Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    camila machado garcia de lima (UnB)

Minicurrículo

    Bacharel em Comunicação/Cinema pela Universidade de Brasília e especialista em som pela Escuela Internacional de Cine y TV de Cuba. Atualmente é mestranda na Universidade de Brasília no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação na linha de Imagem, Som e Escrita. Seus principais trabalhos com som são o projeto Sonário do Sertão (http://sonariodosertao.trotoar.com.br/), os curtas Mariana não vai à Praia, Ameaçados e Do Corpo da Terra e os longas Ressurgentes e Branco Sai, Preto Fica.

Ficha do Trabalho

Título

    SONÁRIO DO SERTÃO: experiências sonoras no sertão nordestino

Resumo

    Esta pesquisa investiga o imaginário sonoro a partir de um acervo de sons registrados pelos sertões da Bahia e Pernambuco pela própria pesquisadora. Entendendo o som como caminho epistêmico para os estudos na comunicação e tendo como alicerce noções como a cultura do ouvir, paisagem sonora, sonosfera e sonoridade dos espaços, esta pesquisa pretende realizar um inventário sonoro da região e entender sua importância afetiva, cultural e social.
    Palavras-chave: imaginário, sertão, cultura do ouvir.

Resumo expandido

    Esta pesquisa investiga um acervo de sons captados nos sertões de Pernambuco e da Bahia, no período de maio a outubro de 2017 em territórios campesinos. Estes sons são um caminho epistêmico para os estudos na comunicação, e o alicerce da pesquisa são as noções da cultura do ouvir, paisagem sonora e sonosfera. O objetivo é realizar um inventário de sons da região, a partir da importância afetiva, cultural e social do imaginário sonoro.
    A cultura do ouvir de Norval Baitello destaca na sociedade atual a exacerbação da imagem e da visibilidade e “podemos suspeitar que estamos dispensando os outros sentidos que não a visão”, numa espécie de surdez voluntária, estaríamos nos tornando “surdos que têm a capacidade de ouvir, mas que não querem, não têm tempo ou então não dão atenção ao que ouvem” (BAITELLO, 2005, pg 99). Com a noção de paisagem sonora (SCHAFER, 2006), Schafer nos propõe a necessidade de escutá-la com atenção, deixá-la nos afetar e também mudá-la conforme nossas experiências. Complementando, Sloterdijk traz a sonosfera num papel importante na partilha do mundo interior: “trata-se da comunidade auditiva constitutiva que integra os humanos em um anel não objetivo de mútua acessibilidade. A intimidade e a publicidade têm na audição, o órgão que as interliga.” (SLOTERDIJK, 2016, pd 470). Assim, esta pesquisa se baseou na comunidade sonosférica, essa “redoma acústica que cobre todo o grupo”, para pensar, identificar, significar e construir o Sonário do Sertão.
    Dos sons escutados durante as viagens pelo sertão, pudemos classificá-los em Memórias e Narrativas, Festas e Tradição, Cotidiano e Paisagens. Dos últimos, o mais comum é o de pássaros. O costume de plantar frutíferas próximo à casas, além de facilitar a colheita dos frutos, seria considerado por Schafer uma maneira de tratar acusticamente sua paisagem sonora: o som de passarinhos ao redor da casa desperta e as anima desde o amanhecer. No livro “Sound and Sentiment” ao analisar os hábitos sonoros de habitantes da Papua Nova Guiné, Steven Feld afirma que os “pássaros são importantes na demarcação do espaço social” (FELD, 1982, pg 61, nossa tradução), então jamais são caçados próximos aos vilarejos e a presença dos pássaros, das árvores e dos seus sons são escutados atentamente.
    Objetivamente, não existe na atmosfera terrestre algo como silêncio (CAGE, 1960). O silêncio pode ser considerado um estado psicológico que permite entrar numa frequência harmônica com os sons ao redor e com si mesmo, para que os pensamentos fluam. Daí não estamos tratando o silêncio como ausência de sons mas sim de seu potencial simbólico. “O silêncio […] não pode ser compreendido simplesmente pela ausência de sons, senão que se constitui como um ambiente audível, capaz de estimular o ouvinte até uma vivência dos sons como silêncio.” (SPINOLA, 2016, pg 73).
    Este silêncio é o que se pode encontrar no sertão quando Seu Zé de Citonho senta no fim da tarde debaixo do umbuzeiro e escuta “silenciosamente” o canto das guinés indo dormir um pouco assustadas com o vôo de um gavião. Da escuta, pode-se partir para uma significação, formação de sentido cotidiano e mágico que organiza de alguma maneira as vivências. Não é raro escutar que sons são associados à chegada da chuva, tão desejada no semi-árido brasileiro, ou à mal-agouro.
    Também comum nas conversas no sertão é entrarem cantos ou ruídos no meio das narrativas. A história inclui um canto que conta uma história. O cantar e o contar se embaralham numa coisa só. Talvez seja nessas conversas/entrevistas onde mais se misture essa possibilidade de que sons e memória sejam a mesma coisa.
    A partir da pesquisa de campo e da análise dos mais de 2 mil arquivos sonoros foi possível esboçar um painel do imaginário sonoro, fragmentado em determinados territórios e poéticas da experiência afetiva e intuitiva no sertão. Um recorte que foi dado a partir da pesquisa, dos encontros e colheitas no campo e de percepções pessoais e conceituais durante o processo.

Bibliografia

    BAITELLO JUNIOR, Norval. A era da iconofagia: ensaios de comunicação e cultura. São Paulo: Hacker, 2005.
    CAGE, John. Silence. Connecticut: Wesleyan University Press, 1960.
    DANTAS, Zé. Acauã. Música interpretada por Luiz Gonzaga. 1952.
    FELD, Steven. Sound and sentiment: birds, weeping, poetics and song in Kaluli expression. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.
    SCHAFER, Murray. Hacia una educación sonora. México: Radioeducación. 2006
    SLOTERDIJK, Peter. Esferas – Volume I – Bolhas. São Paulo: Estação Liberadde, 2016.
    SPINOLA, Luiza. Áudio-imagem. Tese de Doutorado em Comunicação e Semiótica. PUC-SP.