Audiovisual e América Latina: estudos estético-historiográficos comparados
Resumo
- O objetivo do Seminário Temático é discutir questões narrativas, estéticas, estilísticas e historiográficas da produção audiovisual da América Latina, por meio de um viés comparativo de análise. Desdobram deste foco novas direções de estudos e recortes de investigação, na perspectiva de se ir além das tradicionais abordagens sobre cinematografias nacionais. Assim, o propósito deste ST é reunir pesquisadores que se debruçam sobre o audiovisual latino-americano, proporcionando um espaço que permita aprofundar e ampliar suas reflexões, além de contribuir para um processo de revisão e/ou (re)construção historiográfica. O que significa, entre outros pontos, estimular debates que inter-relacionam o audiovisual brasileiro ao de outros países da AL. Sublinhamos, porém, que não há obrigatoriedade de análises comparativas que envolvam o cinema brasileiro, pois o interesse maior é colocar em jogo demais filmografias e processos cinematográficos, com ênfase no referido recorte sóciogeográfico.
Introdução
- Os embates entre haver ou não uma cinematografia nacional, ganham, sabemos, mais complexidade no cinema contemporâneo, em função de um processo de produção que se articula internacionalmente. A despeito deste dado objetivo, as nacionalidades – incluindo os produtos culturais – permanecem. E, no contexto atual, ganham fôlego em um território que tem significado, não raro, posições fascistas de exclusão, ao limite dos assassinatos. O “outro” nacional, nesse caso, é o grande inimigo. Sob este diagnóstico um tanto genérico (pois não é o foco promover aqui essa discussão), sobrevivem os esforços de, sem se anular os imaginários e políticas que definem as nacionalidades, estimular, debater, analisar produtos e processos que contribuem, de modo substantivo, para maior tolerância, solidariedade e o reconhecimento da alteridade.
Este mote é, em termos políticos, o que mobiliza a proposta deste ST que tem como “inspiração” os diversos movimentos que marcam a proposta da configuração de uma cinematografia latino-americana que revele os históricos e situações socioculturais e econômicas de cada país integrante desses loci imaginados. Afinal, compartilhamos um passado colonial, que diz respeito a territórios ocupados, riquezas naturais pilhadas e povos originários combatidos e massacrados; compartilhamos fenômenos econômicos e sociais semelhantes, como a tentativa de domínio por parte do imperialismo estadunidense e suas recorrentes interferências políticas; compartilhamos, em resumo, uma determinada situação dentro do capitalismo internacional, passado e recente. Mas também nos diferenciamos em diversos aspectos: no tamanho de nossas indústrias e mercados consumidores; nas línguas faladas – espanhol e português, mas também francês, quéchua, aimará, etc.; nas formas através das quais nossos povos responderam historicamente a cada contexto local assemelhados, com suas lutas políticas específicas; assim como em nossa heterogênea produção cultural, devedora, em larga medida, de nossa diversidade cultural, mas interessada em absorver e canibalizar influências estrangeiras.
Portanto, a proposta deste ST pretende se viabilizar afirmando que o cinema e o audiovisual latino-americanos residem nessas interpenetrações reais, materiais e simbólicas que por vezes nos aproximam como povos e países e, por vezes, nos afastam. Trata-se de uma produção e processos culturais cujas tensões em se viabilizar colaboram no reconhecimento das múltiplas identidades que se apresentam, tantas vezes, como nossas identidades cruzadas. Comparar essas produções e processos é, a nosso ver, forjar um espaço amplo, aberto a trocas que não se mostram explícitas sem que se invista em novas abordagens. Um espaço que pode garantir as renovações e perspectivas singulares de estudos e investigações que ampliam os diálogos necessários para a compreensão e reconhecimento das potentes (a despeito de tantos dilaceramentos) cinematografias e audiovisualidades da América Latina.
Objetivo
- O objetivo do ST é discutir questões narrativas, estéticas, estilísticas e historiográficas em torno da produção audiovisual da América Latina, incluindo co-produções, por meio de um viés comparativo de análise. A perspectiva comparada visa estimular abordagens que tragam à tona revisões e (re)construções historiográficas; similaridades e diferenças de processos e produtos audiovisuais; além de uma pluralidade de visões que permitam extrapolar entendimentos sobre uma suposta linguagem e mesmo “identidade” latina. Destacamos, ainda, que a proposta pretende, em um de seus aspectos, ressaltar uma dimensão latino-americana da produção audiovisual brasileira, como forma de discutirmos as dificuldades de nos percebermos inseridos numa experiência subcontinental que, historicamente, afastou o Brasil de um processo histórico coletivo. O que não significa não reconhecer as especificidades da historiografia cinematográfica brasileira (ou de qualquer outra latino-americana).
