Ficha do Proponente
Proponente
- Margarida Maria Adamatti (UFSCar)
Minicurrículo
- Margarida Adamatti é doutora em Meios e Processos Audiovisuais pela Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP). Desenvolve pesquisa de Pós-Doutorado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), onde também é professora colaboradora (PNPD/CAPES) do Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som. Integra o Comitê Editorial da Revista Significação e participa do IntermIdia Project – “Towards an Intermedial History of Brazilian Cinema: Exploring Intermediality as a Historiographic Method” (UFSCar/UoR).
Ficha do Trabalho
Título
- Palco e intermidialidade no filme O Ébrio (1946) de Gilda de Abreu
Resumo
- O Ébrio (1946) de Gilda de Abreu compõe um projeto integrado em cinco mídias, realizado a partir de uma sucessão de transposições intermidiáticas. Se o filme privilegiou o diálogo com a montagem teatral, nossa proposta é avaliar como a presença de uma mídia anterior, no caso o teatro, incidiu na forma fílmica, seja no enredo, na linguagem e na montagem. Nesse sentido, as relações entre palco e tela surgem como instrumento privilegiado de análise fílmica.
Resumo expandido
- O filme O Ébrio (1946) de Gilda de Abreu foi feito a partir da adaptação teatral da peça homônima de Vicente Celestino. O produtor Adhemar Gonzaga propôs a Gilda de Abreu um regime de coprodução na Cinédia, pensando no sucesso garantido que o nome do tenor traria à obra. A estratégia saiu a contento, e o filme transformou-se numa das maiores bilheteria do cinema brasileiro. Nesse sentido, Os Ébrios intermidiáticos compõem um projeto integrado de autoria conjunta do casal Vicente Celestino e Gilda de Abreu, lançado em cinco mídias: música, peça de teatro, filme, romance e telenovela. Em 1935, o tenor Vicente Celestino cantou pela primeira vez “O Ébrio” na Rádio Guanabara. No ano seguinte, a canção foi lançada em disco. Depois do enorme sucesso da música, em 1941, a história chegou aos palcos. O público de teatro e circo pôde acompanhar a encenação do Ébrio até a década de sessenta. Pensando em atingir todos os públicos possíveis, Gilda de Abreu ampliou os detalhes da trama no romance de 400 páginas, que recebeu o mesmo título. Os infortúnios do personagem Gilberto tiveram ainda direito a uma continuação rocambolesca em Alma de Palhaço, que estreou na forma de romance e radionovela nos anos cinquenta. Numa série de remediações entre as mídias, entre 1965-1966, a TV Paulista levava ao ar a telenovela O Ébrio, com a participação especial do cantor no primeiro episódio.
Se o público aplaudia, durante a estreia do Ébrio, no Jornal da Noite, o crítico Pedro Lima condenou a presença do teatro no filme, como uma incapacidade técnica da diretora de adaptar seu trabalho para as telas:
“(…) O assunto escolhido foi uma popular canção e a peça teatral de seu esposo, que ela procurou
dar um tratamento cinematográfico e que não conseguiu, deixando que a ação se ressentisse dos
defeitos do filme, embora também contribuam para isso os artistas, gente de teatro, o exagero
das caracterizações”.
A condenação ao parentesco com o teatro marcou parte da recepção crítica do filme ao longo das décadas, visto muitas vezes como uma forma de encenação teatral, caracterizada pela entrada e saída de cena dos atores.
Como a forma do filme nasceu em estreito diálogo com as mídias anteriores, a intermidialidade auxilia-nos a analisar as relações entre palco e tela, prescindindo do debate em torno do específico do cinema. Não procuramos localizar uma inovação na linguagem cinematográfica, mas compreender a continuidade de práticas de encenação e de formas conjuntas de cinema e teatro, desenvolvidas pelos artistas brasileiros na década de quarenta.
A adaptação para o cinema não significou apenas a incorporação da mesma história, mas trouxe consigo a transposição da forma teatral. O estilo de um cineasta dialoga não somente com a conversão de seu pensamento em imagens, mas também com o contexto de produção e com sua formação técnica e cultural. Contudo, nem sempre a análise fílmica preocupa-se em demonstrar a relação em cadeia entre a presença de uma mídia anterior e sua incidência na configuração cinematográfica. Nesse sentido, interessa-nos observar se a transposição do palco para a tela significou uma incorporação da forma narrativa teatral, ou se Gilda de Abreu integrou na montagem o específico do teatro. Dessa forma, procuramos compreender se a transposição teatral foi o fator determinante à montagem ou se a presença do teatro dialogou mais com o contexto de produção através do enredo do filme. Sem procurar ocultar suas origens teatrais, O Ébrio parece colocar de maneira intencional o teatro em primeiro plano como forma de manter aberto o diálogo com o público.
Bibliografia
- BÁLAZS, Béla. Early film theory – Visibel man and the spirit of film. New York/Oxford: Berghahn Books, 2010.
BAZIN, André. O cinema: ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1991.
BOLTER, Jay David; GRUSIN, Richard. Remediation: understanding new media. Cambrigde: MIT Press, 2000.
CLÜVER, Claus. “Inter textus/ inter artes/ inter media”. Aletria, Belo Horizonte, v. 14, p. 10-41 jul./dez., 2006.
PIZOQUERO, Lucilene Margarete. Cinema e gênero: a trajetória de Gilda de Abreu (1904-1979). Dissertação (Mestrado em Multimeios). Campinas: Instituto de Artes, Unicamp, 2006.
RAJEWSKY, Irina. “A fronteira em discussão:o status problemático das fronteiras midiáticas no debate contemporâneo sobre intermidialidade”. In: DINIZ, Thaïs Nogueira; VIEIRA, André Soares. Intermidialidade e estudos interartes: desafios da arte contemporânea 2. v. 2. Belo Horizonte: Rona Editora: Fale/ UFMG, 2012.