Ficha do Proponente
Proponente
- Pedro Vinicius Asterito Lapera (UFF/FBN)
Minicurrículo
- Docente do PPGCINE/UFF e Pesquisador da Fundação Biblioteca Nacional (FBN/MinC). Doutor em Comunicação pelo PPGCOM-UFF, com estágio pós-doutoral em Antropologia junto ao PPGAS/UFRJ. Atualmente, realiza a pesquisa “Por uma Babel de sensações: repertórios, consumo cinematográfico e hierarquização social no Rio de Janeiro (1896-1916)”.
Ficha do Trabalho
Título
- O enterro da discórdia: notas sobre consumo cinematográfico carioca
Seminário
- Exibição cinematográfica, espectatorialidades e artes da projeção no Brasil
Resumo
- Esta comunicação pretende analisar a formação de uma cultura de classe média no Rio de Janeiro do início do século XX, considerando as práticas em torno do consumo cinematográfico. Tendo como foco um protesto de estudantes universitários contra um exibidor cinematográfico, lançamos, como questão principal: em que medida a realização de um protesto contra o proprietário de um cinematógrafo revela fontes de tensão entre os exibidores cinematográficos e o público?
Resumo expandido
- Em uma tarde ensolarada de 1913, no Rio de Janeiro, mais precisamente na Avenida Rio Branco, os transeuntes foram surpreendidos por uma cena insólita: vestidos de terno, gravata e cartola, como ditava a moda, jovens estudantes da Faculdade de Direito realizavam um enterro simbólico de Giacomo Staffa, dono do Cinematographo Parisiense, localizado na principal via da cidade. Com direito a boneco de pano gigante, caixão de madeira e discursos eloquentes, os estudantes marcharam durante algumas horas pelo Centro do Rio de Janeiro em protesto ao gesto arbitrário de Staffa de tê-los expulsado de seu cinema no dia anterior, mesmo após terem pagado por suas entradas e esperado pelo início da sessão no meio da rua.
O pivô da controvérsia, o empresário Giacomo Staffa, possuía uma trajetória não muito comum a alguns imigrantes: tendo chegado ao Brasil aos 12 anos, passou por dificuldades e teve empregos como condutor de bondes, vendedor de jornal, até conseguir acumular capital por meio de uma passagem pelo jogo do bicho e, após isso, inaugurar um cinematógrafo na Avenida Central. O Cinema Parisiense é apontado pela historiografia do cinema brasileiro como o primeiro espaço dedicado exclusivamente à exibição cinematográfica na Avenida Central, dentro do panorama das reformas urbanas pelas quais o Rio de Janeiro atravessava (Araújo, 1985, p. 198-200).
Alguns historiadores já se debruçaram sobre aspectos pouco conhecidos e fatos que historicamente tiveram pouco alcance, mas que forneciam um percurso privilegiado para acessar estruturas sociais e disposições de comportamento dos sujeitos do passado. Em O grande massacre de gatos, Robert Darnton (1986, p. 103-139) partiu da narrativa de um jovem operário de tipografia para compreender as táticas de sobrevivência dos operários em um mercado cada vez mais concentrado e o humor popular na França pré-revolucionária. Em uma historiografia orientada por questões etnográficas, Darnton analisou o significado do riso a partir de um fato que seria considerado repugnante pelos leitores atuais (a tortura e o assassinato ritual de gatos), ressaltando que a simbologia em torno do fato permitiu acessar as dinâmicas e lutas entre os diferentes estratos sociais da França pré-Revolução.
Assim como os jovens operários tipógrafos abordados por Darnton, o público de cinema no Rio de Janeiro do início do século XX também foi sendo aos poucos apagado pelas grandes narrativas da História do Brasil e do Cinema Brasileiro. Neste artigo, abordaremos o protesto de uma pequena parcela do público do cinema contra um empresário bem-sucedido, de modo a tentar acessar algumas disposições e padrões de consumo.
Nesta comunicação, abordaremos o protesto de uma pequena parcela do público do cinema contra um empresário bem-sucedido, de modo a tentar acessar algumas disposições e padrões de consumo. Mesmo que não seja um fato que tenha causado repercussão no conturbado rumo da Primeira República brasileira, podemos elegê-lo como um vestígio de algumas expectativas e de pontos de tensão no consumo cinematográfico e na conformação de uma cultura ligada à classe média.
No intuito de guiar o artigo, lançamos como questão principal: a) em que medida a realização de um protesto contra o proprietário de um cinematógrafo revela fontes de tensão entre os exibidores cinematográficos e o público?; e, como questão secundária, b) considerando as narrativas veiculadas pelos jornais sobre o protesto e seus desdobramentos, que paralelos podemos traçar entre os jovens revoltosos e uma cultura de classe média em formação na então Capital no início do século XX?
A discussão sobre a formação de uma cultura de classe média na então Capital Federal pretende inserir-se num debate historiográfico que se debruçou sobre a repressão aos elementos caros à cultura popular e sobre a afirmação de uma visão de elite sobre a Belle Époque carioca, na qual uma abordagem sobre os estratos médios da população carioca vem sendo negligenciada.
Bibliografia
- ARAÚJO, Vicente de Paula. A Bela época do cinema brasileiro. São Paulo: Perspectiva, 1985.
BERNARDET, Jean-Claude. Historiografia Clássica do cinema brasileiro. São Paulo: Annablume, 2004.
CAMPBELL, Colin. A ética romântica e o espírito do consumismo moderno. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.
DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
DOUGLAS, Mary & ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2004.
sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: LTC, 1988.
NEEDELL, Jeffrey. Belle Époque Tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século. São Paulo: Cia. das Letras, 1993.
SINGER, Ben. Melodrama and modernity: early sensational cinema and its contexts. New York: Columbia University Press, 2001.