Seminários Temáticos para o triênio 2020-2022

Outros Filmes

Resumo

    O seminário temático propõe refletir sobre os “outros filmes”, os filmes que a crítica e as histórias de cinema canônicas (centradas no filme de autor, na ficção e em formatos de longa-metragem) têm deixado à margem. Entre eles, encontramos o filme de “utilidade” (institucional, turístico, didático, publicitário), o filme amador e doméstico e os chamados filmes “efêmeros” e filmes “órfãos”. Tendo em vista que a maior parte dessa produção acaba por sobreviver em arquivos, interessa-nos também discutir o próprio espaço do arquivo audiovisual e os percursos migratórios das imagens. Como se constitui um arquivo de imagens em movimento? Qual a relação entre o arquivo e a criação de novos filmes? Como desenvolver e aplicar teorias e metodologias que nos ajudem a interrogar a produção, circulação e sobrevivência das imagens não canônicas do cinema?

Introdução

    O grupo de trabalho Outros Filmes foi originalmente criado em 2013 no âmbito do Encontro da Associação dos Investigadores da Imagem em Movimento (AIM) de Portugal. Desde então, o grupo acontece anualmente e vem constituindo uma rede de pesquisadores (espalhados em países como Portugal, Brasil, Itália, Espanha e França) interessados pela investigação dos filmes não canônicos. Em 2016, as então coordenadoras do GT editaram um dossiê temático na revista portuguesa de cinema Aniki, onde foram apresentados os resultados alcançados nos primeiros três anos do grupo. Nesse dossiê, foi proposto também um debate teórico em torno do campo que identificamos como “outros filmes”.
    O termo “outros filmes” foi pensado para designar objetos e pesquisas que não compartilham do cânone das histórias de cinema, tradicionalmente centradas no cinema de autor, na ficção e nos formatos em longa-metragem. Em outras palavras, os “outros filmes” “são filmes que não são filmes ou na expressão original not-a-movie films” (Streible, 2009), filmes que tradicionalmente não ocupam as salas de cinema, tais como filmes amadores, metragens não identificadas, imagens de circuito de vigilância, filmes universitários e didáticos, dentre outros.
    Apenas nos anos 1990 passamos a identificar em maior quantidade iniciativas (tanto no campo acadêmico como no da preservação audiovisual) que buscam chamar atenção para a necessidade da crítica e da história do cinema incorporarem em suas narrativas essas imagens. Nessa década, surge no contexto anglo-saxão a discussão em torno dos “orphanfilms”, filmes cujos autores são desconhecidos e sobre os quais não são investidos poderes e saberes que garantam sua duração nos arquivos e na própria história do cinema. Também no final da década de 1990 são publicados os primeiros trabalhos de Roger Odin e Patricia Zimmermann sobre o cinema amador. Esse movimento que começa nos anos 1990 ganha força nos anos 2000, testemunhamos um aumento de publicações, no Brasil e no exterior, que recusam o paradigma estético autoral e incorporam não só novos objetos, como, também, novas práticas teórico-metodológicas.
    O GT “outros filmes” foi criado na esteira desses acontecimentos como espaço de valorização dos estudos em torno desse “outro” cinema. Em Portugal, o GT tem contado com a participação anual de inúmeros pesquisadores brasileiros, alguns deles com artigos publicados no dossiê da revista Aniki. Entendemos que trazer o GT para a Socine permitirá a consolidação desse debate no Brasil e a ampliação da rede de pesquisa já constituída nos encontros da AIM.

Objetivo

    O ST tem por objetivo criar um espaço de reflexão sobre a temática dos “outros filmes”, nutrindo particular interesse em pesquisas que apresentam estudos de casos originais oriundos das várias cinematografias nacionais. No campo dos “outros filmes” identificamos aquelas produções que não fazem parte do cânone do cinema, como os filmes institucionais, os filmes turísticos e de atualidade, as imagens amadoras e de câmera de vigilância, os filmes com fins didáticos, dentre outros. O interesse pelas imagens não canônicas acaba também por nos conduzir para dentro dos arquivos audiovisuais. Nesse sentido o ST pretende agregar pesquisadores interessados nas políticas e estratégias empregadas por diferentes acervos na salvaguarda e difusão de imagens tradicionalmente vistas como descartáveis e “menores”. O ST deseja ser um espaço interdisciplinar e acolher contribuições vindas de áreas como os estudos de cinema e arte, os estudos culturais, a história, os estudos de memória.

