Ficha do Proponente
Proponente
- PABLO GONZALEZ RAMALHO (UFRJ)
Minicurrículo
- Pesquisador-doutorando na UFRJ, sob orientação de Anita Leandro, com uma análise da obra História(s) do Cinema. Coordenador de cineclube em botafogo desde 2011, coordenador de grupos de estudo em torno das obras Diferença e Repetição (Gilles Deleuze), desde 2011, Matéria e Memória (Henri Bergson), desde 2014, e Cinema 1 e 2 (Gilles Deleuze), desde 2011. Graduação em cinema, mestrado em psicologia. Trabalho também com o dispositivo vídeo em um trabalho com saúde mental, desde 2006
Ficha do Trabalho
Título
- A Resposta das Trevas: regime afetivo em História(s) do Cinema
Resumo
- Análise de sentido da obra “História(s) do Cinema” de Jean-Luc Godard, com o objetivo de circunscrever o sentido histórico do material audiovisual utilizado. Como as manipulações nas imagens e nos sons contribuem para, entre ficção e documento, traçarem a história do cinema e a do século XX? Que consequências tirar do paradoxo que se impõe com a coexistência entre a complexidade da montagem da obra, e sua tese implícita: a montagem como arte propriamente cinematográfica teria sido massacrada?
Resumo expandido
- A complexidade da montagem de “História(s) do Cinema”, de Jean-Luc Godard, pode ser ilustrada pela mistura de elementos de natureza diferente (filmes, fotos, pinturas, de ficção e documentais, títulos de filmes, de livros, de artigos, músicas do erudito ao pop), e pelo uso incessante das acelerações/desacelerações, sobreposições, flicker, efeitos gráficos, o que a situaria diretamente no âmbito da reflexão acerca da imagem, de Bergson a Deleuze, e para além dela, no campo das discussões sobre o papel do corpo e da heterogeneidade e natureza do tempo. Além disso, o cinema revela-se uma testemunha privilegiada da História, não somente por ser capaz de reproduzir aspectos da realidade, mas por poder manifestar a necessidade de suas lutas. Paradoxalmente, a montagem de “História(s) do Cinema” mostra a história de um massacre.
Dois são os motivos pelos quais a arte da montagem cinematográfica teria sido massacrada, segundo “História(s) do Cinema”. Primeiramente, a maneira como se deu a passagem entre o cinema mudo e o sonoro. Em segundo lugar, a incapacidade, muito tributária do primeiro motivo, em mostrar, ou seja, montar, os campos de concentração nazistas. A história do cinema carrega esta dor e ela se manifesta em “História(s) do Cinema”. Minha hipótese é de que se pode, com a ajuda de uma certa filosofia moderna e contemporânea, analisar a natureza e a função desta dor e desta manifestação, o que se torna urgente em tempos de virada fascista.
A análise de História(s) do Cinema em diálogo com a obra de Deleuze correria o risco de se fechar em uma tautologia, pois Deleuze utiliza muito o pensamento do próprio Godard para construir sua filosofia de Cinema. Trata-se de uma classificação das imagens cinematográficas composta por dois regimes principais: o das Imagens-Movimento e o das Imagens-Tempo. A obra de Godard está situada no regime de Imagens-Tempo. Porém, relacionar História(s) do Cinema ao regime das Imagens-Afecção, que formam um subconjunto das Imagens-Movimento, tem uma dupla função. Em primeiro lugar revela o dinamismo interno da classificação deleuzeana, que está em conformidade com a problematização do pensamento clássico realizada por Charles Sanders Peirce e Henri Bergson, dos quais Deleuze também se serve. Em segundo lugar, penetrando mais profundamente essa obra de classificação e Filosofia a partir do Cinema, podemos observar que seus dois regimes principais se entrecruzam. Há um intervalo de tempo que define as Imagens-Tempo e a inserção da obra de Godard neste regime. Porém este intervalo também está presente no regime das Imagens-Movimento, onde ele é necessariamente habitado pelas Imagens-Afecção. Estas, compostas a partir da definição bergsoniana de afecção, respondem à montagem de História(s) do Cinema enquanto manifesto, pois remetem a uma potência de resistência a interferências fortes demais, que se manifestam nas vibrações da dor.
Esta fala propõe uma abordagem ao mesmo tempo estética e política de uma obra que traz consigo um pensamento histórico. Através do conceito de Imagem-Afecção, pretendo analisar a montagem da obra História(s) do Cinema com o objetivo de contribuir para os caminhos estético-políticos do século XXI.
Tais caminhos situam-se em uma problematização do estatuto da representação das imagens, de Chris Marker e Harun Farocki, até João Moreira Salles e Eduardo Scorel, onde as imagens de arquivo são trabalhadas em sua materialidade, entre documento e as ficções que as atravessam, virtual e atualmente, tornando visível o sentido histórico, que não se reduz às unicidades narrativas.
Bibliografia
- BERGALA, Alain. Jean-Luc Godard par Jean-Luc Godard. Vols. I, II. Paris: Cahiers du cinéma, 1998.
BERGSON, Henri. Matéria e Memória. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
COUTINHO, Mário Alves; MAYOR, Ana Lucia Soutto. Godard e a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
DELEUZE, Gilles. Cinema 1: a Imagem-Movimento. São Paulo: Brasiliense, 1995.
_________________. Cinema 2: a Imagem-Tempo. São Paulo: Brasiliense, 2005.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Imagens Apesar de Tudo. Lisboa: KKYM, 2012.
GODARD, Jean-Luc. Introdução a uma Verdadeira História do Cinema. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
_________________; ISHAGHPOUR, Youssef. Cinema: the archeology of film and the memory of a century. Berg, 2005.
RANCIÈRE, Jacques. A Fábula Cinematográfica. Papirus, s.d.
SCEMAMA-HEARD, Céline. Histoire(s) du cinéma de Jean-Luc Godard : la force faible d’un art. Paris : Harmattan, 2006.
artigos
FAIRFAX, Daniel. “Montage(s) of a Disaster: Voyage(s) en utopie by Jean-Luc Godard.” Cinema Journal 54 (e outros).