Ficha do Proponente
Proponente
- Luíza Beatriz Amorim Melo Alvim (UFRJ)
Minicurrículo
- Doutora em Comunicação pela UFRJ com período sanduíche na Universidade Paris 3 sob orientação de Michel Chion e doutora em Música pela UNIRIO. Atualmente, faz pós-doutorado em Música na UFRJ com pesquisa sobre a música preexistente no Cinema Moderno. É membro do Conselho Deliberativo da SOCINE, vice-coordenadora do GP Cinema da INTERCOM, coordenadora do grupo “Cinema e audiovisual na América Latina” da ALAIC e organizadora da Jornada Interdisciplinar de Som e Música no Audiovisual (JISMA).
Ficha do Trabalho
Título
- Voz over e colagens musicais em documentários de Marker e Varda
Seminário
- Estilo e som no audiovisual
Resumo
- Analisamos documentários de cineastas da Margem Esquerda da Nouvelle Vague francesa com predominância de voz over e presença de música preexistente, especialmente Carta da Sibéria (Chris Marker, 1958) e Elsa la Rose (Agnès Varda, 1965), investigando a relação entre os elementos sonoros e imagéticos. Nesses filmes, a voz over é signo de modernidade e a música preexistente faz parte de uma colagem musical, sendo que ambos os elementos sonoros se relacionam de modo irônico ou cômico com as imagens.
Resumo expandido
- A partir do final dos anos 40, na França, desenvolve-se um tipo de produto audiovisual bem característico: o documentário curta ou média-metragem à base de música constante e voz over, estilo que teve em Alain Resnais um de seus grandes expoentes. Embora a voz over fosse associada a documentários tradicionais do modo expositivo (NICHOLS,2005) – a chamada “voz de Deus” -, em diversos documentários dessa época na França, a voz over e seu modo de construção se tornam signo de modernidade. No caso da música, embora Resnais tenha investido em compositores de música original, o uso de compilações musicais preexistentes foi uma maneira empregada por outros diretores para baratear custos, além de que propiciava uma colagem de referências musicais por vezes em relação direta com o texto. Vamos, então, privilegiar a análise de documentários de cineastas da chamada Margem Esquerda da Nouvelle Vague francesa que tenham a predominância desses dois elementos sonoros (voz over e inclusão de música preexistente), especialmente “Carta da Sibéria” (Chris Marker, 1958) e “Elsa la Rose” (Agnès Varda, 1965), investigando a relação entre esses elementos e deles com as imagens, atentando também para os atravessamentos dos filmes por diversas vozes. Não por acaso, tanto Marker quanto Varda são representantes do que se considera “cinema-ensaio” (LINS,2009).
Chris Marker teve na Literatura uma de suas importante origens artísticas, tendo se dedicado, por exemplo, a escrever guias de viagem fora dos padrões – e vários de seus documentários dessa época podem ser considerados travelogues inusitados, caso de “Carta da Sibéria”. Seus comentários over tinham um estilo bem característico, perceptível mesmo em filmes de outros diretores para quem escreveu (LUPTON,2005). Em pesquisa de pós-doutorado que fizemos sobre a música clássica preexistente em diretores da Nouvelle Vague nos anos 50 e 60, observamos que tal repertório não foi tão frequente no cinema de Marker, o que torna ainda mais curiosa a presença, em “Carta da Sibéria”, de todo o segundo movimento do Concerto n.3 para piano de Prokofiev, dividido em diversos fragmentos à maneira de Godard, além de um trecho da Sinfonia n.6 do mesmo compositor e, em especial, partes do mesmo movimento da Sinfonia n.5 de Schostakovitch na famosa sequência das mesmas imagens com diferentes trilhas sonoras. Todos esses trechos musicais conjuram uma imagem da Rússia (na época, URSS) tão admirada por Marker (VOSSEN,2016). Quanto à voz over, ela se dirige às imagens numa constante discussão de sua imputada objetividade, fazendo observações inusitadas e convocando as canções em russo sobre o rio ou animais, que interrompem a narrativa tal qual números musicais, como mais um elemento da colagem.
Em relação aos documentários de Agnès Varda, assim como nos de Marker, o texto do comentário over está em diálogo com a música, muitas vezes respondendo a ela ou atuando de maneira irônica ou cômica (GORBMAN,2012; BÉNÉZET,2014). “Elsa la rose” é um documentário sobre a escritora Elsa Triolet, a partir principalmente dos poemas do marido Louis Aragon (lidos por Michel Piccoli) e do comentário over lido pelo próprio Aragon, além de alguns trechos de entrevistas com Elsa (sua visão dos acontecimentos também é levada em conta). A música está presente quase o tempo todo, construída a partir de canções de Jean Ferrat (sobre poemas de Aragon) e de George Gershwin, de música orquestral preexistente do compositor russo Modest Mussorgsky, além de composições eletroacústicas de Simonitch. A peça de Mussorgsky funciona de modo semelhante às de Prokofiev e Schostakovitch no filme de Marker: utilizada em imagens de Lênin e da revolução, evocam a origem russa de Elsa. Duas das canções são ouvidas nas evocações do primeiro encontro de Elsa com Aragon no bar La Coupole, reencenado por Varda no presente, e as letras se relacionam com os sentimentos dos personagens.
Bibliografia
- ALVIM, L. A música clássica preexistente no cinema de diretores da Nouvelle Vague – anos 50 e 60. Tese (Doutorado em Música) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2017.
BÉNÉZET, D. The cinema of Agnès Varda: resistance and eclecticism. New York: Columbia University Press, 2014.
GORBMAN, C . Finding a voice: Varda´s early travelogues. SubStance, v.41, n.2, 2012.
LINS, C. O documentário entre a carta e o filme ensaio. In: MOURÃO, M. D.; SAMPAIO, R. (org.). Catálogo Marker bricoleur multimídia. Rio de Janeiro: CCBB, 2009.
LUPTON, C. Chris Marker: memories of the future. London: Reaktion Books, 2005.
MC MAHON, O. Reinventing the documentary: the early essay film soundtracks of Chris Marker. In:ROGERS, Holly (ed.). Music and sound in documentary film. New York: Routledge, 2015.
NICHOLS, B. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2005.
VARDA, A. Varda par Agnès. Paris: Cahiers du Cinéma, 1994.
VOSSEN, M. Chris Marker (le livre impossible). Paris : Le Tripode, 2016.