Seminários Temáticos para o triênio 2020-2022

Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas.

Resumo

    A proposta do Seminário é oferecer espaço para a apresentação de pesquisas que reflitam desde os conceitos até as múltiplas narrativas imagéticas, midiáticas e tecnológicas das cinematografias africanas e afrodiaspóricas e ainda, como estes se comunicam com as representações desse universo. O objetivo é compartilhar trabalhos que dialoguem com essas diversas produções audiovisuais, entendendo essas produções em suas dimensões políticas, culturais, e sociais e, sobretudo, estéticas. O ST se propõe a refletir sobre os trabalhos elaborados em distintas temporalidades e formatos, filmes em relações com o campo das artes visuais (cinema expandido) e o campo recente de narrativas seriadas, abordados em distintas perspectivas tais como memórias, identidades, gêneros e estéticas no audiovisual, estimulando os avanços e desdobramentos teóricos e metodológicos do campo.

Introdução

    Este ST constitui-se num espaço de reflexão sobre a especificidade das relações étnico-raciais na realização cinematográfica e audiovisual. Procura dar continuidade ao campo de reflexões e debates instituído pelo ST “Cinema Negro africano e diaspórico – Narrativas, identidades, diálogos e representações”, no biênio 2018-2019. No Brasil, há ainda um longo percurso para ser trilhado, seja em relação às práticas curriculares no ensino superior, que assumam a negritude nas filmografias e bibliografias e o impulso em desenvolver continuamente pesquisas na área. Recentemente, políticas públicas e o novo horizonte das tecnologias da comunicação e informação pelo digital fomentaram práticas numericamente relevantes, para que os cinemas negros, africanos e afrodiaspóricos assumam seus protagonismos, principalmente, em relação às propostas estéticas.
    Dessa forma, o ST acolherá estudos sobre produções audiovisuais que reflitam desde os aspectos conceituais de sua definição, passando pela multiplicidade dos formatos narrativos e estéticos dos filmes e os diversos elementos temáticos e políticos que atravessam o audiovisual. Optamos por utilizar Cinemas Negros, Africanos e Afrodiaspóricos no plural, para marcar a diversidade artística, político, social, cultural e estética implicadas, e por isso em constante processo de mutação e reafirmação das suas bases. Nesse sentido, o ST se propõe como um espaço múltiplo, que preza por discutir as diferenças em temáticas antirracistas, revelando diversidades e afetos, em contextos locais e globais.
    Nos últimos anos, no campo do audiovisual, assistimos a um crescente interesse pelas questões étnico-raciais, que vem sendo exploradas, teórica e metodologicamente, de modo inter e transdisciplinar. Com o avanço dos dispositivos digitais, horizontes de investigação foram alargados, agregando-se a esse temário provocações advindas da esfera política, com novos formatos, linguagens e dispositivos, como os seriados, foram incorporados aos estudos; o fenômeno da auto representação também se inscreveu como uma vertente importante e por instituir novos espaços de discussões emergentes.
    O campo das representações ampliou-se. Os modelos de produção de coletivos de jovens, seja nas periferias e/ou universidades, para viabilizar suas produções, revelam outros modos de fazer. Movimentos estéticos, políticos e culturais contemporâneos também possuem consideráveis impactos nas narrativas negras, como por exemplo, o Afrofuturismo (que pensa a junção da ficção especulativa com a experiência negra diaspórica e africana).
    O ST tem, portanto, o propósito de continuar a dar abrigo ao leque de pesquisas sobre as audiovisualidades, identidades, subjetividades e representações as questões de raça e de suas interseccionalidade (gênero, classe, território, geração, língua e sexualidade) atestam o inegável interesse sobre os Cinemas Negros, Africanos e Afrodiaspóricos.

Objetivo

    1. Estabelecer a continuidade dos estudos dos cinemas negros, africanos e afrodiaspóricos, com o propósito de reunir pesquisadores de diferentes lugares e posições acadêmicas e profissionais, para discutir novas ideias, conceitos e epistemologias, proporcionando a consolidação do campo de investigação;
    2 Instituir um espaço múltiplo e reflexivo sobre produções audiovisuais negras, africanas e afrodiaspóricas,que prezam por discutir as diferenças, com pesquisas comprometidas com temáticas que destaquem as diversidades destas obras;
    3 Promover a produção e discussão teórica e crítica de investigações, que denunciam e/ou combatem o racismo, as discriminações, os preconceitos e os estereótipos, revelando diversidades e afetos, em contextos, espaços e cenários locais e globais.
    4 Compartilhar trabalhos que dialoguem com as diversas produções audiovisuais negras, africanas e afrodiaspóricas, entendendo essas produções em suas dimensões políticas, culturais, sociais e, sobretudo, estéticas.

