Trabalhos Aprovados 2018

Ficha do Proponente

Proponente

    Marcus Vinicius Fainer Bastos (PUC-SP)

Minicurrículo

    Marcus Bastos é professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Publicou os livros Limiares das Redes (Intermeios, 2014) e Cultura da Reciclagem (Noema, 2007 ebook), além de organizar Cinema Apesar da Imagem (com Gabriel Menotti e Patricia Moran, Intermeios 2016) e Mediações, Tecnologia, Espaço Público: panorama crítico da arte em mídias móveis (com Lucas Bambozzi e Rodrigo Minelli, Conrad, 2010).

Ficha do Trabalho

Título

    Maio. Dezembro. Sessenta e Oitos.

Seminário

    Interseções Cinema e Arte

Resumo

    Uma leitura em imagens de 1968, ano de acontecimentos discrepantes, dos protestos de estudantes e trabalhadores, como o Maio em Paris, ao acirramento de Ditaduras ao redor do mundo. No Brasil, o ano termina com as vaias em rede nacional à Caetano Veloso, no III Festival Internacional da Canção, e a assinatura do AI-5. Um roteiro visual, em diálogo com as mnemosynes de Warburg e os pensamentos e práticas de montagem em cineastas como Eisenstein e Godard.

Resumo expandido

    Channe canta o livro vermelho que faz tudo se mover, no início de A Chinesa. Duschke e Salvatore fitam a polícia, na foto de Ruetz. Sander faz agit prop brechtiano, juntando passado e presente da contestação ao autoritarismo na Alemanha. Conh-Bendit sorri para um policial, na conhecida imagem de Haillot. Os planos seqüência do coletivo Cinélutte percorrem os supermercados franceses e procuram inventar avessos da sociedade de consumo.

    Na introdução de Le Cinema de Mai 68, Leboutte afirma: “No cinema, maio de 68 dura treze anos, foco de intensa atividade /…/ estimulada pelas múltiplas oposições às políticas de retorno à ordem conduzidas por Pompidou e Giscard”. Ele refere-se ao já citado coletivo Cinélutte, criado em 1973 como associação secundarista e estudantil sem financiamento. Seus filmes tornam-se testemunho da luta política no país. Roteiro, filmagem e edição são questionados, em processos comunitários de fazer filmes cujos gêneros também fogem ao convencional. Em Un an aprés, Wazemsky romanceia a dinâmica de assembléia do Groupe Dziga Vertov, em busca de um cinema que não seja político só nos temas, mas nas práticas sem hierarquia durante a realização de obras experimentais como Le Vent d’est.

    No Brasil, os trezes anos entre 1968 e 1981 testemunham o longo estado de exceção. As imagens da época são de TV. Entre novelas, surgem cenas de documentos assinados em gabinetes e generais desfilando fardados. Há poucas imagens da luta contra a Ditadura Militar. Um exemplo é a Guerrilha do Araguaia, contraponto rural das imagens urbanas européias, que associam terrorismo com cenas de janelas estilhaçadas e carros torcidos. Nas poucas imagens disponíveis, aparecem guerrilheiros em comunhão com moradores, em trabalho comunitário de base, ou corpos estirados em valas. Também há cenas de terrorismo urbano, associadas à clandestinidade em que esquerda da época é obrigada a viver. Só depois de encerrado o ciclo autoritário é que o cinema brasileiro vai enquadra a ditadura, em documentários como Clandestinos (Moran), 15 Filhos (Oliveira e Nehring) e filmes de ficção como Ação entre Amigos (Brant).

    As mnemosynes de Warburg são precursoras do pensamento por montagem praticado por cineastas como Eisenstein ou Godard. Além de apresentar os temas descritos, o roteiro visual proposto reflete sobre questões da prática audiovisual: como se dá o pensamento audiovisual? Qual o papel da montagem na apresentação de ideias abstratas por meio de cenas e sons? Ao discutir procedimentos de montagem pela leitura visual de 1968, também ficam evidentes linhas de continuidade com o presente. São outros tempos, menos marcados por imagens de líderes e porta-vozes (sejam de esquerda ou direita). Mas os modos de representar a luta na esfera pública não mudam muito, no atual contexto de escalada conservadora. Ao observar o contraste entre as imagens que se apresentam nos dois sessenta e oito, é possível mapear contradições que perduram. Será que sua permanência revela um mundo que gira em falso em torno dos mesmos problemas de sempre?

    Bombas caseiras, bombas de gás lacrimogênio. Coquetéis molotov, tanques de guerra. Máscaras, capacetes, escudos. Rifles. Explosões, slogans em muros e cartazes. Assembléias. As representações das armas e comportamentos do estado e da sociedade civil parecem não dar conta do que representam. As câmeras tornam-se armas que enquadram possibilidades há pouco inconcebíveis. Assembléias. As assembléias registradas pelo Cinélutte, por exemplo os debates em torno da criação de um curso de cinema em Vincénnes — que abrem Ce n’est qu’un début, continuons le combat de Claudia von Alemann — mostram um esforço de esticar ao máximo os limites da democracia. É o oposto das imagens que vemos em outras assembléias também notórias: as casas legislativas brasileiras, que associam política com corrupção e autoritarismo. Não há melhor exemplo de que palavras e imagens mudam de sentido conforme o contexto, a principal das lições de montagem.

Bibliografia

    Baitello Junior, Norval. A maça e o holograma da maça: sobre corpos, imagens, escritas,
    fios e comunicação, in: A serpente, a maça e o holograma. Esboços para uma
    Teoria da Mídia. São Paulo: Paulus, 2010.
    Deleuze, Gilles. O pensamento e o cinema, in: A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 2007.
    Dubois, Philippe. Godard, cinema, vídeo. São Paulo: Cosacnaify, 2004.
    Le Cinema de Mai 68 (vols. 1 e 2). Paris: Editions Montparnasse, 2009.
    Samain, Etienne. As Mnemosynes de Aby Warburg: Entre Antropologia, Imagens e Arte,
    in: revista Poiésis, n. 17, p. 29-51, Jul de 2011.