Ficha do Proponente
Proponente
- Igor Araújo Porto (UFRGS)
Minicurrículo
- Mestrando em Comunicação e Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), orientado pela Professora Doutora Miriam de Souza Rossini. Bacharel em Jornalismo pela mesma universidade. Participa do grupo de pesquisa Processos Audiovisuais (PROAv-UFRGS).
Ficha do Trabalho
Título
- A vida secreta dos aparelhos: o ruído como regime de opacidade
Resumo
- O trabalho propõe pensar a presença de ruídos de aparelhos como um regime de opacidade no som de cinema. Para isso parte-se da definição dos regimes de opacidade e transparência, segundo Xavier (2012), e de sua relação com o “real”. Depois discute-se o impacto das viradas tecnológicas do cinema para esta problemática. Por fim, pontuaremos exemplos de como os ruídos podem contribuir para um regime de opacidade do dispositivo som no cinema a partir de filmografia recente de Pernambuco.
Resumo expandido
- trabalho pretende abordar os efeitos de opacidade provocados pelos ruídos oriundos dos próprios aparelhos eletrônicos presentes em cena, no cinema pernambucano recente. Agora que a possibilidade de silêncio é cada vez maior (Castanheira, 2016), assim como uma assepsia da imagem sonora, alguns cineastas escolhem fazer o caminho oposto, ressaltando estes ruídos. Propomos que este procedimento pode ser lido como um regime de opacidade do dispositivo, tal como definido por Xavier (2012), além de uma maneira de se ressaltar a materialidade fílmica. Abordamos a materialidade fílmica como esse voltar dos ouvidos para o caráter de coisa do produto cultural que coincide tanto com a visão de Chion acerca dos Índices de materialidade fílmica que “puxam a cena para o concreto e o material” (1994, p. 114, tradução minha), quanto com a ideia de uma cultura de presença (Gumbrecht, 2010), que se debruça sobre objetos e fenômenos em si, e não suas representações. O corpus do trabalho foi coletado para projeto de dissertação que pesquisa as paisagens sonoras lo-fi no cinema pernambucano recente, desenvolvido junto ao Ppgcom (UFRGS), com apoio da Capes.
Tanto o cinema como a fotografia, em seus primórdios, trazem à tona a questão do que é real e o que é mediação. Muitos autores apontaram para uma aproximação ao referente. Para haver uma foto ou um filme, deve haver algo a ser fotografado ou filmado. Há uma ilusão de realidade fortalecida pela semelhança entre imagem e referente (XAVIER, 2012, p. 18). A mesma lógica foi utilizada para descrever as primeiras gravações de áudio, quando não havia possibilidade de editar o som (CHION, 1994, p. 41). Kittler também aproxima o fonógrafo do real, justamente pela suscetibilidade ao ruído, que é, em tese, essa matéria intangível sobre a qual a mão humana possui menos controle (KITTLER, 2013, p. 169).
Parece, entretanto, que com o avanço das tecnologias de captação e edição de som ao longo dos anos, sobretudo da década de 70 para cá, os fatores intangíveis do som (o ruído, o ininteligível, as interferências) ficam controláveis. Equipamentos de edição (mixers, compressores, equalizadores) e de exibição (multicanal) fazem com que o ruído como interferência do mundo externo, quase desapareça, dando lugar ao ruído produzido e colocado no filme para conseguir determinado efeito. O que ouvimos é em geral pensado para nos passar uma sensação de ilusão.
O ruído, em um contexto de tecnologias que propiciam uma forma de imersão na sala de exibição, parece referir mais a uma chave de opacidade do dispositivo. Para Xavier, essa ideia da imagem ou da imagem sonora como mais próxima do referente é ilusória, pois há sempre uma série de processos envolvidos que não dependem da coisa real. Como alternativa, ele opõe os regimes de transparência e opacidade do dispositivo. O primeiro regime visa reforçar a ilusão de realidade e o segundo, chamar atenção para o caráter produzido da imagem. Neste momento técnico em que vivemos, o ruído, sobretudo aquele que se refere a aparelhos eletrônicos e as texturas que as diferenciadas telas pressupõem, pode ser entendido como uma marca estética de um cinema que quer chamar atenção para sua materialidade.
O cinema pernambucano recente foi escolhido através de mapeamento que identificou que, no contexto do Novíssimo cinema brasileiro (IKEDA, 2012), esse tipo de efeito é mais recorrente. Podemos ouvir isso de três maneiras: (1) através dos ruídos combinados com as aparições dos próprios aparelhos de gravações e das diferentes consequências que isso possui para a banda sonora do filme, como as cenas com o microfonista em Ventos de Agosto (2014, Gabriel Mascaro); (2) através das texturas sonoras suscitados por diferentes telas, como imagens gravadas no celular em O som ao redor (2012, Kleber Mendonça Filho) e (3) “presentificação” (GUMBRECHT, 2010) de suportes antigos e seus ruídos, como as fitas VHS de Avenida Brasília Formosa (2010, Gabriel Mascaro), por exemplo.
Bibliografia
- CASTANHEIRA, José C.. Making the film silent: machines, reverberation, and noise. LAM 4 Bruits, L’Institut ACTE (Sorbonne Paris 1 & CNRS). Paris, 2016.
CHION, Michel. Audio-vision: Sound on Screen. New York Chischester, West Sussex. Columbia University Press, 1994.
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2010.
IKEDA, Marcelo.O “novíssimo cinema brasileiro: Sinais de uma renovação. Cinémas d’Amérique latine, 2012.
KITTLER, Friedrich A. The Truth of the Technological World. Stanford University Press, 2013.
XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a trasparência. 2a Edição – São Paulo. Paz e Terra, 2012.