Aspecto
- Os estudos comparativos, sabemos, têm significativa tradição em áreas como as Ciências Sociais, História e Letras e, mais recentemente, também os estudos de cinema e audiovisual têm se valido deste método. A singularidade da nossa proposta ao acionar o método comparativo está no imperativo da dimensão geográfica como norte definidor da investigação e, ainda, na maneira de encontrar similaridades e diferenças entre culturas latino-americanas que escapem de uma representação normativa de “pátria grande”. Portanto, acreditamos que, embora relativamente pouco comum nos estudos de cinema e audiovisual, especialmente no âmbito latino-americano, a análise comparativa entre dois ou mais produtos e/ou processos audiovisuais desta “sócio geografia”, pode ser um procedimento frutífero e promissor para a nossa área.
Assim, se para o pesquisador Paulo Paranaguá, os estudos de cinema da América Latina, sobretudo sua historiografia, são fortemente marcados por um viés nacional, perseguiremos abordagens que os ampliem e enriqueçam. Este e outros autores notam que o audiovisual em nosso subcontinente é caracterizado pela hegemonia da produção estrangeira, sobretudo estadunidense, e por isso a história de nossas cinematografias teria sido marcada como uma constante pugna contra o audiovisual estrangeiro.
Por outro lado, conforme assinala Jean-Claude Bernardet, ao propor estudos históricos especificamente para o cinema brasileiro, um bom entendimento sobre a história de tal cinematografia precisa necessariamente se defrontar não apenas com a hegemonia do cinema estrangeiro, mas com o Estado como agente e instituição social significativo. Buscamos expandir essa perspectiva a todas as cinematografias latino-americanas. No entanto, para além da inter-relação com o cinema estrangeiro hegemônico, postulamos que estudar comparativamente tais cinematografias entre si é um importante caminho para nosso campo. Sustentamos que os estudos comparados podem, inclusive, lançar novas luzes para o entendimento de cada cinematografia em particular.
Portanto, a partir do referido método, enfatizamos as seguintes abordagens: 1) a análise comparada entre filmes hispano-americanos, destacando particularidades que ressaltam aspectos específicos ligados aos contextos locais e nacionais que, muitas vezes, são trabalhados de forma menos evidente sob a ideia mais abrangente de “filme latino-americano”; 2) a análise comparada entre filmes hispano-americanos e brasileiros, como forma de destacar uma leitura da cinematografia brasileira a partir de aproximações e afastamentos da produção subcontinental. Esta perspectiva possibilita iluminar aspectos históricos, econômicos, artísticos e culturais da produção brasileira, levando em conta uma experiência latino-americana durante muito tempo negligenciada pela nossa construção identitária; 3) a análise entre filmes latino-americanos e outras cinematografias mundiais, dando ênfase ao aspecto transnacional na especificidade da produção de nosso subcontinente – em suas dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais e no bojo dos aspectos de produção, narrativo, estético, de circulação, exibição, recepção; 4) análise comparada de diversos processos relacionados ao campo do cinema na América Latina, como, por exemplo, o pensamento historiográfico, a crítica cinematográfica, as escolas de cinema, políticas públicas de fomento à produção audiovisual; políticas de preservação e construção de memória em torno ao cinema latino-americano; processos latino-americanos de espectatorialidade e consumo dessa produção; práticas de sociabilidade constituídas pelas experiências cinematográficas na América Latina, dentre outros.
Por último, sem, é claro, qualquer pretensão de uma abrangência para além das possibilidades de um ST, interessa a essa proposta articular e consolidar redes de pesquisa que se viabilizem no território que o Seminário Temático trabalha, em processos que se desdobrem das abordagens e discussões que têm ocorrido no âmbito do Encontro da Socine. (Tais horizontes foram apontados – afinal, trata-se de uma reproposição – desde a última Socine, o que, a nosso ver, confirma uma escolha teórico-metodológica fértil que pode, ainda, revelar-se mais potente, com os devidos ajustes que já sinalizamos nessa proposta).
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Coordenadores
- Marina Soler Jorge
Natacha Muriel López Gallucci
Fabián Rodrigo Magioli Núñez