Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Andressa Caires Pinto (UFJF)

Minicurrículo

    Andressa Caires Pinto é mestranda na linha de Cinema e Audiovisual pelo PPG-ACL/UFJF, em que pesquisa o conceito de metaimagens nos documentários de Rithy Panh. Graduada em museologia pela UFOP, foi roteirista de documentários para o canal TVJustiça, abordando temas como população carcerária brasileira, audiência de custódia, leis trabalhistas, entre outros.

Ficha do Trabalho

Título

    A catástrofe do agora em A Terra das Almas Errantes

Seminário

    Cinemas pós-coloniais e periféricos

Resumo

    A proposta desta comunicação é analizar o filme A Terra das Almas Errantes (1999), de Rithy Panh, sob a ótica do conceito de testemunho como fonte documental para compreensão dos impulsos de resistência do Camboja pós-colonial. O cinema como instrumento de reflexão sobre o cotidiano do cambojano em busca da retomada de consciência social. Uma representação que denuncia o peso de um passado recente e o contexto de miserabilidade cujos agentes ainda se encontram à deriva de sua própria história.

Resumo expandido

    Interrompidos por três sucessivas guerras, cambojanos fazem do testemunho um elemento mobilizador em torno de diversos aspectos da vida pessoal. Ao ilustrar elementos autênticos sobre a fragilidade do Camboja pós-colonial, o filme A Terra das Almas Errantes (1999) de Rithy Panh alerta sobre as formas de exploração imposta pelas mídias corporativas, o caráter clandestino das ofertas de emprego e o desespero de inúmeras famílias que enfrentam longas e exaustivas jornadas de trabalho para continuarem sem qualquer garantia de dignidade e/ou progresso.
    Ao constituir uma amostragem nacional, o testemunho revela sobre as diferentes categorias de exploração ainda sofrida pelos personagens. Enquanto subtextos simultâneos e sobrepostos, narram as dificuldades de um cotidiano incapaz de se dissociar do passado, ‘onde o encontro com o real é sempre traumático.’ (SELIGMANN, 2000, p.86). São personagens à deriva de qualquer transformação social significativa.
    A narrativa, neste sentido, torna-se instrumento de engajamento na fase embrionária da retomada da consciência social. Se por um lado, a narrativa é capaz de inserir um diálogo sobre os valores da sociedade civil, cujos relatos devem responder ‘a transformação da realidade e a melhoria da condição humana’ (ALEA, 1984, p.30); por outro, faz uma critica ao imperialismo midiático e aos efeitos da globalização cultural nas culturas nacionais. Se os aparelhos institucionais anunciavam um princípio de democracia no Camboja, esta narrativa fílmica, inescapavelmente, traz um mundo tingido de crenças, desejos, concepções e objetivos ainda fictícios na esfera pública, onde a ‘coerência do propósito ordena a escolha das imagens’. (FERRO, 1992, p. 74)
    Este procedimento de escritura tem como marco inicial o cinema humanista de Marcel Ophüls, que o inaugura um ano após Maio de 1968. Em Le Chagrin et La Pitie (1969), Ophüls confronta o discurso das imagens com os discursos textuais, e assim, denuncia através da memória coletiva da cidade de Clermont-Ferrand, ‘as contradições da França ocupada, um país acovardado e pronto para a colaboração com o invasor alemão, para, em seguida, assumir, indevidamente, o papel histórico de resistente’ (TEIXEIRA, 2004, p. 11). O jornalista Paulo Francis publica, em novembro de 1972, um ensaio no semanário O Pasquim sobre a recepção do filme em Nova York, e sobre as forças reacionárias que ressurgem através do caráter investigativo do documentário. A rigor, ele consiste em apresentar, no decorrer da narrativa, fontes contestadoras ao tema para atingir uma certa precisão sobre os desdobramentos da ocupação nazista em território francês.
    O franco-cambojano Rithy Panh, de maneira análoga, é descendente desta linguagem. Diferentemente de Ophüls que busca retomar as circunstâncias da II Guerra num contexto pós-guerra, Panh observa um passado que é também presente. O isolamento entre as comunidades e a restrita escolarização são algumas das causas que intensificam as distâncias culturais entre sociedade e Estado, propiciando assim, a proliferação de subculturas internas (GELLNER, 1996). Um cinema de resistência e reflexivo, portanto, busca reaproximar estas partes, bem como, denunciar a despreocupação dos conglomerados transnacionais para com a democracia, o meio ambiente social e os direitos humanos.
    Por fim, o que o documentário Panh sinaliza são as duas atitudes textuais historicamente construídas no embate entre Oriente e Ocidente pela indústria cultural, e que podem ser compreendidas em suas respectivas tramas. Se o sucesso do Ocidente no Oriente se deu majoritariamente através de projeções e narrativas que buscavam institucionalizar vantagens ao colonizador, a narrativa terceiro-mundista elabora não apenas o conhecimento sobre a natureza destes discursos, mas também, a própria realidade que ela pretende descrever. Com o tempo, tal conhecimento e realidade produz a tradição, (…) composta por unidades de informações pré-existentes (SAID, 1978, p. 9).

Bibliografia

    ALEA, Tomás Gutiérrez. Dialética do espectador. São Paulo: Editora Summus,1984.
    EISENSTEIN, Sergei. A forma do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
    FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
    FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
    FRANCIS, Paulo. Paulo Francis Nu e Cru. Coleção Edições do Pasquim (vol.7). Rio de Janeiro: Editora Codecri, 1976.
    GELLNER, Ernest. Nações e nacionalismos. Lisboa: Gradiva, 1993.
    MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. São Paulo: Brasiliense, 1990.
    SAID, Edward. Crisis. IN: Orientalism. New York: Pantheon, 1978.
    SELIGMANN-SILVA, Marcio e NESTROVSKY, Arthur. Catástrofe e Representação: ensaios. São Paulo: Escuta, 2000.
    SHOHAT, Ella e STAM, Robert. Crítica da imagem eurocêntrica. Multiculturalismo e representação. São Paulo: Cosac Nasfy, 2006.
    TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. Guerras e cinema: um encontro no tempo presente. Rio de Janeiro: Tempo, nº 16, pp.93-114,