Ficha do Proponente
Proponente
- Laécio Ricardo de Aquino Rodrigues (UFPE)
Minicurrículo
- Professor adjunto do Departamento de Comunicação Social, vinculado ao Bacharelado em Cinema e Audiovisual, e do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFPE
Ficha do Trabalho
Título
- A imaginação no poder? Olhares sobre o Maio de 1968 parisiense
Resumo
- Nesta apresentação, pretendemos avaliar três documentários que abordam o Maio de 1968 parisiense, buscando mapear suas ressonâncias estéticas e políticas, bem como identificar as estratégias singulares mobilizadas por cada cineasta. São eles: Morrer aos 30 anos (1982), de Romain Goupil; Noites longas e manhãs breves (1978), de William Klein; e No intenso agora (2017), de João Salles.
Resumo expandido
- Se admitirmos que os eventos de 1968, mais especificamente a convulsão que tomou conta das ruas parisienses no meses de maio e junho, integram parte dos acontecimentos políticos emblemáticos do século XX, é natural que seu legado seja revisado continuamente, no intuito de entender sua singularidade e desdobramentos futuros. O ano de 1968, não resta dúvidas, instiga curiosidades, divide opiniões e gera disputas históricas e narrativas ante o seu espólio. Assim, uma espécie de batalha hermenêutica parece lhe circunscrever (Cardoso, 1998; Araújo, 2010), sobretudo diante de efemérides – neste caso, a celebração dos seus 50 anos.
Deste modo, cada geração tem interrogado 1968 ao sabor de suas urgências, ora incensando, ora recusando sua herança. E, como indica Cardoso (1998), o recorrente nesta prática é o silenciamento das ambiguidades e o mascaramento do presente a partir do qual o evento é reelaborado – a não explicitação da intencionalidade que preside tal releitura. De qualquer modo, seja qual for a chave interpretativa acionada, o importante é entendermos que o que se rememora nestas efemérides são construções parciais, uma vez que seus sentidos complexos são impossíveis de ser assimilados por um presente que desconhece suas demandas.
Mas sendo maio de 1968 um acontecimento de grande magnitude, também é natural que a arte cinematográfica seja influenciada por suas agitações e que muitos diretores, em algumas obras, tenham promovido reflexões sobre a efervescência do período. Assim, a lista de títulos que se vincula, direta ou indiretamente, a este episódio é extensa, bem como difere a forma de abordagem – menções explícitas, referências menos óbvias, filmes rodados no ápice das mobilizações, obras revisionistas e até mesmo produções prospectivas (realizadas antes do Maio de 68, mas que já indicavam uma atmosfera de inquietação, de insatisfação).
Na impossibilidade de avaliar tamanha herança fílmica, opto por mensurar aqui as estratégias mobilizadas por três diretores em três documentários que, em maior ou menor profundidade, discutem o maio parisiense. São eles: Morrer aos 30 anos (1982), de Romain Goupil; Noites longas e manhãs breves (1978), de William Klein; e No intenso agora (2017), de João Salles. Neste exercício analítico, desejo mapear suas ressonâncias estéticas e políticas, bem como apontar suas singularidades. A predileção pelo método comparativo, reitero, visa enriquecer o trabalho interpretativo, uma vez que permite identificar as proximidades e contrastes (reverberações e ruídos) na tríade indicada.
Embora cada obra tenha sido lançada num período bem posterior às insurreições de 1968, sendo o filme de Salles a produção mais recente, cabe destacar que ambas investem, de modo mais ou menos enfático, numa reavaliação dos eventos daquele ano, sobretudo dos episódios parisienses, sugerindo uma espécie de curva analítica que vai da utopia ao desencanto. Ou seja, de um contexto de claro entusiasmo político ao subsequente esvaziamento da militância frente à reação conservadora da sociedade francesa e às próprias contradições do movimento.
Amparado na estilística do cinema direto, o filme de Klein se concentra exclusivamente nos acontecimentos ocorridos em Paris, nos proporcionando uma imersão em sua contundência diária (assembleias, debates, piquetes, enfrentamentos com a polícia…). Já o trabalho de Goupil, com ênfase na enunciação em 1a pessoa, é uma reflexão sobre a geração do diretor e a passagem para a vida adulta, com seus abandonos inevitáveis, mas também uma reavaliação dos anos de luta e de engajamento (neste balanço, desponta um evidente entusiasmo, mas a autocrítica não é negligenciada). Lançado às vésperas do 50 anos das agitações de 1968, o filme de Salles é quase um lamento ante as múltiplas primaveras que afloraram naquele ano, mas que foram sufocadas por uma espécie de revanche conservadora.
Bibliografia
- ARAÚJO, Maria Paula; e FICO, Carlos. 1968 – 40 anos depois: História e Memória. Rio de Janeiro: Editora 7 Letras, 2010.
ARENDT, Hannah. Sobre a violência. 3ª edição. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
BOLTANSKI, Luc; e CHIAPELLO, Êve. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
CARDOSO, Irene. “68: a comemoração impossível”. In: Tempo Social, São Paulo, v. 10, n. 2, p. 1-12, out. 1998. Disponível em . Acesso em 25 mar. 2017.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. “Maio de 68 não ocorreu”. Revista Trágica, Rio de Janei-ro, v. 8, n. 1, p. 119-121, 2015. Disponível em: . Acesso em: 17 abril 2017.
DIDI-HUBERMAN. Georges. Diante do tempo. Belo Horizonte: EDUFMG, 2015.
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: O breve século XX. 2ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
MATOS, Olgária. “Tardes de maio”. Tempo Social, São Paulo, v. 10, n. 2, p. 13-24, 1998. Disponível em: . Acesso em: 29 out. 2017.