Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Régis Orlando Rasia (UNICAMP)

Minicurrículo

    Doutorando em Multimeios pela UNICAMP. Professor do Bacharelado em audiovisual do SENAC- Santo Amaro- SP

Ficha do Trabalho

Título

    Mise-en-presença em um vídeo-ensaio de Rogério Sganzerla.

Resumo

    América, o grande acerto de Vespúcio, é um vídeo de 1992, de Rogério Sganzerla, captado inicialmente como uma espécie de laboratório para O signo do caos (2003). Por intermédio da atuação do ator Otávio Terceiro, trata-se de uma experiência audiovisual que enfatiza a construção da mise-en-scène do ator, sobretudo convalidada pela presença do próprio realizador na imagem.

Resumo expandido

    Como uma conjugação do teatro, cinema e literaturas de viagens, o palco das ações é sustentado pelo corpo do ator Otávio Terceiro (na figura do colonizador português Américo Vespúcio). O que nos salta aos olhos neste vídeo de Sganzerla é a imbricação dos diversos corpos na mise-en-scène, unidos a tecnologia eletrônica da câmera portátil.
    Aqui, de modo singular, pode-se pensar a respeito da relação do diretor com os seus atores, incluindo o próprio diretor como parte desta mise-en-scène, de modo especial a forma como sua presença procura invadir o quadro para protagonizar a obra como um relacional da cena.
    Analisando a respeito da presença do realizador na imagem, e dividindo o vídeo em dois blocos distintos, logo na abertura, ouve-se a voz over do diretor, incorporando as visões de um navegador posto a investigar as paisagens naturais brasileiras. Com imagens do litoral, o aporte que se tem é o de um olhar ampliado sobre os limites aparentes do visionamento deste personagem, nas bordas de uma imagem, entre o começo do continente e o término da praia. Em América… pouco a pouco, Sganzerla vai ampliando o olhar da cena e do palco, para este fim, toma como base, novamente, várias acepções que lhes são caras ao seu estilo, sobretudo as narrativas de viagens e o olhar do viajante desterritorializado.
    No segundo bloco, a presença do diretor não se encerra apenas com a inserção da sua voz; ao contrário, se amplia e se expande. Sganzerla toma como base a improvisação de Otavio Terceiro, repete as cenas, intervém e constrói o que seria um vai-e-vem da sua voz interveniente na encenação do ator. Fora de quadro, a voz do diretor invade a cena, a fim de modular e instigar a atuação do ator; este, por sua vez, busca mergulhar em seu personagem, assim como o seu diretor toma como base trechos da carta do navegador para mobilizar ações e gestos da performance de Terceiro.
    Se no primeiro bloco de América… Sganzerla insere-se como uma voz, partindo da sua imagem no corpo sonoro, já no segundo bloco ele absorve esta voz e corpo, mostrando a transformação dos demais corpos na cena, enquanto a modulação da encenação se mostra e vai sendo modelada no filme como um fora de quadro. Portanto, do outro lado da imagem, Sganzerla, este outro de fora, incutido na ação e na cena, busca provocar e convocar atuações que impelem Otavio Terceiro a navegar pelos textos de Américo Vespúcio.
    Embora a noção de presença no cinema possa parecer instigante, é igualmente um termo elástico e abrangente. Para tanto, circunscreve-se algumas fundamentações teóricas que orientam esta análise sob a luz do conceito de mise-en-presença. Afim de singularizar o processo de criação de Sganzerla, o conceito consiste em pensar, em um primeiro intervalo, na vontade do realizador em se fazer corpo na própria obra cinematográfica, além de consolidar um desdobramento da condição materializada dos corpos mediados com a câmera, ou seja, parte da mise-en-scène. Contudo, chamo de mise-en-presença esta inscrição de Sganzerla na cena (de modo específico a sua presença em certos intervalos da imagem de seus filmes), partindo sempre da centralidade da sua subjetividade como uma relação entre os corpos (atores, câmeras e o dispositivo expandido do espaço), até chegar e se complementar com a montagem.
    A mise-en-presença no cinema consiste, então, no modo como o realizador passa a ocupar os espaços que são próprios do meio: o quadro sob as cercanias da imagem e do som. No caso de Sganzerla, a carga da compleição das figuras no vídeo, surgem como uma ocupação e da expansão dos espaços, nas adjacências da imagem e passando pelo quadro composto por corpos, nos ecos dos encontros e nas trocas de afetos e afecções expansíveis às formas. Em relação ao emprego da pratica do ensaísmo em suas obras, a sua presença se acusa como uma poética, em diferentes modos de enunciação, aprazível à subjetividade que se ocupa do pensamento na (e com a) imagem.

Bibliografia

    DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. Tradução de Mateus Araújo da Silva. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
    WEINRICHTER, Antonio. Um conceito fugidio. Notas sobre o filme-ensaio. In: TEIXEIRA, E. O ensaio no cinema: formação de um quarto domínio das imagens na cultura audiovisual contemporânea. Tradução de Régis Rasia. São Paulo: Hucitec, 2015. p. 42-91.
    TEIXEIRA, Francisco. Elinaldo. O ensaio no cinema: formação de um quarto domínio das imagens na cultura audiovisual contemporânea. São Paulo: Hucitec, 2015. 403 p.
    CORRIGAN, T Timothy. O filme-ensaio. Tradução de Luís Carlos Borges. Campinas: Papirus, 2015. 223 p.
    SGANZERLA, Rogério. Papel do ator. Jornal Folha de São Paulo, São Paulo, 14 julho 1980. 20.
    BERNARDET, Jean-Claude. A subjetividade e as imagens alheias: ressignificação. In: GIOVANNA, B. Psicanálise, cinema e estáticas de subjetivação. Rio de Janeiro: Imago, 2000. p. 21-44.