. Tal gesto constrói outras formas de realização cinematográfica que tangencia à relação entre a política e a estética. O filme “Era o Hotel Cambridge” narra as histórias de refugiados e pessoas sem moradia que ocupam um edifício abandonado no centro de São Paulo. Houve um trabalho coletivo de criação do filme envolvendo profissionais da arquitetura, do cinema e da educação, bem como os próprios moradores do edifício. O longa é encenado pelos moradores do prédio e por atores profissionais, como José Dumont e Suely Franco. O filme se torna militante ao trazer, conforme as encenações de si e o trabalho coletivo na produção cinematográfica, outros modos de fazer cinema e de construir a representação de refugiados e pessoas sem moradia. A incorporação daqueles que vivenciam os temas retratados se torna estratégia para uma autenticação do real, bem como um gesto político que supera a representação, tornando os personagens parte do processo de criação. Com isso, o filme permite modos de visibilidade de personagens marginalizados, fugindo de um modo tradicional de representação. A militância cinematográfica neste caso, perpassa, necessariamente, uma outra maneira de realização, assemelhando-se com a passagem de um regime de representação para um regime estético da imagem segundo Jacques Rancière (2012). Ocorre um gesto político de não usar os personagens como representação de uma categoria social. A experiência de criação do filme é partilhada em comum: sem a subordinação do personagem e sem a centralidade daquele que filma. Essa forma de fazer cinema se destoa de uma maneira industrial de produção que determina o local dos sujeitos operantes da realização. Em “Era o Hotel Cambridge” esse local é redistribuído a partir da abertura da encenação dos personagens. A noção de partilha aqui adotada parte de Rancière (2009) que identifica, na relação entre a política e a estética, uma partilha do sensível, na qual torna visível quem participa de um comum a partir da atividade que cumpre.

    O papel dos personagens aqui não está a serviço de um questionamento social, ele é criado para e no filme. Isso marca a passagem de um regime de representação para o estético segundo Jacques Rancière (2012): em uma imagem, tem-se a mimese clássica, fazendo coincidir a narração e a expressão, em um regime de semelhança; em outra, essa relação é suspendida, prolonga-se a ação que no outro se fecharia em uma conclusão. Isso toca a política em refazer a distribuição das vozes sociais, em tornar visível aquilo que não se via, pois estava ancorado no senso comum. Para Rancière (2012), a experiência estética implica uma política pois pode permitir uma experiência de dissenso oposta ao regime de representação e ao regime ético presente em produções artísticas com fins sociais. A política, nesse caso, insere-se na estética na forma de rupturas de preceitos determinados, dando a ver a multiplicidade de mundos. Procuramos, com isso, compreender o filme como potência política a partir da sua realização em si, considerando a adoção de atores não profissionais que criam e atuam em sua própria história, o trabalho coletivo de sua produção e o compartilhamento de experiências.

Bibliografia

    MIGLIORIN, Cezar. Eu sou aquele que está de saída: dispositivo, experiência e biopolítica no documentário contemporâneo. Tese de Doutorado, UFRJ. 2008.

    _____. Por um cinema pós-industrial: notas para um debate. In: Revista Cinética (on line), Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: http://www.revistacinetica.com.br/cinemaposindustrial.htm. Acessado em 05 de abril de 2018.

    NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2016.

    RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível. São Paulo: Exo Experimental org; Ed. 34, 2009.

    _____. O espectador emancipado. São Paulo: Martins Fontes, 2012.