Aspecto

    Falar em Cinemas Negros é falar em importantes desafios conceituais para pesquisadores, curadores, críticos e para o público espectador. Parte desses desafios também se situam na complexidade das cinematografias envolvidas. No Brasil, há poucos anos atrás tratar de cinema negro era tratar de um projeto em construção. Um projeto que, articulado às lutas históricas dos movimentos negros, demandava por mudanças na representatividade negra dentro e fora das telas de cinema, tal como ocorreu em outros países da África e das afrodiásporas.

    Foi assim nos Estados Unidos, quando pela primeira vez realizadores negros passaram a produzir contra-representações às formas hegemônicas que Hollywood construía os personagens negros no cinema. Quando, por exemplo, Oscar Micheaux em 1920 realizou Nos limites dos portões (Within our gates). Ou ainda quando em meados dos anos 1980 na Inglaterra o Black Audio Film Collective iniciou seus trabalhos já numa dimensão de vanguarda, rompendo simultaneamente tanto com os estereótipos nas representações dos negros, como a forma de narrar e os espaços onde tradicionalmente se encontravam as imagens em movimento. Tratava-se de “construir uma imagem adequada, uma imagem verdade e intimidade, envolvia declarar guerra à própria máquina-imagem, pois o padrão das configurações do cinema era antiético – e mesmo hostil – à própria possibilidade de cinema negro”, como destacou o cineasta ganense, radicado na Inglaterra, John Akomfrah.

    No caso brasileiro, inclusive, este viés analítico que compreende a história do cinema negro na correspondência com as demandas por representação e representatividade dos movimentos negros esteve na base das análises pioneira efetuadas pela maioria dos pesquisadores do país, que se dedicaram a estudar essa história. Atualmente, após praticamente quatro décadas de existência, o cinema negro nacional finalmente ganhou forma e corpo, despontando na força de um movimento incontestável e inquestionável, que se desdobra na consolidação de um campo de reflexões teóricas e estéticas e de pesquisas acadêmicas aglutinadas primeiramente no ST “Cinema Negro africano e diaspórico – Narrativas, identidades, diálogos e representações”, e que o ST “Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas” ora pretende expandir e dar continuidade.

    Do ponto de vista teórico-metológico, partimos da prerrogativa levantada por Micheal Boyce-Gillespie acerca da interrogação permanente constitutiva do campo do cinema negro, estimulando investigações mais expansivas e matizadas, nas quais as produções audiovisuais são compreendidas como práticas artísticas, para além da correspondência direta às realidades do que quer se se entenda por experiências negras (Blackness). Assim, o campo dos estudos de cinema (film studies) nos EUA representam um dos parâmetros que orientam o ST em termos de práticas acadêmicas e artísticas, que estiveram atadas aos modos libertários de reflexão de construção de imagens e sons de negros, justamente para transpor estereótipos e assumir a imaginação plena.

    Correlato, o campo das cinematografias africanas, nos circuitos de produção, distribuição e exibição, também organizaram modos de existência cinematográficos para romper com os limites impostos pela colonização. Portanto, em escalas variadas, com agenciamentos específicos, as cinematografias aqui consideradas têm cumprido agendas próprias para a construção libertárias de imagens não eurocêntricas, em consonância com diversos movimentos sociais, culturais, artísticos, estéticos e políticos.

    Compreendemos, portanto, que os cinemas negros, africanos e afrodiaspóricos atualizam-se num cruzamento bastante complexo com cinematografias nacionais e continentais, incluindo, as produções africanas em sua grande diversidade geográfica, linguística e cultural. Assim, do ponto de vista da delimitação em relação a qual cinematografia pertencer, levamos em consideração esses cruzamentos estratégicos entre nacionalidade, transnacionalidade e transcontinentalidade, entre África e as afrodiásporas lado a lado, sem instituição de hierarquias e fronteiras. Mas, é sobretudo a defesa de um universo indissociável, de expressão e conteúdo, que revele e compartilhe experiências audiovisuais não-eurocêntricas. As questões estéticas e políticas desses universos cinematográficos se conectam em estudos sobre identidades, política, ativismos, conexões e compromissos sociais, estéticas, prazer, entretenimento, arte e indústria, espectatorialidade, políticas de gênero, e também nas relações do cinema com outras linguagens artísticas. Diante da complexidade destas produções, percebemos o momento oportuno para a emersão de reflexões críticas, com destaque para formas criativas e engenhosas, repensando políticas, estratégias, estéticas, fomentando multiplicidades de possibilidades de leituras de mundo.

Bibliografia

    AKOMFRAH, John. “A prática cinematográfica independente negra: uma declaracão do coletivo Black Audio Film Collective”. In: MURARI, Lucas; SOMBRA, Rodrigo (orgs). O Cinema de Akomfrah: espectros da diáspora. Rio de Janeiro: LDC, 2017.
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    SHOHAT, Ella e STAM, Robert. Crítica da Imagem Eurocêntrica. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
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Coordenadores

    Janaína Oliveira
    Gilberto Alexandre Sobrinho
    Jusciele Conceição Almeida de Oliveira