Cinema Comparado
Resumo
- O seminário pretende explorar os diversos aspectos de uma abordagem comparatista do cinema, examinando, por um lado, seus fundamentos e implicações teóricas e metodológicas, e, por outro, um conjunto amplo de objetos particulares em suas múltiplas formas de relação e cotejo. Tais objetos serão investigados no interior do próprio campo do cinema (pela confrontação de filmes, cineastas, movimentos, períodos, cinematografias etc.) ou na sua fronteira com outros campos e saberes (literatura, artes visuais, artes cênicas, ciências humanas etc)
Assim concebidas, as discussões do seminário tendem a interceptar debates em curso sobre a história do cinema, suas relações com outras artes e saberes, a prática da programação ou da curadoria de filmes, e assim por diante. Nas propostas que esperamos receber, gostaríamos de nos deparar com um leque amplo de comparantes (internos e externos), mas privilegiaremos, em todo caso, aquelas que tomem o cinema como ponto de ancoragem.
Introdução
- Inspirado livremente numa abordagem comparatista que é tradicional nas ciências humanas, e cuja institucionalização no campo dos estudos literários remonta ao século 19 e perdura até o 21, o seminário procura explorar suas virtualidades no âmbito do cinema, num momento de alargamento de suas fronteiras. Esta exploração se volta, sobretudo, para a prática da comparação interna ao campo do cinema (entre filmes ou conjuntos de filmes, cineastas, movimentos, cinematografias), mas também entre o cinema e seus campos limítrofes nas artes (literatura, pintura, fotografia, vídeo, televisão, arte contemporânea) e no pensamento (filosofia e demais ciências humanas).
Essa diversidade de abordagens e de objetos potenciais do seminário é acolhida pela premissa comum do conhecimento por confrontação e cotejo. Ao escapar da restrição ao objeto único, a comparação facilita a transposição de raciocínios e potencializa o alcance hermenêutico das atividades de análise fílmica e de produção teórica em sentido mais amplo. De sua prática podem derivar panoramas renovados, descobertas originais e conceitos específicos, contribuindo para o desenvolvimento, sistematização e aprofundamento de metodologias de pesquisa e de interpretação de obras no campo disciplinar dos estudos de cinema e audiovisual
Objetivo
- O seminário visa dar continuidade ao trabalho – já empreendido nas duas últimas edições do encontro – de preencher uma lacuna teórica digna de nota em nossos estudos de cinema (aí incluída a própria SOCINE), ao federar, incrementar e, se possível, sistematizar práticas comparatistas relativamente correntes no debate cinematográfico, mas nunca traduzidas num programa específico e claramente delimitado por pesquisas, como o da literatura comparada, que se consolidou há muito em nosso meio acadêmico, mobilizou notáveis estudiosos da literatura e engendrou associações específicas (como a ABRALIC – Associação Brasileira de Literatura Comparada), com eventos e pautas próprios.
Aspecto
- Os métodos de abordagem, que podem inventar caminhos singulares a cada pesquisa, baseiam-se na confrontação entre objetos e fenômenos, atentando para paralelos, analogias, contrastes, diálogos, apropriações e transformações que compõem o arsenal de operações dos artistas, mas também os instrumentos de investigação dos críticos, teóricos e historiadores.
Se informam livros clássicos de Ismail Xavier (Sertão Mar: Glauber Rocha e a estética da fome, de 1983, Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal, de 1993) e Robert Stam (Reflexivity in Film and Literature, de 1992, e Multiculturalismo tropical: uma história comparativa da raça na cultura e no cinema brasileiros, de 2008), ou mais recentes de Lúcia Nagib (World Cinema and Ethics of Realism, de 2011), os métodos comparativos informam também a prática, ora mais intuitiva, ora mais refletida, de programadores e curadores cinematográficos, para não falar das nossas próprias práticas pedagógicas em sala de aula. Raramente explicitados e teorizados enquanto tais, estes métodos podem ser desentranhados de todas estas práticas e trazer lições para quem se ocupa do cinema comparado, cuja reflexão pode, por sua vez, fornecer-lhes balizas e fundamento.
O seminário abrange em seu escopo teórico não só a atividade comparatista em si, sua dimensão empírica na análise de obras audiovisuais, como também a investigação sobre a lógica das comunicações e relações interdiscursivas que podemos identificar entre diferentes produções culturais e práticas significantes. Mais do que constatar e descrever o jogo das analogias e diferenças, interessa-nos discutir o nexo subjacente a elas, as leis de troca, comunicação, desvio, isomorfismo ou defasagem que as põem em relação. Além de mapear sistemas de relações e ferramentas de análise para pesquisadores que trabalhem com um conjunto (heterogêneo ou não) de obras e/ou de práticas artísticas, o método comparatista aqui preconizado também visa a estabelecer os limites epistemológicos de um tipo singular de produção teórica. O horizonte do cinema comparado, tal como sustentado neste seminário, não é encontrar um domínio singular, que possa funcionar como modelo reduzido ou forjar uma unidade para agrupar a diversidade dos objetos, mas, antes, enfrentar o caráter necessariamente problemático do corpus eleito pelo comparatista, sobretudo em um contexto cultural tardio, como é o caso atual.