Aspecto

    Como colocado na justificativa, o campo dos “outros filmes” é relativamente novo e as primeiras iniciativas podem ser reconhecidas no final dos anos 1990, principalmente a partir dos trabalhos do teórico francês Roger Odin; da socióloga americana Patricia Zimmermann e do movimento desencadeado pela comunidade arquivística anglo-saxã que propõe a discussão em torno dos “orphanfilms”. Cabe ressaltar que nos anos 1990 surge uma série de inciativas no universo dos arquivos audiovisuais de valorização das imagens não canônica do cinema. Na França, foram criadas as primeiras Cinematecas Regionais, que interessadas em salvaguardar a cultura local, acabaram por se configurar como centros de preservação do cinema não profissional. Em 1994, teve lugar, no Nederlands Filmmuseum de Amsterdã, um seminário sobre os primeiros filmes de não ficção da história do cinema. Em 1997, foram iniciados os trabalhos na National Film Preservation Foundation, que assumiu como missão “salvar os filmes americanos que provavelmente não sobreviveriam sem investimento público”.

    O interesse acadêmico e arquivístico sobre essas imagens acontece no mesmo momento. Se, de um lado, a academia passa a produzir teorias e métodos de abordagem para esse cinema que se encontrava, até então, à margem dos estudos cinematográficos, de outro, os arquivos audiovisuais começam a incorporar em suas agendas de trabalho a missão de salvaguardar e patrimonializar imagens entendidas como descartáveis. Assim, novos aportes teóricos e metodológicos desenvolvem-se concomitante a novas formas de arquivar e à criação de novos arquivos. Tendo como ponto de partida esse entrelaçamento, o ST “outros filmes” propõe como enfoque os filmes não-canônicos e as questões que colocam aos arquivos de imagens.

    Nesse sentido, as pesquisas que nos interessam são, principalmente, aquelas que interrogam as imagens não apenas a partir do ponto de vista estético, mas também da sua materialidade, como imagens sobreviventes e migrantes que resistem, apesar de tudo, às ações do tempo e dos homens. Para nós, a “política das imagens” é como coloca Stuart Hall uma política da representação, um campo onde os sentidos estão em permanente disputa. Mas ela é também, uma política de seleção de visibilidade e permanência, nos arquivos e na própria história do cinema. O ST quer pensar também os filmes que estão acessíveis apenas ilegalmente e outros que ainda precisam ser descobertos; quer pensar os filmes que correm o risco de tornar-se permanentemente invisíveis devido a falta de recursos, negligência ou por conta da decomposição física do suporte material. Ao propor refletir sobre “outros filmes”, o ST quer revisitar o não-canônico com vistas a novas formas do fazer histórico.

    Dentre as principais referências teóricas do ST estão investigadores que desde o início da década de 2000 promovem estudos originais nesse campo. Nos contextos europeu e anglo-saxão, podemos mencionar além dos já citados Patricia Zimmermann e Roger Odin (referências incontornáveis nos estudos do cinema amador), pesquisadores como Sylvie Lindeperg, Christa Blumlinger, Jean-Pierre Bertin-Maghit, Vicente Sanchez-Biosca e Antonio Weinrichter, que a partir de diferentes perspectivas desenvolvem trabalhos sobre a migração das imagens. Cabe destacar também os trabalhos de Dan-Streible e Nico de Klerk que conduzem a discussão em torno dos “filmes órfãos” e “efêmeros”. No Brasil, podemos citar os trabalhos de Andrea França e Consuelo Lins, que nos últimos anos desenvolveram pesquisas em torno do cinema silencioso brasileiro de não ficção e dos filmes amadores, propondo também novas abordagens metodológicas para esses objetos. Por fim, é importante mencionar que no Brasil a temática tem atraído principalmente pesquisadores das novas gerações interessados em questionar o contexto de produção, os processos de patrimonialização e os caminhos migratórios dessas “outras imagens” do passado e do presente.

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Coordenadores

    Thais Blank
    Beatriz Rodovalho
    Andrea França Martins