Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Erick Felinto de Oliveira (UERJ)

Minicurrículo

    Erick Felinto é Doutor em Literatura Comparada pela UERJ/UCLA e tem Pós-Doutorado em Estudos de Mídia pela Universität der Künste Berlin. É pesquisador do CNPq e professor associado na UERJ, onde realiza pesquisas sobre cinema e cibercultura. É autor dos livros Avatar: o Futuro do Cinema e a Ecologia das Imagens Digitais (Sulina, com Ivana Bentes) e O Explorador de Abismos: Vilém Flusser e o Pós-Humanismo (Paulus), entre outros.

Ficha do Trabalho

Título

    Cinema Tentacular: Poéticas das Profundezas e a Imagem do Octópode

Seminário

    Cinema comparado

Resumo

    Pretende-se examinar uma série de diferentes obras nas quais os cefalópodes podem ser pensados como criaturas particularmente “cinematográficas”. Das representações populares, em filmes como The Navigator (1924), aos documentários, como Hunt for the Giant Squid (2011), ou a trabalhos experimentais, como Mon Homme (Poulpe) (2016), a meta deste percurso será esclarecer, por uma via “tentacular”, por que razão a animalidade constitui uma das vias de acesso privilegiadas ao cinema, segundo Bellour.

Resumo expandido

    Que fazer da curiosa afirmativa de mão dupla de Bazin, segundo a qual “o cinema nos ensina a conhecer melhor os animais”, e os filmes de animais, por sua vez, “nos revelam o cinema”? (apud Bellour, 2009, p. 537) Nessa tese singular, Bazin aponta para uma estranha relação inata entre cinema e natureza. Isso porque o olhar da câmera penetra na natureza de um modo que é inacessível ao olho humano. A partir dessa ideia, não seria possível sugerir – e explorar em profundidade – a existência de um vínculo secreto entre cinema, arte e a apresentação da natureza nas telas?
    De fato, em obras como a de Jean Painlevé tais vínculos se manifestam com uma força particular. Em seus documentários sobre a vida animal, Painlevé combinou o discurso da ciência com a potência estética do surrealismo e das experimentações das vanguardas. Ali, ciência se torna uma espécie de ficção do real, e o animal se converte em ser mágico que ajuda a revelar a magia do cinema. Nesse peculiar interesse pelo mistério animal, destacam-se as criaturas marinhas e, talvez, mais particularmente, os octópodes, personagem fundamental de trabalhos como La Pieuvre (1928), Amours de la Pieuvre (1965) e Le Vampire (1945). No segundo filme, como fazia com frequência, Painlevé inclusive antropomorfiza o polvo, ao descrever seus códigos comunicacionais como se a pele do cefalópode fora uma tela de cinema: “os estados de espírito do polvo são revelados por suas tonalidades mutáveis […] experimentos mostraram que ele lembra coisas, reconhece coisas, e pode adaptar-se à sociedade. Ele se sente ofendido com ovos podres e irá lança-los de volta em sua direção violentamente, colorindo-se de branco com raiva” (Painlevé, 2000, p. 95).
    Curiosamente, essa ideia do corpo do molusco como tela já foi desenvolvida tanto em textos científico-acadêmicos (Cf. Godfrey-Smith, 2016, p. 108) quanto em ensaios ficcionais nos quais a ciência é acoplada à literatura e à imaginação fabulatória (Cf. Flusser, 2002, p. 62). Flusser chega mesmo a descrever o mundo urdido pelo cefalópode protagonista de sua fábula filosófica Vampyrotuethis Infernalis (1987) com elementos que poderiam ser considerados como propriamente cinematográficos: “a noite eterna do Vampyroteuthis se enche de feixes coloridos e sons, que emergem dos seres vivos. Um eterno espetáculo de cor e som (ein ewiges Farb- und Tonspiel), um “son et lumière” de extraordinária riqueza (…) Um ruidoso jardim, que o Vampyroteuthis, por sua própria vontade, ilumina, de modo a saborear seus frutos em beleza” (Flusser, 2002, p. 36).
    Esse fascínio com os cefalópodes, que sempre inspiraram a fabulação cinematográfica, tanto no campo da ficção como no do documentário, parece hoje alcançar seu apogeu. O interesse pelos seres tentaculares, criaturas das profundezas sombrias que muitas vezes iluminam seu meio ambiente por meio de mecanismos de bioluminescência, emergiu com força total na superfície da cultura contemporânea. Multiplicam-se os títulos que tomam os polvos como protagonistas de uma odisseia da inteligência e da consciência (Sagarin, 2012; Montgomery, 2015; Godfrey-Smith, 2016; Courage, 2013). Neste trabalho, pretende-se examinar comparativamente uma série de obras nas quais os cefalópodes podem ser pensados como criaturas particularmente “cinematográficas”. Das representações populares, em filmes como The Navigator (1924), aos documentários, como Hunt for the Giant Squid (2011), ou a trabalhos experimentais, como Mon Homme (Poulpe) (2016), a meta deste percurso será esclarecer, por uma via “tentacular”, por que razão a animalidade constitui uma das vias de acesso privilegiadas ao que Raymond Bellour chama de “o corpo do cinema” (2009). Mais que isso, almeja-se explorar as razões do caráter particularmente cinematográfico dos octópodes, animais que alimentaram continuamente a arte com suas potências sensuais e sua força imagética.

Bibliografia

    Bellour, Raymond (2009). Le Corps du Cinéma: Hypnoses, Émotions, Animalités. Paris: P.O.L.
    Bellows, Andy M. & McDougall, Marina (2000). Science is Fiction: the Films of Jean Painlevé. New York: Brico Press.
    Burt, Jonathan (2002). Animals in Film. London: Reaction Books.
    Courage, Katherine Harmon (2013). Octopus! The Most Mysterious Creature in the Sea. New York: Penguin.
    Flusser, Vilém & Bec, Louis (2002). Vampyrotheutis Infernalis: eine Abhandlung
    samt Befund des Institut Scientifique de Recherche Paranaturaliste. Göttingen: Hubert & Co.
    Godfrey-Smith, Peter (2016). Other Minds: the Octopus, the Sea, and the Deep Origins of Consciousness. New York: Farrar, Straus and Giroux.
    Lippit, Akira Mizuta (2000). The Elecric Animal: Towards a Rethoric of Wildlife. Minneapolis: Minnesota University Press.
    Montgomery, Sy (2015). The Soul of an Octopus: a Surprising Exploration into the Wonder of Counsciousness. New York: Atria.
    Sagarin, Rafe (2012). Learning from the Octopus. New York: Basic.