Assim como os modos de agrupamento, combinação e confronto entre os filmes, são muitas as vertentes comparatistas que podemos abarcar. Explicitando o vínculo buscado pela própria Socine entre os Seminários Temáticos e as pesquisas em curso, assinalemos aquelas de caráter comparatista desenvolvidas atualmente pelos coordenadores do ST: Mateus Araújo desenvolve uma abordagem que qualifica de “prismática”, na qual um único cineasta (no caso, Glauber Rocha) é comparado a vários outros (Sergei Eisenstein, Luis Buñuel, Jean Rouch, Jean-Luc Godard etc). Luiz Carlos Oliveira Jr., em sua tese de doutorado, investigou a forma como o filme Vertigo (Alfred Hitchcock, 1958) representa um ponto de irradiação na história das formas cinematográficas, a partir do qual se pode rastrear e analisar todo um universo de obras (fílmicas, mas não só: pinturas, fotografias, trabalhos vídeo-artísticos e textos literários também compõem a galáxia-Vertigo) que possuem como solo comum a premissa meta-artística de refletir sobre os próprios meios de representação historicamente consolidados na arte ocidental. Com foco numa história dos roteiros, Pablo Gonçalo aborda comparações entre dramaturgias de diversas artes e mídias, que englobam o teatro, o rádio e, mais especificamente, o cinema. Ao tratar roteiristas como autores , sua pesquisa engloba também comparações com distintas e histórias e cinematografias, como a brasileira, o cinema moderno europeu e o cinema clássico de Hollywood. Nos seus trabalhos mais recentes, vem coletando e analisando roteiros não filmados e propõe, por meio desses singulares objetos, uma arqueologia especulativa da história do cinema.
Bibliografia
- Bibliografia resumida:
ARAUJO SILVA, Mateus. “Jean Rouch e Glauber Rocha: de um transe a outro”. In: _____ (Org.). Jean Rouch 2009. Belo Horizonte: Balafon, 2010, p.47-89.
AUMONT, Jacques (Org.). Pour un cinéma comparé: influences et répétitions. Paris: Cinémathèque française, 1996.
_______. Le Septième Art: Le cinéma parmi les arts. Paris: Léó Scheer, 2003.
BELLOUR, Raymond. La Querelle des dispositifs: Cinéma – installations, expositions. Paris: P.O.L., 2012.
BONFAND, Alain. Le cinéma saturé: Essais sur les relations de la peinture et des images en mouvement. Paris: PUF, 2007.
CARVALHAL, Tania F. & COUTINHO, Eduardo F. (Org.). Literatura comparada – Textos fundadores. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
FIANT, Antony; FRANGNE, Pierre-Henry; MOUËLLIC, Gilles (Org.). Les oeuvres d’art dans le cinéma de fiction. Rennes: PUR, 2014.
FOUCAULT, Michel. “Os fatos comparativos”. In: ____. A arqueologia do saber. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013, p. 192-201.
GONCALO, Pablo: O Cinema como Refúgio da Escrita: Roteiros e Paisagens em Peter Handke e Wim Wenders.São Paulo: Annablume, 2016
OLIVEIRA Jr., Luiz Carlos. Vertigo, a teoria artística de Alfred Hitchcock e seus desdobramentos no cinema moderno. [Tese de Doutorado]. São Paulo: ECA-USP, 2015.
SOUTO, Mariana. Infiltrados e invasores – uma perspectiva comparada sobre as relações de classe no cinema brasileiro contemporâneo. Salvador: EDUFBA, 2019.
STAM, Robert. Reflexivity in Film and Literature: From Don Quixote to Jean-Luc Godard. New York: Columbia University Press, 1992.
_______. Multiculturalismo tropical: uma história comparativa da raça na cultura e no cinema brasileiros. São Paulo: Edusp, 2008.
XAVIER, Ismail. Sertão mar: Glauber Rocha e a estética da fome. São Paulo: Cosac & Naify, 2007.
_______. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal. [1993]. 2a ed. São Paulo: Cosac e Naify, 2012.
Coordenadores
- Mateus Araujo Silva
Pablo Gonçalo
Luiz Carlos Oliveira Junior